Créditos iniciais ou Prefácio para quem preferir.
Uma vez ao andar em um trem turístico, não pude evitar ouvir uma conversa. Ao olhar uma casinha fincada no pé da serra, a senhora sentada no banco em frente ao meu, disse: Olha lá, João! Parece casa de pintura. Daquelas que Odete pinta.
Não sei quem é João, nem Odete. Mas o que seguiu na conversa me deixou encafifado. João, perdido em olhares profundos disse: Ali deve ter história.
Narrativas que se cruzam, histórias que não são contadas. Amores, traições, derrotas, vitórias. Coisas que acabam bem. Novelas sem casamento no final. O herói da profecia que falha, o anti-herói sem redenção. Mortes estúpidas. Vidas gloriosas. Tudo acontece ao nosso redor e nem notamos. Nem tudo tem registro ou sentido. Algumas vezes apenas passamos ao longe e vemos uma moça na janela, um menino na rua, uma manchete de jornal. Não há ligação, mas tudo está ligado. Basta olhar com atenção. Ler atentamente. E olhar cada capítulo da vida como quem olha um álbum de retratos velhos e imagina o antes e o depois do abrir e fechar do obturador. Leia o texto a seguir com esses olhos. Olhar de quem imagina e enxerga além da fotografia. Divirta-se.
CENA 5
Dois amigos conversam:
– E aí? Já definiu o que vai fazer no livro? – João não sabia se a pergunta pressionava ou motivava o amigo.
– Tenho escrito algumas coisas que acho interessantes. Mas nada que seja realmente do meu agrado. Terminei aquele conto de ficção científica: Terapia. Mas não sei se ficou bom. Pode ser que vire um livro... Mas acho que vou deixar como está.
– Mas, vai! Me fala! Com certeza vou gostar.
– Então... Depois te mando por e-mail. Estou com outra ideia! O Sérgio me falou para fazer um suspense onde o cara acorda no hospital e não sabe do passado, mas é muito filme de agente com amnésia.
– Ah, esse lance de filme de espião... Nem sei se rola.
– Sim! Tenho pesquisado algumas coisas, a jornada do herói, sagas, jornadas de autoconhecimento, padrões em narrativas. E quer saber? Acho que tive uma ideia que me agradou bastante.
– Conta aí!
– Queria fazer um livro onde nada teria conexão, aparentemente pelo menos. Cada capítulo seria independente, mas ao mesmo tempo estariam todos ligados. Tudo iria acontecendo de forma autônoma. Então, em determinado momento, o leitor perceberia que tudo era parte da mesma trama, universo, rua, sei lá. Ainda não desenvolvi nada. Só rascunhos.
– Acho que entendi, mas onde você tirou essa ideia?
– De um professor de literatura da escola. Ele disse que hoje as pessoas só leem as manchetes de jornal e acham que estão informadas. Que redes sociais têm números de caracteres reduzidos e que a informação é só superficial. Sendo assim, devemos criar tudo na primeira página, na manchete, ele chamou isso de página de ouro, página dourada, não lembro ao certo. Acho que ele tem razão. Ou fisgo o leitor na primeira página ou já era. – A descrição foi falada em uma mistura de emoções. Leo estava empolgado com a ideia, mas ao mesmo tempo alguns pontos o preocupavam.
– Acho que ele tá certo. Mas o que vai fazer com os outros projetos? Vai deixar de lado?
– Não. Não vou deixar não! Dá para levar tudo numa boa.
Leo via em João o fiel escudeiro, o Sancho Pança, o parceiro de aventuras. Mesmo que tudo se resumisse a dezenas de páginas na tela do computador ou horas de jogos de RPG. João, vez ou outra, provocava, dizendo que nunca ouviam o chamado da aventura. Não aparecia um coelho ou anão ou dragão. Nada de mapas, diários, mensagens cifradas, e-mails misteriosos, nada. Só a imaginação e livros, filmes, consoles de videogames. Ambos eram leitores de Tolkien, Lobato, Martin. Adoravam fantasia. O desejo de escrever de Leo era incentivado amplamente por João que abrigou em seu coração a vontade de não deixar o amigo esmorecer. Mais que um parceiro, João se considerava um guardião da missão literária do amigo.
O maior prazer dos dois era sonhar com as possibilidades da narrativa. Ficavam horas no quarto de Leo rodeados de livros, revistas, jogos. Pesquisando maneiras de fugir de clichês ou assumir que não havia nada de novo na literatura. A não ser uma infindável sobreposição de releituras e reinvenções de ideias velhas.
– Deixa te falar a verdade. Acho que não entendi. Capítulo independente... Como assim? – João humildemente assumiu que o entendimento era falho.
– Acho que capítulo não se aplica. Melhor pensar em episódios ou contos. Me deixa tentar de novo. Teria um tema principal: Amor. Mas não seriam contos falando de amor ou histórias de amor. O sentimento estaria lá, permeando tudo. O motivo do crime de um conto seria o amor. Outro seria sobre o amor de um pai e sua filha. O amor puro; o amor que mata; o amor ao poder que destrói. – Leo falava tentando dar um tom de seriedade já prevendo o comentário que João imprescindivelmente faria.
– Para, cara! Você falando de amor? Vichi... Não combina.
– Sei disso, era exemplo. Mas calma. Teria um lance aí. No livro tudo estaria ligado. Já escrevi umas coisas vou te mostrar.
Leo mostra algumas anotações para João, que lê atentamente. Após olhar os desenhos e as ideias escritas nas folhas de um caderno, fala:
– Você vai escrever várias histórias que se resolvem sozinhas. Recortes de tempo da vida de pessoas que de alguma maneira estão ligadas a um crime que acontece em uma cidade pequena. A vida de cada um desses personagens passa ou esbarra nesse evento maior, mas a relevância de cada uma não determina se acontecerá alguma virada no enredo ou na rotina dela. – João fala em um único respiro.
– Jamais conseguiria explicar melhor! Por isso que gosto de você! Eu falaria muito e não explicaria nada. – A prolixidade era um defeito que desanimava Leo.
– Sou bom para resumir... Você, com certeza, iria levar quatro horas para explicar isso. Agora acho que entendi bem. Mas como isso terminaria?
– Esse que é o ponto interessante. O chamado da aventura de cada um pode passar despercebido. A personagem pode não enxergar a situação e não embarcar na aventura. A chance passa e ela não agarra. – Leo tenta falar sobre o assunto sem dar muitos detalhes, querendo manter as surpresas das histórias. Algumas já estavam prontas.
– Tudo depende de como vai ser desenvolvido... – João fala demonstrando preocupação.
– Sim! Por isso eu te mostro tudo. Você é meu filtro! Se você curtir, vai ser bom!
– Muita responsabilidade, hein? Mas me fala por que você está ouvindo essa rádio AM? Credo! Som horrível. Só chiado e estática.
– Tô esperando o programa policial. Plagiando a realidade. Buscando inspiração.
– Meio mórbido... Mas vai quê? Queria mesmo um Gandalf aparecendo na porta. Um dragão para matar. Santo Graal. Cadê o chamado da aventura?
– Pesquisa lendas urbanas que tem muita coisa para ser resolvida. – Fala Leo apontando o computador.
– Detesto terror. – João contorce o rosto, como criança ao tomar remédio amargo.
– Nem todas são. Vai que tem alguma de ficção científica? Pesquisa lá. – Insiste Leo.
Após um busca rápida, dispara João:
– Alienígenas? Caso Varginha? Longe demais cara... Aqui não tem nada? Nazistas escondidos? Cavernas onde desaparecem turistas? Venda de órgãos no mercado negro? – João lê o resultado da busca incrédulo. Não acreditava que aquilo poderia sugerir boas histórias.
