— Um refrigerante de laranja e um pastel de queijo, por favor.
O rosto oleoso daquele adolescente tinha mais óleo que o pastel, mais óleo que o guardanapo ensopado de óleo que segurava junto ao pastel. O refrigerante de laranja limpava o lado interno da boca, empurrava o óleo do céu da boca para dentro do menino. O gosto de laranja podre do refrigerante de laranja, gelado, intenso, refrescante.
Pediu a conta e uma bala de menta para confundir a boca, para fingir um hálito, um hálito diferente do gosto da boca de óleo e laranjas podres, um hálito de bala de menta, que minta tão bem, que possa transformar a boca que ainda guarda restos molhados de pastel em meio a um ou dois dentes careados.
O adolescente oleoso vai andando até a porta de uma escola, encosta na parede as costas e um dos pés, olha a tela do celular para verificar o horário, tira um cigarro do bolso e começa a fumar. Uma corrente de fumaça passando por entre o hálito de menta, que antes era de óleo e refrigerante e que agora foi tomado pelo fumo e pela nicotina.
Toca o sinal, indicando o término das aulas. O garoto desencosta da parede, apaga o cigarro e endireita o corpo. Avista uma menina — aquela menina que ele esperava na porta da escola — a pouco menos de 30 passos do portão. Ela vai de encontro ao oleoso adolescente e lhe cumprimenta com um beijo longo e demorado, de língua. As línguas se encontram e se maculam, se maculam porque não é só a boca do famigerado adolescente que traz outras fragrâncias, outros sabores.
Assim que acordou, a menina do beijo de língua recusou a ida ao banheiro para enxaguar a boca, tomou leite com cereais e, como estava atrasada, saiu tão rápido quanto engoliu a comida. Já na escola, ela comeu sushi que uma de suas amigas haviam levado de lanche, que eram sobras de um jantar de família, as migalhas do amido de milho, com arroz e peixe cru. A menina tinha combinado um lance com um “amigo”, um garoto de que ela gostava. Quando chegou o recreio ela foi para o banheiro masculino, lugar que ele e ela haviam combinado. A menina, com a boca cheia de amido de milho, sushi e chiclete, encheu a boca de “amigo” e trouxe na boca e no estômago o “amigo”.
Antes de voltar pra sala, a menina pediu para uma amiga duas balas de menta. Jogou uma bala na boca logo que voltou do intervalo e outra antes da saída. Foi quando se deu o encontro das duas bocas maculadas, maculando-se em um transe de menta e nicotina.
E as bocas sujas cederam à paixão do beijo, beijo molhado, intenso, puro, assim como outros beijos que se deram em outras portas de escola, em outros lugares do mundo.
Os beijos apaixonados não sabem nada sobre bocas sujas e as bocas sujas estão sempre sujeitas a beijos apaixonados.
Sobre o Autor:
William Pardo se define como: Escritor de boteco, filósofo de porta de padaria, ator de quermesse de cidade do interior e sonegador de dízimo.
Mesmo com tanto óleo e menta, alguns beijos são como afago no coração. Parabéns meu caro.