O grande caminhão de mudança acabara de chegar, ele foi até a varanda para ter uma boa visão da movimentação. A casa de baixo foi alugada e os novos hóspedes haviam acabado de chegar. As coisas começaram a ser descarregadas pelos homens, Pedro observou a movimentação e percebeu um carro chegando, eram eles, os novos hóspedes... Do veículo saiu um homem, de meia idade ou quase, físico bem apresentável, careca, com poucos cabelos na cabeça, e junto dele uma mulher, sua esposa, também de meia idade, pele branca, alva, cabelos loiros e um tanto atraente. Ao olhar para ele... Pedro viu os olhos dela cintilarem um vermelho vivo... Ambos entraram na casa, já era noite e logo a mudança estava feita.
Pedro percebeu que raramente se ouvia barulho na casa debaixo, era um silêncio mortal como se ninguém morasse lá. “Vai ver é o modo de viver deles...” Pensou. Porém, o horário que ele mais ouvia barulho era pela noite, o rangido da porta de minutos em minutos, ruídos de talheres, copos, como se preparassem para o jantar... Murmúrios de conversas, baixas, porém uma palavra e outra ele conseguia entender... Mas quando o dia raiava... Nada se escutava.
Pedro desceu a escada para sair à noite e entreouviu uma estranha conversa:
— Você sabe que não podemos comer alho... — Disse a mulher.
— Claro que sei. Mas...
— Nada de mas! Tá querendo morrer?! Tire isso daqui!
—Tá. E o que vamos fazer com o líquido vermelho que trouxe? — Pedro sentiu sua espinha congelar. — Dá para nós dois?
— Ah, isso é vida... Sim. Claro que dá para nós dois... Precisamos tomar.
Pedro estava congelado na escada, mal conseguindo se mover. Então a porta se abriu. Ele deu um passo para trás, o velho careca saiu pela porta e o encarou.
— Olá vizinho...
— Oi... – Falou Pedro, trêmulo.
O homem saiu, jogou algo na lixeira e logo entrou de volta. Pedro, que ia a algum lugar, perdeu a vontade e retornou à sua casa subindo a escada com rapidez. Começou a andar de um lado para o outro, nervoso, trêmulo... Tinha uma hipótese em sua cabeça, então chegou a uma conclusão... “Será que... Eles... Não... Não pode ser... Eles são vampiros!” Juntou então as peças... Não comem alho... Ele ouviu sobre o tal líquido vermelho... Engoliu a seco, estava convivendo com vampiros! Então estava em perigo!
A noite tornou-se dia para Pedro, ele não conseguiu dormir... Ouvia estranhos ruídos no andar de baixo, decidiu sair lentamente e se pôs na varanda e então entreouviu outra conversa...
— Você sabe que não pode pegar sol!
— Eu sei... Como vamos fazer então?
— Eu vou... Pode deixar.
Pedro deixou a varanda de sua casa e correu para seu quarto trancando a porta. Então... Ele estava certo... Eles são vampiros! Pedro ficou desnorteado e com medo. E se eles decidissem sugar seu precioso “líquido vermelho?” Estava em maus lençóis... Pedro ajoelhou-se, trêmulo, na beira da cama e fez uma prece. Levantou minutos depois, pegou um grande crucifixo que havia guardado e pendurou-o no pescoço. Foi até a cozinha, pegou todos os alhos que tinha e desceu ao andar de baixo lentamente, tentou ouvir mais alguma coisa, porém eles estavam em silêncio... Então colocou alho em toda parte do pátio e subiu à sua casa novamente, trancou-se e lá ficou. O sono venceu-o e ele dormiu.
Ao acordar, levantou da cama abruptamente, olhou em volta, correu ao espelho e olhou seu pescoço... Então uma voz lhe congelou.
— Vizinho!
Era ele. O vampiro! Correu à sua janela, olhou pela cortina, benzeu-se várias vezes e desceu com o crucifixo em seu peito.
— Oi... Vizinho... — Disse Pedro, trêmulo.
— É... Por que tanto alho em volta do pátio?
— É que...
— É que minha esposa é alérgica a alho... Então...
— É... O quê? Alérgica? — Um alívio desceu nele...
— Sim. Ela pode ter algumas reações...
— Ah, minha nossa! Desculpe-me... Vou... Tirar tudo!
Pedro retirou tudo, olhou para o homem careca e disse:
— Então vocês não são... Vampiros?
— O quê? De onde tirou isso? — O homem riu, Pedro riu sem graça. — Claro que não!
— Então... Desculpe-me, mas o que significa o tal “líquido vermelho?” E... Desculpe, mas entreouvi uma conversa sobre não poder comer alho...
— Ah... Bem, — O vizinho entendeu tudo — É que minha esposa é alérgica a alho, o tal “líquido vermelho” é como chamamos o vinho que costumamos tomar e... Ela não pode pegar sol por conta de uma doença que tem na pele.
Pedro sorriu sem graça, logo ficou sério e falou:
— Desculpe por isso...
— Tudo bem... — O vizinho sorriu e virou-se para abrir a porta do carro e ali ele viu a prova, se ele de fato fosse vampiro... Não refletiria no vidro sua imagem...
Pedro subiu, levou os alhos à cozinha e pensou... “Mas e os olhos dela que brilharam?” Então se lembrou de um detalhe... A luz do retrovisor do carro... Quando ela fechou a porta... A luz refletiu nos olhos dela... Ele sentou no sofá e então... Começou a rir. Riu de seus delírios, de suas loucuras e suas hipóteses malucas.
Precisava de fato de algo para fazer na vida.
Sobre o Autor:
Jázino Soares nasceu em Manaus/AM é formado em Letras – língua portuguesa e literatura, pós graduado em didática do ensino superior, professor, escritor, poeta, músico, dramaturgo, compositor, contista e roteirista. Autor do livro: OS TRÊS. Tem trabalhos em duas antologias poéticas, ama escrever, criar e se perder em seus mundos que tanto lhes tira da realidade.
Instagram: @jazinosoares
Facebook: Jázino Soares
Revisão do texto: Luiza Fernandes
Gostei, mas imaginava que realmente eles não eram vampiros,😏
Foi lendo e pensando "você não me engana...", kkkkkkkkkkkkk! Texto massa!
Muito massa!