– Acho que não. Esses temas não me agradam... Só alienígenas e em especial o caso Varginha.
– Eu sei de um caso interessante. – João guardava um trunfo.
– Lá vem... – Desdenhando, Leo se ajeita para ouvir.
– Soube do cara que deu entrada no hospital municipal com um braço apodrecido, em estado avançado de decomposição? – João dramaticamente se vira para o amigo, para avaliar sua reação.
– Não, só da psicóloga assassinada. Foi ontem acho. Braço podre? Necrosou? Picada de cobra às vezes fica assim. – Leo claramente demonstrava interesse.
– Psicóloga? Isso eu não vi... A irmã do Marcão, meu vizinho, é enfermeira e estava de plantão. Ela que me contou. Foi bem estranho, segundo ela, o cara chegou desacordado...
– Conta logo, mano! – Leo interrompe o amigo, já se movendo na cadeira para prestar melhor atenção.
– Se você não me interromper... Ela falou que o cara chegou desacordado com o braço podre. Quase morrendo. Levaram para a UTI. Ninguém sabe o que houve. Também não tenho muita noção do que aconteceu. Só estou falando o que ouvi.
– Até aí o que tem demais? Uma cobra picou o braço do cara, o veneno agiu e já era. Sei lá... Já vi um caso assim. – Leo ligava o modo “suspensão de descrença”. Ele sempre dizia que para levar a sério alguns boatos somente com suspensão de descrença. Ali parecia o caso.
– Mas militares aparecem e assumem a situação, bloqueiam o andar da UTI e proíbem visitas, etc.? – João lança outra cartada para tentar converter o amigo para a situação.
– Ah, tá! Beleza. Helicópteros, agentes de saúde de agências desconhecidas do governo americano, Fox e Mulder. Mas nem o recepcionista do Hotel Brasil me conta uma lorota dessas. – Nesse ataque, Leo usa da ironia, fraqueza de João. O risco de João ficar nervoso e mandar o amigo as favas era bem real, mas o escritor assumiu o risco.
– Você sabe que o Cláudio tem boas histórias. Que esse Hotel dá pano para manga. – Apesar de ferido com o ataque irônico, João se faz de vítima ao defender a história do Hotel. Ideia antiga descartada por Leo que se dá por vencido:
– Tá bom, mas fala sobre o cara. Termina o episódio do Arquivo X.
– A Fernanda não tem porque mentir. Ela é séria, não iria comentar que o Exército foi lá se realmente não foi. – Diz João.
– Então vamos imaginar que isso é verdade. Essa história não vai ficar escondida muito tempo.
– Não ficou, né? Ela já contou para a família toda. Não sei como não tem repórter na porta do hospital. Ela pode até se meter em alguma confusão. – João expressava preocupação com o fato de Fernanda, a enfermeira, ao contar para a sua família, sofrer alguma represália da administração do hospital.
– Vão emitir uma nota falando qualquer coisa e no dia seguinte o povo esquece. – Leo já parecia não se agradar mais com a história.
– Sim, mas e se for alguma coisa contagiosa, arma química, radiação, veneno? – Investiu João, alimentando a história com insólitas hipóteses.
– Mano do céu. Para de paranoia. – Leo abre os braços tal como quem eleva preces aos céus.
– Só tô te dando informações para o livro. Ou você vai entrevistar o Cláudio e descobrir casos do Hotel Brasil. – Novo ataque de ironia, dessa vez invertido.
– Não provoca, você sabe que é uma boa ideia, mas que não vou usar.
– Se fosse uma taverna envolvendo trolls, gnomos, elfos, fadas e um meio-orc relatando as aventuras dos que passam por ela, seria melhor. – Insiste João.
– João de Deus. – Leo quase se desespera com a insistência do amigo – Mas no fim é isso. O Cláudio é um ogro. Lá só tem degenerado social. Alcoólatras, aquele professor concursado do colégio do estado morando há vinte e tantos anos, prostitutas, drogados. Só não tem gente com orelhas pontudas e magia. O resto... Tem de tudo um pouco. Fora as histórias loucas.
– Tá bom, mas vamos falar com a Fernanda. Vai que ela sabe de alguma coisa. Vamos tentar entrar no hospital. Corta a mão aí, vai! Levo você para dar uns pontos.
– Você tá louco!
– Tudo bem! Vou ligar para o Marcão e vamos lá conversar com ela.
– Ótimo! Marca com ele.
– Sabia que você iria querer falar com ela. – João solta um risinho de provocação e pega o celular no bolso para marcar o encontro com o amigo.
João liga para o vizinho e combina a visita. Marcão era amigo de ambos e compartilhava dos mesmos gostos e ambições comuns de jovens da idade deles. Os três estavam terminando o ensino médio, procurando um rumo na vida, escolhendo qual curso fazer na faculdade. Esses eram os dragões que enfrentavam todos os dias na busca de um destino que oferecesse algo relevante. Leo já havia definido que seria um estudante de Letras. Marcão flertava com Design, e João pretendia ser engenheiro de computação. Dos três nerds old school declarados, Leo era o mais conspirador. Era o que via ações do governo para desviar a atenção da população em pequenas ocorrências, em lugares onde ninguém via. Sempre, a princípio, desdenhava das situações. Depois achava algo que fazia todo sentido e pronto! Já era a pessoa que descobrira sozinho a conspiração mundial para esconder a invasão alienígena que começaria por Varginha. João sabia que Leo iria fazer um charme no início, mas, após leve insistência, sem demonstrar interesse, beirando o desdém, pediria para falar com Fernanda.
– Feito! Ela tá de folga hoje. O Marcão falou para a gente correr lá!
– Então, vamos!
– Só o professor já dá um livro. Esse que você falou é o Seu Benedito, né? Professor de Arte? Então, cara! Olha isso. O cara mora no hotel há décadas. Por causa de quê?
– Para! Junta suas coisas vamos embora.
No fundo, bem guardado nas intrincadas fibras de sua mente literária, Leo sabia que contar fatos passados no Hotel Brasil seria uma ótima história. Mas não queria fazer literatura descrevendo esses relatos. Achava invasão da privacidade alheia. Havia esse dilema moral. Contar a verdade omitindo nomes, lugares. Mas e se alguém retratado ali se ofendesse. Deixaria a decisão de escrever sobre o Hotel para outro dia. Agora era hora de investigar o caso do homem com o braço podre.
Ao chegarem à casa de Marcão a recepção do amigo já declara a fidelidade e cumplicidade de amigos verdadeiros:
– Não via a hora de ver vocês. Leo! O João já te colocou a par da situação? Agora o livro vai ser decente!
– Tomara! Vai! Já liga na Rádio Cidade que perdi o começo do programa Patrulha Policial, vai anda logo.
– Entra primeiro, seu Mané! Cumprimenta meus pais, tenha modos! – Marcão faz uma cara de repreensão que rapidamente desmancha e se transforma em um meio sorriso.
Os três amigos entram, se acomodam na sala de estar esperando Fernanda aparecer. Marcão liga o aparelho de som na estação de rádio citada por Leo e engatam uma conversa animada sobre o tema da visita. Leo ainda estava meio incrédulo, esperando uma solução simples para o caso. Contando que a mente de Fernanda, enfermeira acostumada com situações desse tipo revelasse uma verdade óbvia, tal como a hipótese da picada de cobra. Mas para surpresa de Leo, não era bem assim. A realidade se mostrou mais tresloucada que a ficção
– Não acredito! Fernanda, eu não consigo acreditar! – Diz Leo ao ouvir o relato da enfermeira.
