Olá, caros leitores! Conforme o prometido, cá estou eu, para resenhar o terceiro livro da Saga do Assassino (The Farseer Trilogy), da Autora Robin Hobb, intitulado A Fúria do Assassino (The Farseer: Assassin’s Quest), distribuído no Brasil pela Editora LeYa. Registramos que, apesar de estarmos resenhando livro a livro toda uma trilogia desta editora, a escolha é livre, sem qualquer patrocínio ou incentivo especial da editora. Em outras palavras: editoras do meu Brasil varonil, vejam a oportunidade! Patrocinem-nos! (visualizem uma piscada de olho… agora retomem a leitura)
De qualquer forma, independente de patrocínio, nosso juízo é e sempre será livre, e honesto. E, por juízo livre e honesto, preciso dizer: LeYa, que pérola vocês têm em mãos! Não sei quem negociou com vocês a distribuição deste livro no Brasil, se vocês foram procurados pelos agentes da autora ou se alguém dentro da editora teve contato com a obra e daí a ideia de representar a autora no Brasil. Qualquer que seja a hipótese correta, essas ou outras, agradeçam ao responsável, quem quer que seja.
Não creio que precise dizer, ao propor a resenha do último livro de uma trilogia, que não é possível escapar por completo de spoilers, neste texto. Evitarei, naturalmente, contar qualquer coisa relevante sobre este livro resenhado, em particular, mas, a começar pela premissa do livro, que é fruto imediato dos efeitos do fim do livro anterior, será inevitável comentar alguns elementos que precedem este livro. Combinado?
Bem, como eu disse anteriormente, a premissa desse livro é o término do segundo: após muita tortura e sofrimento infligido por Majestoso, o bastardo FitzCavalaria morre. Sim, a autora mata o protagonista ao fim do segundo livro de uma trilogia! Ousado? Com certeza! Não entrarei em detalhes, mas, por incrível que pareça, no contexto foi um desenlace necessário, que faz sentido, e o modo como ela o faz é muito bem pensado deixando uma necessidade irresistível de saber como se sai dessa enrascada para se ter um terceiro livro sobre o protagonista que agora está morto. Já reconheci (sem orgulho e nem o direito de me envergonhar), na resenha do segundo livro, que o terceiro livro da trilogia furou a fila de leitura, como o segundo o fizera antes dele. E não me arrependi de permitir que assim fosse.
Acontece que o prendado Fitz, com suas habilidades para a Manha, não morreu, de fato. Utilizou da magia de que dispunha para abandonar seu corpo, ao qual retornaria. Pessoal, sei que falando assim posso dar a falsa impressão de que há efeitismo, ou seja o uso de um acontecimento chocante e grandioso, sem que haja as consequências pertinentes. E não é assim, na verdade. A autora sabe que grandes eventos resultam em efeitos relevantes que não podem ser simplesmente esquecidos (não devem, pelo menos), e esse domínio narrativo é fundamental para fazer dessa obra um acerto. O mundo vira de cabeça para baixo com os acontecimentos que findam o segundo livro, e as consequências do estratagema escolhido por Fitz se fazem por ele mesmo sentir durante significativa parte da trama que se segue, demonstrando que a autora não se propõe a nos trapacear com soluções mágicas gratuitas ou inconsequentes.
Por falar em longo livro, vale a pena mencionar que, ao longo de suas 831 páginas, a estória se mantém interessante em seus altos e baixos, sem que haja desgaste de se exceder em descrições nem se peque pela falta delas, sem ação em demasia nem, em absoluto, sua falta, sem manter o texto sempre tenso nem faltar momentos de intensidade e emoção, mantendo uma agradável e fascinante montanha-russa em constante movimento, de maneira hipnotizante, a nos fazer pedir sempre mais. Vale dizer que, apesar de ser uma obra de Alta Fantasia, tudo no livro é verossímil, consideradas as características e traços pertinentes a este universo em particular.
Uma marca do terceiro livro é que a trama sai do universo fechado da corte em Torre do Cervo (e ocasionalmente alguma corte de um outro ducado) e adentra para a vida camponesa, atravessa os Seis Ducados, adentra novamente o Reino da Montanha (novamente: para além da corte) e vai além, e isso tudo apresentando-nos muitas novas ambientações, o que dá novo fôlego e sentido às aventuras vividas pelo protagonista e seus aliados. Para aqueles mais apegados à narrativa clássica, pode-se considerar que determinados trechos narrados representam barrigas narrativas*. Mas, diante do propósito de se parecer uma autobiografia, contada naturalmente pelo próprio FitzCavalaria, o vagar por entre memórias e motivações faz sentido. E vai além: não apenas proporciona uma certa familiarização com a pessoa do FitzCavalaria, como nos mostrar um bocado do porquê de valer a pena defender Os Seis Ducados, tanto dos navios vermelhos e seus salteadores quanto das garras do usurpador Majestoso. Diante dos sacrifícios por vir, isso é o mínimo que se podia fazer.
