Os pés tocaram a poça de sangue. Saíram deixando as pegadas pelo corredor.
As últimas fotos foram tiradas pela perícia. Mello Sá saía da cena do crime quando seu telefone tocou.
— Quer aproveitar comigo minha última semana de férias?
— Desculpe, Agatha estou trabalhando.
Pelo tom seco, percebeu a seriedade da situação.
— Mais um crime na Vila Madalena.
— Sim. — Afirmou o delegado.
— Posso passar na sua casa mais tarde?
— Não sei que horas vou chegar, mas se quiser ir, tem a chave.
Encerrou a ligação e retornou à delegacia.
Por volta da meia noite, Mello Sá saía do banho quando ouviu a campainha tocar. Atendeu ainda de toalha. Um homem magro, com uma barba rala e um corte no canto esquerdo do lábio estava de pé, escorado no portal da porta.
— Boa noite.
— Boa noite. O senhor é o delegado da região?
— Quem é você?
— Só vim lhe dar uma pista do crime de hoje.
Olhou para a soleira da porta da casa, cuspiu algo no chão e saiu correndo. Mello Sá logo se abaixou a observar o que o homem cuspira na entrada de sua casa. Parecia um pedaço de carne crua. Ligou para o perito.
Enquanto o perito, um pouco tonto pelo sono, mas a postos pela velha amizade com o delegado, observava o que homem cuspira no chão, Agatha e Mello Sá procuravam entre os arquivos da polícia informações sobre o corpo encontrado no início da noite.
— Carlos Silva. Duas passagens pela polícia. — Leu o delegado.
— Trambiqueiro de praxe. Roubo de aposentadoria, malas em rodoviária...
— Violência doméstica. Agrediu a mulher e o filho.
Nesse momento, o perito se voltou ao delegado.
— Alfredo... — o perito chamou o delegado pelo primeiro nome, já que sua amizade contava mais do que suas posições hierárquicas.
— O que? Teu nome é Alfredo? — Interrompeu Agatha, perguntando ao delegado.
— Vocês estão nesse rolo esse tempo todo e nem sabem o nome um do outro?
— Nunca parei pra perguntar. Nunca deu tempo. — Disse Agatha com um sorriso malicioso.
— Alfredo Paiva de Mello Sá. Prazer. — Apresentou-se o delegado.
— Maria Agatha Montalvão. O prazer é meu.
Mello Sá beijou-lhe a mão.
— Não sabia que seu primeiro nome era Maria.
— Agatha veio depois da adoção, mas meus novos pais não quiseram se desfazer do original.
— Você foi adotada? — Questionou o delegado, um pouco surpreso.
— Meu Deus, vocês são um casal bem íntimo. — Ironizou o perito. — Alfredo, vou levar o pedaço para análise, mas você lembra em que estado encontramos o corpo do Carlos?
— Como esquecer aquela cena? O peito aberto e o coração na mão do cadáver.
— O coração todo não. Grande parte dele.
— O que você quer dizer com isso?
— Espere minhas respostas pela tarde. Boa noite, acho que agora vocês têm o que conversar, se der tempo.
— Pela minha exaustão hoje, acho que conversar é o máximo que eu consigo essa noite.
Na tarde seguinte, o delegado acabava uma reunião com os investigadores quando recebeu uma ligação do perito.
— Boa tarde.
— Boa tarde.
— E então, conseguiram se conhecer além do corpo? — Perguntou o perito.
— Descobri coisas que até você duvidaria.
— Quer que eu faça uma perícia? — Ironizou.
O delegado riu um pouco.
— Por falar em perícia, disse que teria respostas essa tarde.
— Liguei exatamente por isso. Adivinha, o que o homem cuspiu na sua porta. É simplesmente um pedaço do coração de Carlos.
Mello Sá não conseguiu comentar.
Nesse momento, Agatha entrou na sala do delegado com uma caixa na mão.
— Me mandaram entregar isso pra tu. — Entregou-lhe a caixa.
Ergueu a tampa e se deparou com o que faltava. Voltou ao telefone, com o perito ainda na linha.
— Mais um presente pra mim, ou pra você. Venha buscar quando tiver tempo.
— Irei no fim da tarde.
Encerrou a ligação e voltou-se para Agatha.
— Quem te entregou isso?
— O porteiro disse que um homem magro, com uma barba rala e um corte no lábio pediu que me entregasse pra entregar pra tu.
— Corte no lábio?
— Sim. Por quê?
— O homem que cuspiu o pedaço do coração na minha porta também tinha um corte no lábio. — Concluiu Mello Sá. — A sua portaria tem câmeras de segurança?
— Tem.
— Vamos dar uma averiguada nas imagens.
No prédio na praça Pedro Lessa, foram encaminhados até a sala de segurança. As imagens revelaram o rosto do remetente da caixa.
— É o mesmo que foi na minha casa.
De volta à delegacia, o perito esperava com um investigador na porta do gabinete de Mello Sá, o primeiro segurava uma caixa idêntica a entregue à Agatha.
— Almeida, veio pegar a caixa? — Disse o delegado ao perito.
— Não, essa foi entregue aqui logo depois que vocês saíram.
— Deixa eu adivinhar, um homem com um corte no lábio. — Sugeriu Mello Sá.
— Foi a descrição da estagiária que recebeu, e adivinha o que tem dentro?
— Mais um pedaço do coração do Carlos?
— Exatamente. Acho que agora ele entregou todas as partes. Ah... e dessa vez ele deixou uma carta a você.
O delegado pegou o papel e leu em voz alta.
— Desculpe entregar em partes, tive certo apego, mas no final decidi deixar enterrarem tudo junto. Só não enterrem perto da minha mãe, a qual ele mesmo enterrou. Se quiser uma pista pra me achar, espere as próximas vítimas, talvez sigam o padrão do primeiro. Assinado: C. S. F.
Capixaba natural de Ecoporanga, atualmente residindo em Feira de Santana-BA; estudante de Pedagogia, escreve desde criança. Apaixonado por café, criança, história, arte e cultura brasileira. A Arte de Viver foi sua primeira novela publicada, além da coletânea Contos Oh! Ríveis, de humor, estando presente em coletâneas de contos e poemas do Projeto Apparere e contos disponibilizados na Amazon.
O gênero policial vem sendo seu novo foco na escrita, explorando a temática familiar, um prato cheio para discutir as relações da sociedade e refletir sobre as atitudes passionais.
Muito Obrigado.
Adorei👏👏👏👏