– Exatamente assim. Atendemos o paciente. Meia hora depois chega um jipe com o médico do Exército e isola o andar inteiro. Colocaram dois soldados em cada lado do corredor do quarto e ninguém mais viu o rapaz. Não foi nada que pudéssemos identificar. E para deixar mais insólito ele estava com uma graxa na ponta do indicador do braço necrosado que não conseguimos retirar. Era como se fizesse parte do dedo. – Repete a moça, como se a história contada duas vezes pudesse ser menos louca e mais real.
– Mas foi só isso? Isolaram e pronto?
– Claro que não. Todos os profissionais que atenderam ou tiveram o mínimo de contato foram examinados pelo médico do Exército. Colheram sangue de todos e examinaram em um aparelho portátil militar que nunca vi na vida. Ninguém viu na verdade. O médico que estava de plantão no dia, falou que poderia ser algum tipo de arma química ou biológica, mas isso só entre nós. O médico do Exército falou que o rapaz teria sido exposto aos efeitos de um magnetron de micro-ondas sem isolamento. Questionamos o isolamento, ele disse que o rapaz era parente de um militar de alta patente e queria manter o caso em segredo. Evitar fotos, vídeos, etc. E que os exames eram parte do protocolo.
– Mas ninguém acreditou nessa versão, é óbvio!
– Ninguém. Até mesmo porque, como o médico de plantão disse: Isolar para quê? Se o acidente foi com um magnetron não envolveria risco químico ou biológico. A não ser que quisesse esconder alguma coisa.
– E ele ainda está lá? O cara do braço? – João arregalava os olhos ao perguntar.
– Não. Tudo não durou mais que quarenta minutos, talvez nem isso. O rapaz chegou, corremos para atendê-lo, logo em seguida, nem cinco minutos depois, chegou o jipe com o médico e quatro soldados. Isolaram tudo, nos examinaram, aguardaram chegar uma ambulância deles e levaram o rapaz. Na saída disseram apenas: Não se preocupem, cuidaremos dele. Não espalhem boatos.
– Nas entrelinhas. Contem para todo mundo, ninguém vai acreditar mesmo. – Diz Marcão.
– Bem isso. – Fernanda concorda com o irmão e se prepara para a enxurrada de perguntas de Leo, que ansiosamente só faltava levantar a mão para perguntar.
– Mas o que você acha?
– Acho que magnetron derrete coisas, esquenta água, etc. Mas não apodrece carne. O braço dele estava podre. – Fernanda foi incisiva.
– Apocalipse Zumbi? – Falou João, meio brincando meio sério. – Fernanda solta uns risinhos, mas Marcão não aceitou a brincadeira:
– Para, João! Presta atenção.
– Desde os anos sessenta tem filmes disso. Já é parte do pensamento coletivo. E se tem Exército. Tudo indica. – Se defende João.
– Depois a gente viaja na ideia, a deixa terminar. – Ralha Leo.
– O rapaz chegou desacordado, porém, estava vivo, claro! Mas o braço estava morto. Carne podre descolando dos ossos. Muito estranho, nojento, horrível. A amputação era iminente. Não pudemos detectar se estava estável ou se alastrando. E para ser sincera, não sei se neurologicamente ele estava normal. Não houve tempo para avaliarmos melhor seu estado. Foi tudo muito rápido.
– Isso me lembra de uma reportagem que li em uma revista de ufologia. – Disse Marcão.
– Vichi, lá vem! – João já preparava para tirar um sarro do amigo que com certeza iria falar alguma bobagem para ridicularizar a situação.
– Calma, é sério. A reportagem falava de mortes relacionadas ao caso do E.T. de Varginha. Fazia uma lista de policiais que morreram após ajudar o Exército prender o alienígena e afirmava existir uma conspiração governamental para encobrir os acontecimentos.
– Muito “Arquivo X” essa reportagem. E que fixação com Varginha. – Fala João.
– Na verdade a coluna da revista se chamava Arquivo Zé. Uma alusão ao seriado, o nome do repórter era José alguma coisa... Não lembro.
Leo estava quieto, apenas observando. Colhendo informações. Pensando em como tudo era surreal. Mas muito possível. Afinal aqui é o Brasil. O país sem memória, sem profundidade, sem investigações. Onde qualquer resposta agrada a população. E se realmente o rapaz do braço podre tivesse entrado em contato com algum agente químico? Isso seria inverossímil em um livro, ou filme americano? Lá fora o insólito, o extraordinário era peça comum na indústria do entretenimento e recorrente no imaginário das pessoas. Aqui seria muito mais fácil encobrir qualquer coisa.
– Acho que vou escrever isso e colocar em meu blog. Você se incomodaria, Fernanda?
– Não, claro que não. Mas troque os nomes de todo mundo. Aí você não incomoda ninguém.
– Sim! Escrevo e te mostro antes de postar.
– Tudo bem.
– Mas e se o Exército parar na sua porta? – Pergunta Marcão.
– Acho que não fariam isso. Que provas eu tenho? Ou quem levaria a sério? Só acho que é um assunto muito legal! Ouvindo a Fernanda contar a história eu já imaginei um livro contando isso... Ou um filme. Seria muito legal.
– Filme B, né? – Marcão continua tentando brincar com tudo.
– Claro. Tudo que adoramos é filme B! Jogos surreais, homens que se vestem de morcego, mutantes, cientistas que usam armaduras de ferro. A cultura pop é assim. Não se leva a sério. É coisa de adolescente. Mas ganha milhões de dólares. Os nerds dominaram o mundo, meu amigo! Não custa sonhar. Vamos investigar esse caso, escrever um livro juntos e ganhar uma grana! – Se empolgava Leo ao falar dessas coisas que amavam.
– Muito oitentista essa aventura. Se fôssemos adolescentes americanos e morássemos perto de uma base de pesquisas militares. Acho que rolava. Mas moramos no Brasil. Aqui não tem esse tipo de coisa. – Marcão tentava ser o realista, pé no chão.
– Ainda acredito que dá para fazer uma história muito legal. Vamos fazer ou não? – Convida Leo.
– No caso Varginha, comentavam a época que o alienígena era na verdade uma criatura feita em laboratório na Unicamp e acidentalmente tinha fugido. Ou isso era o Chupa-cabra? Li em algum lugar, mas não lembro... – João sempre tirava uma carta da manga. – Tenho que procurar em minha coleção de revistas sobre ufologia.
– Boa. Talvez tenha alguma ligação sim. Um amigo que morava em Araraquara me falou que aconteceram casos de animais mortos que tinham feridas produzidas com instrumentos cirúrgicos de tão precisas.
– Para mim já deu, meninos. Alienígenas vampiros que matam vacas são muito para mim. Mas apoio o livro ou o conto. Sei lá... Investiguem e escrevam!
– Valeu Fernanda. – Agradece Leo e pergunta. – Tem certeza que leu isso em suas revistas? Vamos lá pesquisar.
– O que vocês vão fazer agora? Vamos a sua casa, João! Vamos ver essas revistas de ufologia e ver essa reportagem do Chupa-cabra. Podemos fazer um paralelo usando os casos. Quem ler, sabendo que já houve algo parecido pode comprar a ideia. – Leo já tinha algumas ideias sobre o pretenso relato.
– Agora tô tranquilo, Sabadão! Nada para fazer.
– Beleza! Vou ligar e avisar minha mãe que vou demorar, senão ela fica me esperando para jantar e aí ferrou. – Leo se levanta e digita o número de casa no celular. Avisa sua mãe e depois de uma saraivada de tiradas de sarro ele e João esperam Marcão se arrumar para irem à casa de João. Lá chegando, o trio separa as revistas e começa a busca pela reportagem.
