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Cena 1 - Tormentos (Cenas de um Crime)

Atualizado: 7 de dez. de 2020


Créditos iniciais ou Prefácio para quem preferir.

Uma vez ao andar em um trem turístico, não pude evitar ouvir uma conversa. Ao olhar uma casinha fincada no pé da serra, a senhora sentada no banco em frente ao meu, disse: Olha lá, João! Parece casa de pintura. Daquelas que Odete pinta.

Não sei quem é João, nem Odete. Mas o que seguiu na conversa me deixou encafifado. João, perdido em olhares profundos disse: Ali deve ter história.

Narrativas que se cruzam, histórias que não são contadas. Amores, traições, derrotas, vitórias. Coisas que acabam bem. Novelas sem casamento no final. O herói da profecia que falha, o anti-herói sem redenção. Mortes estúpidas. Vidas gloriosas. Tudo acontece ao nosso redor e nem notamos. Nem tudo tem registro ou sentido. Algumas vezes apenas passamos ao longe e vemos uma moça na janela, um menino na rua, uma manchete de jornal. Não há ligação, mas tudo está ligado. Basta olhar com atenção. Ler atentamente. E olhar cada capítulo da vida como quem olha um álbum de retratos velhos e imagina o antes e o depois do abrir e fechar do obturador. Leia o texto a seguir com esses olhos. Olhar de quem imagina e enxerga além da fotografia. Divirta-se.



CENA 1


Dormimos um terço de nossas vidas, em tese, pelo menos... Ultimamente não tenho dormido nada. Pensando que há verdade nessa afirmação, dos meus quarenta e cinco anos; quinze, eu passei dormindo. Li em uma revista por aí, dessas que são deixadas em salas de espera de consultórios médicos, que alguns cientistas (malucos ou não) pensam que vivemos, quando sonhamos, em uma realidade paralela, em um mundo invertido e regido pelos nossos temores, desejos. Não fui muito fundo nesse tema, mas tenho me atormentado com a ideia de que há algo estranho nisso. Mas qual o propósito dessa pesquisa, travestida de ciência? Será que isso é real? Não sei. Sei apenas que meus sonhos não são mais momentos de deleitosa ilusão agraciada pelas visitas de amores antigos ou entes queridos falecidos. Outrora pensava que era capaz de conduzir o enredo de meus sonhos, mas não tem sido assim. Lembro-me de noites em que me deitei pensando em alguém e sonhava algo com a pessoa. Geralmente era bom, acordava feliz. Entretanto, não tenho mais coragem de dormir. Sóbrio pelo menos. O álcool entorpece e desvia minha lembrança. Durmo sem pensar aonde o sonho vai me levar. Durmo embriagado para não correr o risco de acordar e sofrer com a lembrança de algo que não sei se foi real.

Algumas lembranças de fatos reais se confundem com as lembranças de sonhos vívidos que ultimamente tive. Tal consistência, nessas memórias, me faz duvidar de o que é real em vida. Ler a matéria piorou tudo. Será que a alma realmente se projeta em outra realidade? Será que há outra vida em uma dimensão paralela que posso acessar sonhando? E por qual motivo nos últimos dias os sonhos acontecem continuando de onde parei, de onde sonhei anteriormente? Como se fizesse parte de uma série, de uma novela? Será possível sonhar episodicamente?

Ainda não voltei a dormir sóbrio depois do que aconteceu. Antes era apenas um ou outro sonho com eventos que me atormentavam a mente. Ao rememorar cada instante desses sonhos, não me deixava ser domado pela desesperança do fato ser real ou não. Mas agora é diferente, muito diferente. Acordei com as mãos cheias de sangue. Sangue vivo, mas não era de nenhum corte ou ferimento em meu corpo. Não havia vestígios de sangue em minha roupa, Apenas em minhas mãos. Como se as tivesse mergulhado em uma bacia repleta de sangue. Não era meu sangue, isso eu tinha certeza. Não era meu, mas gostaria muito que fosse. Desse último sonho só me lembro de frações dos eventos. Só me lembro de esfaquear uma pessoa, jogar o corpo em um tanque de ácido sulfúrico e deixar o corpo se desfazer, sem deixar vestígios. Eram ações sem sequência. E uma voz me falava ao longe: Não deixe que sobre nada, há mais corpos para derreter, e alguns, você terá que ter certeza que não estão vivos. Fure todos.

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