i
o céu claro está escuro
não se enxerga sem luz
e a luz não ilumina
cores frias. a alma reclama
essa é a hora que se chora
e ninguém vê
eu tinha uma tristeza
até o dia em que ela me teve
enquanto era eu a rainha,
vivia em paz
(disfarçada)
o manto da angústia
me pesava
serviçal,
senti o chicote me rasgando
(o coração)
veja bem
acostumada com a dor,
não me incomodei
viajava dentro do crepúsculo
a alma, de costume, pranteava
(o que não aconteceu
nem acontecerá
livros que eu li
tantos mundos, tantos)
quando a tristeza,
a máscara caída,
enfiou a mão na minha goela
apertou minha faringe
e disse
(tua língua preta,
teu bafo de cadáver):
teu manto sou eu!
do alto do teu poder,
te governo!
desde então estamos em guerra
na terra devastada
que é a minha alma.
ii
meu manto pesa uma tonelada
minha espada está enferrujada
perdi minhas unhas na batalha
em algum canto das minhas entranhas,
reino sozinha uma ilha
sem exército
e sem saída pro mar
tua mão sem corpo na minha garganta
tua máscara pegajosa na minha fuça
me asfixio
(por deus, são esses meus próprios dedos
e é essa minha própria farsa)
com mais cicatrizes
que meu corpo pode suportar,
caí
chorei
gritei
essa batalha
(e tantas outras, tantas)
eu perdi
perdida, me rastejei
(a luz acesa sem iluminar,
o céu quase claro quase escuro,
cega)
me levantei, enfim
(e caí novamente.
caí inúmeras vezes.
me levantei todas elas)
(levantar é tão dolorido
quanto cair)
batalhas perdidas
talvez a guerra
talvez eu
esperança:
teu amigo,
meu inimigo,
me abraça
eu continuo.
iii
e mantenho minha luz acesa
(lâmpada fluorescente tubular)
(acesa vinte quatro horas por dia,
sete dias por semana)
feito um hospital
minha alma na maca
(o soro pinga
o aparelho apita)
no jardim que vislumbro pela janela
e visita nas manhãs de pouca agonia
eu tento plantar o melhor
(ou qualquer coisa boa)
que há em mim
a terra ainda está seca
todas as sementes morrem
as manchas negras no céu
me dizem que vai chover
espero
que seja doce a água
que meu jardim floresça
cravos, rosas
e plantas carnívoras
a guerra continua
e eu luto
até a terra cobrir meus olhos
e as flores nascerem
da minha boca

Sobre a Autora:
Nascida e criada em Sumaré, no interior de São Paulo, Camila Lourenço é autora de “Algodão Cru”, é escritora desde que aprendeu a ler e letrista de graduação.
Nas horas livres, assiste séries hispânicas, devora livros de fantasia e trabalha para uma empresa de tecnologia.
O primeiro original, escrito aos dez anos, está guardado em alguma caixa de papelão. Ela finge que jogou no lixo.
Instagram e Twitter: @camilalourenco_
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