– Estive pensando sobre nossas opções no vestibular, cursos e tal. Você disse que quer fazer Letras, não é isso, Leo? Mas você sempre curte esses temas que envolvem investigação. Coisas com um pé na realidade. Por que você não faz Jornalismo? Acho que tem muito mais a ver com você. Não concorda comigo, João? – Pergunta Marcão ao amigo procurando um aliado no argumento. Ambos, Marcão e João, em particular já haviam discutido isso e esperavam uma chance para convencer o amigo que era irredutível em relação à escolha do curso superior.
– Não pensei nisso. Já que vocês tocaram no assunto. Dar aulas já foi riscado das possibilidades. Queria mesmo trabalhar com revisão ou como editor em alguma editora. Mas meus pais acham um mercado reduzido. Jornalismo envolve texto. No fim o que me atrai é essa adrenalina da pesquisa, da descoberta. Talvez seja uma opção. Vou pensar nisso. E para falar a verdade. Posso escrever e pesquisar sendo qualquer coisa.
– Mas temos que arrumar um jeito de pagar as contas.
– Boa! João: Um sábio verdadeiramente. – Marcão fala e já emenda outra frase:
– Achei a revista! – Diz Leo.
– É essa mesma! – Vibrou João.
– Vai! Acha a reportagem. Vou anotar. João me empresta um papel e caneta.
Animados com o assunto, os amigos resolvem procurar mais coisas relacionadas. Um na internet, outro folheando revistas, e o último anotando tudo.
Leo já tinha pensado em várias coisas para escrever. Mas não esperava que João falasse algo que tirasse o chão do trio. Esse lance do rapaz com o braço podre foi um tiro certo.
– Pessoal! Leiam isso.
Os três dividiam o espaço para ler a tela do computador. Havia uma notícia em um portal jornalístico. Leram em absoluto silêncio. Leo ficou por um momento pensando em tudo que lera e a única coisa que conseguiu formular em seus pensamentos foi: Isso não é verdade. Se for, estou em um filme de ficção científica de baixo orçamento.
– Mas não se passaram nem quarenta e oito horas do acontecido. Isso não pode ser boato. Será Marcão? Leo? Que vocês acham?
Os amigos interrogados se olham curiosos com a resposta que cada um iria dar. Marcão quebra o silêncio:
– Que você acha? – Pergunta olhando para Leo.
– Acho que estamos ferrados. – Disse Leo sem tirar os olhos do monitor do computador. – Printa agora a página antes que derrubem isso.
– Não vão derrubar, esse cara dono da página é mais desacreditado que aqueles três malucos do Arquivo X. – João fala, mas printa a página. – Na dúvida vamos salvar isso, né?
– João, nós somos os três malucos do Arquivo X. Só não temos um Mulder para nos ajudar. – Leo em seus pensamentos não conseguia absorver a história.
– Precisamos analisar isso. – Marcão também não entendia o tamanho da importância da situação. – Que site é esse? Relatório Alfa?
– Então, cara. Esse site é maluco. Entrei aqui por acaso. Pesquisava conspirações para ajudar o Leo. Aí apareceu um link falando da conspiração da Coca-Cola para acabar com a Dolly. Aí pirei. O site tinha uma série de coisas loucas e fui acompanhando tudo. Nunca imaginei que iria falar do cara do hospital. Olha isso. – E aponta a quantidade de pessoas logadas no site. Perto de doze mil pessoas. Pronto. Salvei o print. Vou atualizar a página.
João aperta a tecla F5. Atônitos olham uns para os outros.
– Não é possível! Deve ser coincidência. Clica de novo João. – Fala Leo em um misto de nervosismo e incredulidade.
– Não adianta.
– O site tem várias matérias. Busca no Google, tenta relacionar com outras palavras-chave.
João faz o que o amigo sugere. Sem sucesso. Nenhuma página relacionada ao Relatório Alfa estava no ar. Todas sem exceção exibiam a mesma mensagem:
Estamos tendo problemas para encontrar este site.
Não podemos conectar ao servidor em www.relatorioalfa.com.br
Se este endereço estiver correto, aqui estão outras coisas que você pode tentar:
Tente novamente mais tarde.
Verifique sua conexão de rede.
Se você está conectado atrás de um firewall, verifique se o Firefox tem permissão para acessar a Web.
– Mano, já era. Derrubaram o site.
– Marcão, que você acha?
– Não sei dizer. Só se aconteceu alguma coisa com o servidor deles. Muitos acessos talvez. Não dá para saber. Onde eles hospedam a página? Tenta ver se eles estão com problemas.
– Já vi isso, outros sites hospedados funcionam. Se não foi por excesso de acessos, foi um ataque de hacker ou foi o Exército mesmo.
– Temos que descobrir. Tem certeza que salvou a página?
–Sim. O texto era pequeno e coube na imagem. Vamos ler facilmente. Além disso, já deve ter alguma coisa em fóruns, comunidades no Orkut. Já deve ter circulado bastante. Isso não iria ficar em segredo. – João era o expert em informática do trio. Mas, Leo tinha suas dúvidas:
– Você acha que uma coisa dessas iria ficar descoberta? Que o Exército, ou quem quer que seja o responsável, já não tomou providências? Isso vai ser como o acidente com o VLS três anos atr... – Antes de terminar a frase Leo é interrompido por Marcão.
– Isso é muito menor. Um homem morre com a mão podre. Isso é fácil de resolver. Se o Acidente em Alcântara não deu em nada. Ninguém se importa ou importou, você acha que um cara morto é problema para eles?
– Olhem essa notícia! Agora acho que temos alguma coisa.
A notícia era essa:
Uma falha de equipamento ocorreu em 20 de outubro de 2006, quando uma pane no centro de processamento de dados obrigou o Cindacta 2 a desligar o sistema de radar no Sul do país, o que provocou atraso de até 3 horas e 40 minutos em pelo menos 146 voos comerciais na região. No dia anterior, o centro de processamento de dados do Cindacta 2 já tinha apresentado problemas. Durante 2 horas, os voos foram monitorados pela operação convencional, em que são feitos contatos por rádio entre o piloto e os controladores, o que é mais lento do que o sistema com radar.
João espera os amigos terminarem de ler e aguarda suas reações. Marcão fica pensativo e Leo é o primeiro a manifestar uma opinião:
– Tá bem, mas o que isso tem a ver? – Pergunta Leo sem entender a ligação que João enxergava na notícia e olha para Marcão que balança a cabeça afirmativamente, ambos esperando uma resposta clara de João.
– Então... Primeiro promete que vai me deixar terminar. Não estou juntando fatos inventados em minha cabeça. Isso aqui se liga a outra questão. Primeiro me deixa terminar, depois você me zoa, fala mal, manda catar coquinho, faz qualquer coisa. Mas primeiro me ouve.
– Prometo! Vai! Desembucha!
– Nesse mesmo dia houve uma série de avistamentos no sul do País. Vou mostrar o fórum de ufologia que acompanho e participo. Os ufólogos de lá falaram que foi um evento muito grande. Muitas aparições fotografadas e como a FAB controla o Cindacta, o apagão aconteceu para não desencadear investigações. Hoje nenhum órgão conseguiria esconder algo desse tipo. Então desligaram o equipamento para evitar que alguém filmasse, tirasse foto ou simplesmente falasse que viu algo nas telas dos radares.
– Tá, mas e daí? – Marcão pergunta ainda dando uma chance para o amigo concluir a ideia.
– E daí que se existiu essa quantidade de avistamentos, uma suposta falha de equipamentos... Na hora que li o e-mail já pensei em um caso que houve na França.
– Que caso? Pergunta Leo quase impaciente.
– Esse. – João fala e se vira para o computador para procurar em seus arquivos sobre ufologia o caso citado. – Leiam aqui e relacionem tudo.
