Sentada na calçada, balançando seus pés.
Ali, parada. Observando a fluidez preta que a água tinha. Seu curso, seu transe, sua caminhada onde a vista se perdia.
E ela, parada ali Abrindo aquele velho livro, também se perdia. Perdida, tudo sumia, menos as palavras que lia. Recoberta pelo cheiro de mofo que vinha do amarelo das páginas, mas não a incomodava, na verdade aquilo era bom! Não era mais o cheiro da merda que descia o esgoto em frente à sua casa. Ela lia, e imaginava como se aqueles verbos fossem suas asas, suas chaves, sua passagem para longe, para o seu admirável mundo novo.
Recreio? Era sagrado. Ficava ali no canto, observando a mordida do rato que ficava no canto do livro, imaginando que ele também gostava dele. Suas amigas brincavam no pátio com suas bonecas loiras, mas ela não se importava. Preferia imaginar um rato leitor. Os professores achavam aquilo estranho, ela não falava mais, agora se escondia na sala, lá atrás, e quando tentavam se aproximar, saber o que estava acontecendo, ela não permitia, preferia ficar lendo. E ficava querendo saber do rato, o porquê das dentadas no livro. Será que ele tentava roubar as palavras? Vai saber! Mas a menina não parava de querer entender.
Vai saber o que, de verdade, se passava na cabeça da menina! Dizem que aqueles que sonham são perigosos, são livres. Mas ela não se importava com essas classificações, e também não fazia questão. O que era importante mesmo era o livro, as sílabas, vogais e consoantes, habitantes de cada página. Ela queria ler! Sair daquela aldeia sufocante, longe dos centros, perto dos montes. Ontem são as mesmas palavras lidas hoje, mas ontem ela leu e viu um sentindo, uma emoção, que hoje não tinham mais o mesmo valor, agora já eram sentidos passados, trocados por um sentimento novo.
Passaram dias, semanas, meses, anos, e a menina não sentia vontade de fazer outra coisa. Seus irmãos corriam pela rua, jogando bola, brincando de esconde-esconde, e ela sentada naquela calçada, balançando seus pés, com o livro no colo. Muitos achavam que ela era doente, os pais achavam que era algo grave, ela não agia como criança. Quem poderia culpá-los por pensar assim? Quem já viu criança preferir um livro velho, todo acabado, invés de estar correndo descalça com os amigos? Hein? Mas ela não se importava com essas conversas, mesmo que muitas vezes falassem na frente dela, como se ela não estivesse ali. Ela não se importava, ela só queria ler e mais nada.
Pernambucano, ator, produtor cultural e escritor. Escreve versos desde a infância, influenciado pela família, mas entrou de cabeça mesmo na literatura quando largou a faculdade de ciências contábeis e começou a frequentar os saraus. Hoje ele se dedica em escrever seus textos e a produzir eventos culturais na região, preservando espaços de cultura de resistência.
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