O longo trajeto também é oportunidade para sabermos um pouco mais sobre a Manha e o Talento, que finalmente se fazem compreender pelas diferentes situações, bem como pela exploração quase exaustiva desses temas em alguns momentos. Só neste terceiro livro, a meu ver, se pode compreender do que se trata cada um com melhor clareza. Cheguei a ter a impressão de que a autora deve ter sido tão cobrada a explicar cada um, que ela terminou por fazer questão de mostrar do que se trata cada uma dessas formas de magia, e do que cada uma seria capaz. No entanto, não são explicações tão gratuitas, o que pode ser notado com uma atenção mais apurada. A Manha é um apelido pejorativo, preconceituoso, para identificar a magia dos que possuem “Sangue Antigo”, como se revela ainda antes da metade do livro, e só digo que o uso de palavras não é à toa. Dizer mais seria revelar a chave para um problema só no fim descoberto, quando tanto se está dando foco para o Talento, a outra forma de magia, que também é em certa medida causa e consequência de toda a trama, ao mesmo tempo que é instrumento utilizado em certo grau por todos os lados desse xadrez… ou, melhor, jogo das pedras.
Devo dizer que, após o estabelecimento de um ritmo compassado, prolongado (e repito: a meu ver não há nada de gratuito, desnecessário ou de qualquer forma enfadonho nessa longa exploração do universo), quando chegamos ao clímax da estória, a sensação é de que a autora ou estaria cansada de escrever, ou premida por prazos muito estreitos ou mesmo cobrada pelo tamanho do volume a imprimir. Essas ou quaisquer justificativas parecem um recurso necessário para explicar a pressa com que de repente se correu a desenrolar todos os últimos acontecimentos após o ápice da estória. Digo-o porque grande parte das tramas e subtramas, principais e paralelas, abertas no livro e na trilogia como um todo são resolvidas em um só capítulo, e as demais em mais um capítulo curto com cara de epílogo, dando assim um ritmo desproporcionalmente acelerado na reta final. Por outro lado, a autora consegue amarrar bem toda a trilogia, e não pude recordar de nenhuma ponta que ela possa ter deixado solta. Pelo contrário: tudo converge para o mesmo fim, engenhosamente bem construído, anunciado desde antes, inevitável e, apesar de esperado, não é óbvio nem fastidioso, e ainda traz interessantes notas de imprevisibilidade. Bem, posso dizer que a catarse faz parte da experiência, recompensa, nossa espera. Mas, arrisco-me a dizer, posto que isso por si não poderia ser considerado um spoiler, que o fim para nosso protagonista deixa um sabor agridoce, e que, penso, não seria razoável fazer diferente.
Sei que o tamanho do livro é um dado recorrente nesta resenha, mas, é necessário fazê-lo. É inevitável que, ao escrever algo desta monta, haja consequências diretas deste fato em particular. Ei-lo mais uma delas, que eu não poderia deixar de mencionar: os erros cometidos na edição e/ou diagramação do livro se avolumaram ainda mais do que nos livros anteriores (exemplar da edição de 2014, e espero sinceramente que impressões posteriores tenham corrigido isso). Tenho certeza de que, num livro acima de oitocentas páginas, acontecer este problema em algum trecho é quase inevitável, e é por isso que persisto em mencionar o tamanho do livro. No entanto, já li livros de semelhante volume em que tais erros eram raros, se não inexistentes. Definitivamente, a LeYa precisa colocar mais profissionais para revisarem o texto entre as etapas de diagramação e impressão, ou mesmo realizar a impressão de cópias de um piloto para que seja analisado antes da impressão definitiva. Quebras de parágrafos onde não deveria haver (ou faltando onde deveriam estar), erros de digitação e outros problemas do gênero pulularam, ocasionalmente até atrapalhando a compreensão de algum trecho. Não que aconteçam tais erros no livro todo, mas aconteceu em uma frequência que arrisco dizer que é inaceitável. Espero sinceramente que, com o início da Editora Literatura Errante, eu não termine por morder a língua, mas, arisco pelo menos prometer os meus melhores esforços para não o deixar acontecer. Em compensação, a edição impressa em papel do tipo pólen, além de ser ecologicamente correto, confere muito conforto à leitura (o que é no mínimo recomendável em uma leitura de tanto fôlego) e certa sofisticação. Como os anteriores, o volume é muito bem encadernado, o que se nota por, apesar de a lombada inevitavelmente dobrar e ficar marcada, quando forçada pela abertura para a leitura, ela não rasga ou descola.
Por fim, não apenas recomendo a leitura do A Fúria do Assassino, como assevero a recomendação de que essa leitura seja precedida pela dos livros anteriores da trilogia, na devida ordem (“Aprendiz de Assassino” e “O Assassino do Rei”, respectivamente). Pessoalmente, vou ficar atento aos demais livros da autora Robin Hobb, pois ela me conquistou com essa trilogia. Mesmo se esses forem os melhores livros dela, vejo margem para que os demais sejam excelentes e prazerosas leituras. Se não forem os melhores, quero muito ver do que mais essa autora é capaz! Isso me leva a retornar à citação de George R. R. Martin, que iniciou a resenha do primeiro livro da trilogia:
“Entre as inúmeras obras de fantasia lançadas atualmente, os livros de Robin Hobb são como diamantes num mar de falsos brilhantes.” (George R. R. Martin)
Sobre o autor:
Ator e escritor pernambucano. Escreve desde a infância e entrou de cabeça no universo da literatura em 2009. Desafia-se regularmente a escrever nos diversos gêneros que lê avidamente. Idealizou o Literatura Errante, e tem batalhado para fazê-lo dar certo como um coletivo.
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Revisão: Tatiana Iegoroff
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