O texto copiado em um arquivo do Word, de uma revista de ufologia, dizia o seguinte:
A versão francesa da NASA relatou a ocorrência de objetos voadores não identificados em janeiro de 1981, no registro que é considerado o mais bem documentado de todos os tempos.
Tudo começou quando o fazendeiro aposentado Renato Nicolai estava cuidando de seu jardim e ouviu, de repente, uma espécie de assobio, acompanhado de uma aeronave esquisita, que, segundo ele, ficou pairada sobre o ar a uma altura de aproximadamente 2 metros por 30 segundos. Então a nave subiu rapidamente em direção ao céu, deixou um rastro de poeira e sumiu. Nicolai presenciou tudo isso a uma distância de 30 metros.
O governo francês estudou o caso e encontrou evidências de aquecimento e compressão no solo do local apontado pelo fazendeiro como o escolhido pela nave para se aproximar. Um material preto foi encontrado nessa região, mas ele não era resultante de resíduos de combustão ou óleo e sim de um combustível diferente, com fórmula metálica. O relatório oficial declarou que não se sabe o que houve no local, mas que certamente foi um evento estranho.
– MATERIAL PRETO! Tal como o descrito no e-mail! – Diz Leo com voz alta, olhos esbugalhados.
Os três amigos se olharam. Pensamentos estranhos ocorreram a todos, mas um silêncio aterrador irrompeu no quarto de João. Ninguém foi capaz de falar nada. Ninguém quis arriscar nada. Material preto, Material preto. Duas palavras. Significavam muito ou nada. Dois adjetivos. Para João claramente foi um evento ufológico. Marcão no fundo achava que era apenas coincidência. Leo, como escritor que pretendia ser, enxergava ligações, possibilidades, inferências, hipóteses, etc. Queria sair dali e correr para um quartel, para uma delegacia, para uma estação de rádio ou uma de televisão. Milhares de situações, ações e conspirações brotavam em sua cabeça. Mas se conteve. Absorveu o silêncio de seus amigos. Avaliou possíveis reações de pessoas que pudessem ouvir falar desse assunto, e disse:
– Com certeza, várias outras pessoas podem ter chegado até essa mesma conclusão. Isso está na internet. Vai inundar blogs e sites sobre o assunto. Nós devemos – minha opinião, eu quero deixar isso claro -, criar um blog e postar nele o que achamos.
– Depois disso, se o Exército aparecer na nossa porta e nos prender é porque temos razão. – Marcão não queria fazer piada, mas não se conteve.
– Tô falando sério. Como vamos investigar isso? Vamos ao quartel e falamos com o Major? Com o Coronel, ou seja, lá quem for o dono da goiaba preta?
– Não! Nesse caso é poça preta opaca como diz o e-mail ou material preto como diz a reportagem sobre o caso francês. – Fala João, sem tirar os olhos da tela do computador e pesquisando qualquer coisa que pudesse se relacionar ao caso do rapaz do braço apodrecido.
– João! – Leo fala com uma mudança de tom em sua voz que parecia ser de otimismo, em razão da ideia que parecia ter ocorrido enquanto pensava em que fazer. – Tenta enviar um e-mail para os editores da revista e fala do que você pensou. Relacione tudo. Conte para ele tudo que a Fernanda falou e vamos ver o que acontece.
– Boa. Vou fazer isso agora.
João redige o texto, pede para os amigos revisarem e envia para o editor da revista.
– Agora é esperar. – diz Leo.
Os amigos esperam a resposta chegar. Imaginaram que por ser sábado a resposta viria só na segunda, mas para surpresa do trio chegou nem quinze minutos depois. A resposta era sucinta: Se você puder, me passe um telefone e marque um horário para eu ligar. Não acho prudente falar por e-mail.
– Vichi... Será que há monitoramento de mensagens eletrônicas? – Marcão perguntou para João.
– Claro! Leo conta para ele por que o Dan Brown escreveu o livro Fortaleza Digital. – João pede ajuda ao amigo ao mesmo tempo em que enviava outro e-mail para o Editor da revista.
– O Dan Brown disse que escreveu o livro por que um dia um agente da NSA entrou em sua sala de aula e levou um aluno para interrogatório. Depois do ocorrido foi dito que o garoto foi preso e interrogado por escrever em um mesmo e-mail as palavras presidente e assassinato ou presidente e atentado. Não me lembro de quais palavras certas foram usadas, mas foi por isso: duas palavras. Ou seja, há maneiras de interceptar mensagens, quebrar a encriptação e ferrar a vida de todo mundo.
– Nossa mãe do céu. Tô ferrado. Andei pesquisando coisas sobre nazismo, comunismo, capitalismo... Era para um trabalho de esco... – João interrompe a confissão de Marcão.
– Com certeza a ABIN já mandou um robozinho te olhar. Isso nem discuto. Poxa, Leo. Escreve um livro sobre essas coisas. As pessoas pensam que só no cinema acontecem essas coisas.
– Mas isso é novo? Não é?
– Nada, essas coisas existem desde a década de noventa... Ou antes. Sei direito não.
Leo interrompe a conversa de João e Leo:
– Que telefone você passou para ele?
– Meu celular.
Nem um minuto se passou entre a mensagem de confirmação de recebimento do e-mail enviado por João e o toque de seu celular começar a tocar.
– Atende logo! – Marcão disse apressado.
– Alô? Oi! Sim sou o João. Só um minuto vou colocar no viva-voz para meus amigos ouvirem nossa conversa. Sem problemas? Tá bem.
João ativa o viva-voz do celular e o editor que se chamava Eduardo falou com os três, de forma quase didática, em relação ao acontecimento envolvendo o rapaz levado pelo Exército, e como eles deveriam fazer em uma possível investigação. Ele disse que iria se programar para ir até a cidade e tentar falar com o oficial responsável e que só iria se comunicar por telefone para não dar tempo, caso mensagens fossem interceptadas, de o Exército se preparasse para se defender de perguntas e tudo mais.
– Não se preocupem! Tenho como desviar a ligação e detectar se há grampos em minha linha. Amigos em empresas de telefonia me auxiliam com isso.
– Mas qual a conduta agora? Que iremos fazer? – Pergunta Marcão.
– Esperem eu ligar. Chegando aí vou agendar uma visita e gravar uma entrevista. Desde a Operação Prato o Exército fica meio arrisco quando a gente pressiona com muitas perguntas e fazem de tudo para desacreditar ufólogos. Sei como agir. Vamos fazer tudo parecer jornalístico. Como minha revista tem credibilidade pelo menos bem recebido eu sei que serei. Aí é analisar as respostas e temos uma matéria nova para a revista.
– Então é esperar... – Diz João com um leve pesar na voz.
– A principio, sim. – Fala Eduardo, se despedindo em seguida e desligando o telefone.
– Então esse lance de interceptação é real?—Pergunta Marcão.
– Muito. – Reponde João já emendando uma pergunta para Leo.
– Será que ele vem logo? E se a coisa toda esfriar?
– Acho que não esfria. – responde Leo. – Até mesmo porque esse Eduardo parece saber bem de como agir nesse tipo de situação.
– Então vamos aguardar. Mas vai ser duro esperar o cara ligar de volta. E se ele levar dias para fazer isso? – João ainda não havia sanado todas as dúvidas, prontamente Leo responde:
– João, ele leu o e-mail, ligou. Já deu uma fração do que planeja e está vindo para cá. Esse cara deve ter informações muito fortes para acreditar na gente e já se programar para vir aqui. Não é um aventureiro. Ele é editor da revista. Deve ter uma verba para viagem e tudo mais. Ou você acha que publicam a revista só por amor à ufologia? Eles sabem que tem algo aí nesse tema. Tem algo errado. Esse lance de encobrimento governamental. A gente sempre comenta essas coisas. Não é possível que seja só entretenimento, só roteiro de livro e filme. Tem alguma coisa.
– Tem nada. Apenas três caras bobos achando que descobriram uma grande conspiração. Iguais aos pistoleiros solitários do Arquivo X. Coisa de nerd. Adolescente que fica entocado em casa. – Marcão tenta desfazer a aura de mistério enlatado americano que Leo tentava dar ao fato.
– Cara. Tudo vira comércio nos Estados Unidos. Imagina se Varginha fosse lá. Já teríamos até pacotes de turismo, lojas, tudo. Aqui não tem dessas coisas. Não consigo imaginar que é só tema de cinema ou cultura pop. Deve ter alguma coisa. O brasileiro que é muito passivo. Mas deixa essa discussão para lá. Temos um caso maluco, e alguns indícios de que tem caroço no angu. Temos testemunhos, caso similar em outro país, um estudioso do assunto. Vai acontecer alguma coisa legal.
– Desde que ninguém morra para se enterrado junto com o segredo. Acho legal. Senão. Prefiro que só aconteça no cinema mesmo. – João termina a sua fala esperando frases de apoio como: “Não vai acontecer nada.”; ou: “No fim sempre dá tudo certo.”, mas o que ouviu foi novamente aquele silêncio amedrontador. Só faltou um fade out de imagem com uma música tenebrosa começando do volume zero.
No dia seguinte, domingo, Eduardo liga dizendo que segunda-feira estaria na cidade. E para tirar um risinho jocoso de João, avisa que se hospedaria no Hotel Brasil.
– Tudo bem, Eduardo. Vou avisar meus amigos.
João desliga o celular e liga para Leo. Rapidamente o amigo atende.
– E aí? Ele já ligou? – Pergunta rapidamente sem dar tempo de João respirar.
– Já. Acabou de falar comigo. Já está vindo e vai se hospedar no Hotel Brasil. Tô te falando, mano. É um sinal isso. O editor de uma revista ufológica vai se hospedar lá no antro de perdição. Esse é o ponto principal de seu livro.
– Para de zoar. Já avisou o Marcão? O Eduardo chega quando?
– Ele disse que vem depois do almoço. Até às 16hs ele chega aqui. Pedi para ele avisar quando chegar e nos reunimos no hotel.
– Ótimo! Vamos avisar o Marcão e nos encontramos lá, assim que ele ligar, você nos chama.
– Tudo certo. Até mais então.
Os amigos se encontram na recepção do hotel, atendidos pelo lendário Cláudio – segundo João – e vão para o salão de jantar, onde Eduardo esperava munido de exemplares de livros, revistas, álbuns de fotos e outras coisas relacionadas a registros de eventos ufológicos onde houve contaminação de pessoas por contato com alienígenas ou materiais de origem extraterrestre.
– Que bom que chegaram! – Eduardo recebe calorosamente os amigos. – Trouxe um material aqui para vocês olharem. Na verdade, é um presente da Editora pela dica e ajuda nesse caso.
– Obrigado, Eduardo! – João agradece e com os olhos brilhando de curiosidade analisa rapidamente o material.
– Muito legal! Obrigado mesmo. – Leo agradece procurando um lugar para sentar e faz uma careta de poucos amigos quando Marcão pega algumas revistas e diz:
– Essas são minhas, valeu. – e se senta na poltrona próxima, encostada na parede, com as revistas no colo.
A sala de jantar possuía, em um canto do ambiente, algumas poltronas e uma mesa de centro, onde Eduardo alocou o notebook. Quando os três se acomodaram ele reposiciona o notebook de forma que os quatro pudessem ver a tela e mostra uma série de fotos de pessoas contaminadas com uma espécie de graxa preta viscosa.
– Em nossas pesquisas, não conseguimos analisar e descobrir do que é feito esse material. Já há casos como esses na França – esse que vocês já sabem -, alguns nos Estados Unidos e esse aqui no Brasil. Não possuímos muita literatura sobre, artigos, reportagens, etc. Apenas relatos de testemunhas. Esse desaparecimento que vocês me descreveram no e-mail, é muito estranho. Geralmente o Exército tenta desacreditar nossas pesquisas. Dessa vez acho que temos algo grande.
– Você acha que pode ser alguma arma química, biológica? Por que pelo que minha irmã falou o braço estava apodrecido? – Marcão ainda achava que poderiam ter uma solução simples para o fato.
– Sim! Claro que pode ser isso, ainda mais por causa do envolvimento do Exército. Mas se não fosse pelos avistamentos e pela reincidência desse tipo de evento não temos como descartar um contato alienígena.
– Tá, e o que faremos? – Leo perguntava curioso.
– Vamos marcar uma entrevista e pressionar o comandante do Exército. – Eduardo pretendia falar mais coisas mais foi interrompido por Leo:
– Fácil assim?
– Não! Vamos marcar a entrevista, dizer que temos relatos, que a família está assustada e preocupada e que iremos divulgar a notícia nos sites jornalísticos que quiserem cobrir o assunto. O e-mail que a vítima enviou para parentes e amigos é nossa principal arma.
– Mas isso daria resultado? – Pergunta João, sem deixar de ler as revistas que Eduardo os presenteara.
– Esse é o primeiro ataque. Vou fazer essa pressão. Há 30 anos estamos tentando. Meu chefe lá da revista está há muito tempo tentando forçar uma liberação de documentos. Principalmente da Operação Prato. No caso do E.T. de Varginha também ocorreram mortes e desaparecimentos, mas não conseguimos nada. A população se calou, com medo de retaliações. Dez anos atrás as coisas eram diferentes. A internet no Brasil não tinha a força que tem agora. Agora temos como divulgar informações e com certeza eles terão que falar alguma coisa.
– Verdade. Mas em cidades pequenas como a nossa, esquecidas no tempo-espaço, acho que eles ainda têm força para reprimir certas coisas. Aqui é fácil calar alguém ou um grupo de pessoas. Tem muito gente que é parente de alguém ou que depende financeiramente de algum certo público.
– Mas acalme-se. Sou de fora. Acho que consigo algo. No mínimo teremos uma grande reportagem para a revista e com isso suscitar outros estudiosos e diletantes. Assim aumentaremos nosso exército e nossa força.
– Bonito discurso. – Marcão se animava com Eduardo.
– Mas como poderemos ajudar? Quero entender como funciona esse trabalho de jornalismo investigativo.
– Bom, acho melhor vocês me deixarem conversar primeiro com o mandachuva do Exército. Ainda mais levando em consideração esse motivo que vocês mesmo me contaram. Principalmente pela sua irmã. Ela é o ponto chave de como a informação chegou até mim. Teremos que manter isso em segredo para protegê-la. Ela pode ser demitida por falta de ética profissional. Mas prometo manter vocês atualizado.
– Não tínhamos pensado nisso. Realmente ela poderia perder o emprego. Aí eu estaria morto. E sem graxa preta na mão. – Diz Marcão.
– O paciente não tem família por aqui na cidade? Ninguém acionou a polícia?
– Ele era um solitário. Enviou o e-mail para alguns conhecidos e parentes conforme citado na notícia do Relatório Alfa. Mas não sei se tem parentes próximos morando aqui. Talvez tenha, mas de outra cidade. Não sabemos. – Falou Marcão.
– Se tiver, claro que tem, vão aparecer! É questão de tempo.
– Eduardo... Eu estive pensando muito sobre isso e tem muita coisa a favor do Exército. A vítima era solitária. Mandou o e-mail e tal, mas isso é fácil apagar, dizer que ele estava alucinado por causa da dor, ou apavorado com medo. Drogado, bêbado, etc. Quando a família aparecer vão dizer que ele morreu devido à contaminação causada por exposição a algum elemento químico. O cara sumiu. Amanhã acontece outra coisa e esquecem. Tenho medo de não dar em nada.
– Concordo com você. – Diz Eduardo para Leo. – Mas o que temos é muito importante. A FAB sabe dos avistamentos, ela supervisiona o Cindacta. O Exército sabe dos avistamentos e considera uma ameaça a soberania nacional. Não estranharia que eles pegaram o cara apenas para analisar o elemento negro grudado na mão dele. Vão se fazer de desentendidos, mas estou aqui para pressionar.
– Bom, então acho que é melhor deixarmos você trabalhar e só acompanhar. – Disse Leo, meio resignado.
– Ficaremos em contato e atualizarei vocês sempre.
A conversa seguiu animada. Eduardo falou de outras histórias e João não cansava de perguntar sobre o caso Varginha. Apesar de ter um evento ufológico debaixo do nariz, em sua cidade natal, a verdade embutida em provérbio popular ainda falava forte no coração do rapaz: “A galinha do vizinho sempre é mais gorda.”.
Em dado momento, Leo faz uma comparação:
– Isso tudo me lembra de um conto de Lovecraft: A cor que caiu do céu. Você o conhece, Eduardo? Já leu ou ouviu falar?
– Não, do que se trata.
– Terror cósmico. Fala de uma família que morre por causa de um meteoro. Mas foi publicado há uns noventa anos.
– Interessante. Vou procurar e ler.
– Agora estão melhorando as referências. Eu já estava ficando preocupado com a comparação aos Pistoleiros Solitários do Arquivo X.
– Então eu sou o Mulder. – Eduardo entra na brincadeira.
– O Leo quer ser escritor. Ele tem várias histórias ótimas, mas está procurando pela obra-prima. – Diz João, sem deixar escapar uma pontinha de orgulho ao falar do amigo amante das letras.
– Por isso conhece o Lovecraft. Mas leia “Eram os deuses Astronautas?”, de Erich von Däniken. Nesse livro tem muita coisa interessante. E não se assuste por haver uma história publicada há quase noventa anos que contenha temas alienígenas. Isso está muito arraigado na Humanidade. Não tem como olhar para o céu e não imaginar coisas. E temos muitas evidências de encontros extraterrestres na antiguidade. Leia o livro depois conversamos.
– Vou ler... – Leo até intencionou falar mais alguma coisa, porém foi interrompido por Marcão:
– Aqui preciso falar que há evidentes passos do monomito, da jornada do herói. Levando em consideração as vontades de Leo de escrever e ser um estudioso da narrativa, não entendo como, até agora, você não notou os passos da jornada.
– Vichi... Lá vem bos... – João nem termina a frase. Leo o interrompe:
– Deixa ele pirar um pouco, João. É o momento dele. Continua Marcão. – Leo gostava dessas conjecturas de Marcão. Conjecturas para não dizer viagens lisérgicas sem adição de ácido.
– Primeiro o fato que nos tirou da comodidade, do conformismo de nossas vidas; depois a aparição do Mensageiro – minha irmã-; O chamado para investigar e agora a chegada do Mentor. No caso o Eduardo. O Exército é o vilão, o chefe de fase... E... – Antes de concluir João dispara:
– E o Hotel é o Pônei Saltitante.
Após uma sonora gargalhada dos quatro, Eduardo se despede e promete falar novamente com todos em breve. O contato seria João e o lugar do próximo encontro poderia ser ali mesmo. Todos se despedem na porta do Hotel e cada um segue seu caminho.
Leo encontra com os amigos na escola no dia seguinte. Cursavam o último ano do ensino médio. Conversam sobre amenidades e combinam de encontrarem-se na casa de João. Lugar dos livros de RPG, jogos, revistas. O Quartel General do trio.
– Fiquei pensando nesses passos da jornada do herói, que você comentou ontem. – João falava folheando uma revista de cinema. Todo filme parece seguir isso. Star Wars, essa franquia nova: Harry Potter, Senhor dos Anéis, Matrix, e todos esses contos que conhecemos. É como se fosse apenas uma repetição do padrão. Um eterno clichê sobreposto.
– Coloca Shakespeare na lista porque todo dia acontece um Romeu e Julieta. – Disse Leo.
– Como disse nosso professor de literatura: o Homem não mudou. A essência é a mesma. Lembra disso? – Pergunta Marcão para Leo. – Você que sempre se liga nessas aulas.
– Claro que me lembro. Ele também falou que o padrão acontece por que parece que o nosso cérebro sempre procura padrão em tudo. Por isso que acontecem coisas tipo pareidolia. Como ele: disse a necessidade de rotular é uma doença. Ver padrões onde não existem. Talvez sejamos vítimas disso. Nessa história do material negro e dos passos da jornada do herói. No fim, são apenas conclusões de mentes criativas e supersticiosas. Uns bobos. – Leo parecia se divertir com a conversa. Queria ser realista e científico. Mesmo que no fundo queria que tudo fosse verdade. Eles sempre ficavam horas conversando sobres esses temas. Papo de nerd como Marcão costumava dizer. Vez ou outra, alguém, entre os três, falava: A gente precisa arrumar umas namoradas, senão ficaremos iguais ao cara dos quadrinhos dos Simpsons.
– Que vamos fazer? Ficar esperando ele ligar? – Diz João, ficando perplexo quando ao terminar a frase, o celular toca. Era Eduardo. João atende automaticamente colocando o aparelho no viva-voz, segue a seguinte conversa:
– Oi! Boas notícias. – Eduardo fala espera o retorno do cumprimento e diz:
– Marquei uma entrevista com o Major. Ele vai me receber hoje depois do expediente. Agora é colocar ele na parede.
– Eduardo, eu tenho uma dúvida... – diz Leo extremamente reticente.
– Manda aí, quem sabe posso ajudar.
– Eu li um artigo na internet há muito tempo, mas com essa coisa de você entrevistar o Major, expor uma situação, jornalismo, reportagem, assuntos militares, pessoas feridas, etc. Veio-me a lembrança dele. Enfim, sem mais rodeios. Aqui no Brasil só existem três jornais de circulação nacional – Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e O Globo -, todos eles fazem parte de conglomerados com interesses que muitas vezes interferem na cobertura de temas nacionais relevantes. Podemos falar que a concentração de mídia no Brasil é muito parcial, já que aqui cinco empresas, pertencentes a seis famílias, controlam 70% de todos os meios de comunicação.
– Pronto! Começou a falar o teórico da conspiração. – Fala automaticamente Marcão. Que apesar de concordar com o amigo, não poderia deixar escapar a oportunidade de contrariá-lo.
– Calma. Marcão! Esse é só o cenário. Minha dúvida é se a mídia vai entrar nessa. Porque é fácil deixar no gueto, no nicho. Temos que tentar quebrar esse limite e fazer a notícia correr. Usar a internet. Mas sem parecer coisa de paranoico.
– Então, meu caro. Há agora a internet. Na verdade já tem faz tempo, né? Essa é nossa arma. Entretanto, temos que agir rápido. Em algum momento, os governos vão perceber que é perigoso deixar essa estrada livre. Logo irão cobrar pedágios, Colocar câmeras monitorando cada palmo dos nossos passos. Já estão fazendo isso, claro que estão, mas logo vai ser pior. Não teremos mais liberdade. Iremos achar que temos, mas não teremos.
– Como é o pensamento que o professor de literatura disse mesmo? – Perguntou João. – Aquela do escritor de Admirável Mundo Novo? Sobre ditadura... – Ao mesmo tempo em que falava, João procurava a frase na internet. – Achei! Vou ler: “A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão.”.
– Esse é o ponto! – Animadamente fala Leo. – Isso que queria dizer.
Eduardo atentamente ouve tudo e fica absorvendo a ideia de Leo. Analisa os pontos mais importantes e relevantes na situação em que se encontravam e diz:
– Eu concordo com você. A mídia aqui é tendenciosa, parcial, defende interesses de grupos políticos, elege quem quer. Tudo isso está correto. As pessoas vivem a falsa ilusão da privacidade. Como se vivesse em um oásis. Satisfazem-se com um salário que pague as contas e sobre um pouco para uma cerveja vagabunda e um carrinho popular pago em trinta e seis meses. A mediocridade impera e quando esbarramos, por sorte, em eventos - como esse do rapaz desaparecido-, somos taxados de loucos, conspiradores, paranoicos. É uma luta grande, muito grande. Mas conseguiremos quebrar essas leis que protegem as informações sigilosas dos governos, dos militares. Uma hora vai vazar alguma coisa. Pessoas vão morrer por isso, mas vai acontecer alguma coisa.
– Espero que não seja a gente quem morra. – Diz Marcão.
– Falo no sentido figurado. Mas voltando a vaca fria, irei falar com o Major e passo as novidades para vocês. Por favor, não comentem nada com ninguém como a cidade é pequena algo pode chegar até ele. O xis da questão mesmo, vocês só vão ler na revista. Senão não tem graça. – Eduardo solta uma risada meio forçada meio verdadeira, se despede e desliga.
– Só isso? – Marcão disse decepcionado.
– Ele ligou para avisar e pedir segredo. O problema maior é vazar alguma coisa e o Major conseguir esconder ou se preparar para a entrevista. Pelo jeito ele quer pegar o cara desprevenido. Tomara que leve um gravador.
– Falando em gravador... Esse tempo que vivemos é ótimo! Podemos criar um blog. Um site e vazar informações. Se não acreditarem na informação pelo menos a gente constrange as autoridades.
– Uma coisa que minha intuição me diz é que essa ligação não foi só para nos manter informados. Acho que ele de alguma maneira quis se proteger, nos avisando que vai lá, ao quartel. Se acontecer alguma coisa, já sabemos o motivo.
– Será? – Marcão se achava uma âncora, quando em momentos como esse a piração de Leo ou João os levava para alturas perigosas. – Você acha mesmo que é por isso? O cara ligou para nos avisar? Mas isso é muito subjetivo.
– Marcão! O cara é repórter, já deve estar acostumado com isso, e bater de frente com o Exército não é fácil. Eles já fizeram o que fizeram no Hospital. Dar um sumiço em mais um cara é fácil. O cara nem é daqui. Quantas pessoas sabem que ele está aqui? Acidentes acontecem meu amigo, acidentes acontecem.
– Nossa! Você realmente é paranoico. – Marcão fala, mas duvidando da própria seriedade ri das palavras proferidas.
– Eu prefiro estar redondamente enganado. Juro!
– Beleza. Vamos jogar um pouco vai. Já que estão empolgados, vamos jogar GURPS Cyberpunk.
Passou mais de uma semana. Nada de ligações de Eduardo. O trio estava apreensivo. João tentara ligar algumas vezes e só dava caixa postal. O alarme paranoico de Leo disparou. Mas não comentava nada com os amigos, guardava para si a preocupação.
João sem avisar os amigos, liga para a redação da revista na esperança de que Eduardo tivesse avisado alguém de lá. Nenhuma resposta positiva. Apenas que também estavam tentando contato em vão e que iriam avisar a polícia da cidade. João resolve falar com os amigos:
– Hoje liguei para a redação, me falaram que irão avisar a polícia. Eduardo está desaparecido.
– Agora ferrou! – Disse Marcão. – Será que virão atrás da gente?
– Bem provável, já que Cláudio nos viu falando com ele.
– Não se preocupe Marcão. – A polícia até pode vir falar com a gente, mas só para averiguar alguma coisa.
– Não é isso que me preocupa. O cara sumiu. E se o Exército deu um fim nele? Uma hora podem vir atrás de minha irmã ou da gente.
– Mas assim chamariam a atenção da população. Muita gente para matar. Nem sabemos o que aconteceu de verdade. Vamos deixar a polícia resolver.
O trio não tocou mais no assunto. Alguns dias se passaram e sem mais nem menos, o homem que o Exército levou, reapareceu. Com amnésia, com o braço amputado, dizendo que havia sido atacado por animais. Ao ser questionado que tipo de animal, ele apenas respondia que estava em um sítio, nadando em um braço do Rio quando alguma coisa picou ou mordeu sua mão e que, se um pelotão do Exército não estivesse treinando próximo ao local, ele teria morrido. As pessoas engoliram a história e ficou por isso mesmo. Mas para os três amigos havia outra coisa: o desaparecimento de Eduardo.
Leo grudado ao rádio, não acreditou, quando o locutor disse que um carro havia sido encontrado perto de um posto na rodovia com um corpo sem identificação dentro do porta-malas. Acreditavam na hipótese de latrocínio, ainda estavam investigando a identidade da vítima. A maneira que o cadáver fora encontrado se assemelhava ao modo de extermínio de uma facção criminosa envolvida com disputas de vendas de drogas na região. Mas não era considerado um fato. Fato esse, que era conhecido apenas por poucas pessoas: Leo e Cláudio entre elas.
Antes do aparecimento do carro de Eduardo, Leo conversara com Cláudio no Hotel, que lhe dissera tudo que havia acontecido na semana da entrevista. Na segunda-feira, após a conversa do grupo na noite anterior, Eduardo saiu e não voltou. Como o Hotel era relativamente próximo do Quartel do Exército ele fora a pé. Nem anoitecera, quando um soldado apareceu com a chave do quarto e do carro e informou que estava ali a pedido de Eduardo para encerrar a hospedagem e levar o carro até o Quartel, já que o rapaz pretendia seguir viagem de lá mesmo. Cláudio cobra a hospedagem, entrega o carro para o soldado e segue sua vida normalmente. Até que ouve, um dia depois, de algum empregado do hotel, que o hóspede havia desaparecido. Mais alguns dias após a confirmação do desaparecimento, ele mesmo teria passado algumas informações de Eduardo para a polícia: características físicas, cidade de origem, o tempo que passou por ali. Falou o que pode para ajudar na investigação.
Ambos sabiam que o corpo encontrado muito provavelmente era de Eduardo. Mas Leo não dizia o que mais o incomodava. O incômodo era causado pela ação criminosa do Exército: Como isso pode acontecer? Desaparecimentos, contaminações... – Pensava Leo, angustiado.
Ao se reunir com Marcão e João, que também já sabiam do carro com o cadáver. A conversa foi triste e com uma porção generosa de terror. João foi o primeiro a falar:
– Sabe o que vai acontecer? Já que o cara do braço podre veio com esse papo de bicho peçonhento. Eles vão “achar” alguma quantidade de droga que caracterize tráfico, vão identificar o Eduardo e mais uma vez vai ficar por isso mesmo. Respostas superficiais, população agradecida, verdades escondidas e a vida de todo mundo segue do mesmo jeito.
– Mas temos que fazer alguma coisa. – Disse Leo.
– Fazer o quê? – João responde resignado e sem motivação. – Colocar em um site que descobrimos uma conspiração militar?
O telefone de Marcão vibra, ao olhar a mensagem, arregala os olhos e diz:
– Fernanda está internada!
– Por quê? – Pergunta Leo.
– Desmaiou depois de vomitar uma gosma preta opaca.
O três somente trocaram olhares aterrorizados. Na ficção essas coisas eram mais legais.
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