Capitulo Parte I BERNARDO
Décimo quinto dia – Você sabe continuar?
Uma única fresta na janela de um quarto escuro pode iluminar o ambiente todo. O necessário para mensurar a escuridão é um único fio de luz, insistente o suficiente para enfrentar toda obscuridade e deixar seu rastro, iluminar seu caminho, clarear todas as perspectivas existentes.
Naquela manhã, enfrentava uma dor de cabeça séria, estava a ponto de esvair-me a própria consciência, quando virei para o lado esquerdo e encarei a janela. Meu quarto, sempre escuro, estava sendo invadido pela luz que entrava na fresta da janela, uma mínima fresta. Olhei as paredes e percebi que aquilo era o suficiente para clarear todo o ambiente, um quarto já não tão escuro. Meus olhos protestaram contra a claridade, estiquei o braço e empurrei a janela para que se fechasse, desta vez totalmente.
Um simples gesto pode escurecer um quarto, uma vida. Às vezes somos aquele empecilho que impede o clarão no caminho… Você, no seu quarto, sendo ele escuro ou meramente claro, qual sua conduta? Você fecha a janela ou a escancara? Talvez a deixe apenas entreaberta e fique no meio termo. O mundo é cheio de termos ao meio que não escolhem qual lado tomar, deixando-se inconscientemente levar pelas circunstâncias, assim, de dia tem luz e de noite reina escuridão e você continua lá, apenas sendo um fantoche, um espectador atroz, assistindo suas emoções, sua vida, suas percepções irem seguindo o rumo mais conveniente, jamais escolhendo o que realmente sente.
Fechei meus olhos, estava atordoado, sentindo-me o décimo nível do fracasso. Queria subir em um lugar bem alto e fazer algumas perguntas. Para quem? Não há necessidade de destinatário, alguns questionamentos devem ser jogados ao acaso, colocados para fora do peito, ecoados assim sem jeito para que possam realmente ficar claros. Por vezes, a pergunta tem uma autoresposta e, por vezes, o simples fato de indagar já lhe mostra que ainda há muito a se perguntar. Estava de férias da faculdade, livros amontoados esperando, passivos, a volta da responsabilidade de se andar pelos trilhos. Meu conto não havia se classificado, meu ego nunca esteve mais desinflado e, mesmo assim, lá estava eu naquele quarto, sonhando, planejando o dia que teria alguns leitores pingados, que veria meus livros publicados e meu sonhos, finalmente sonhados! Acabei cochilando.
Meu telefone tocou, já era tarde. Ainda sonolento, respondi instintivamente e acabei atendendo:
— Alô?
— Oi, Bernardo.
— Gabi?
— Sim, sou eu…
— Ah… Está tudo bem?
— Decidi que é a hora de acabarmos com isso.
— Com o que?
Não estava entendendo o rumo que a conversa tomava, mas sabia que ela era o tipo de pessoa que não faz algo sem esperar nada, então aguardei a declaração do objetivo:
— Finais. Temos medo dos finais porque eles encerram um ciclo e aí temos que enfrentar um novo e diferente início, então decidi que iremos acabar com isso rápido, de forma indolor e sem pensar muito no assunto.
— Não entendo onde quer chegar...
— Bernardo, todos devem mesmo chegar a algum lugar?
Uma pausa. Que pergunta era aquela? Ela estava diferente do habitual, não esperava por isso… Então continuou:
— Me encontra no centro às 16:40 em ponto!
Desligou. Olhei no relógio e eram duas e pouco da tarde, pensei em mandar uma mensagem inventando uma desculpa qualquer e cancelar aquilo, mesmo sem saber o que era… Mas voltei a dormir colocando o celular para despertar com tempo suficiente para me arrumar. Pois é! É aquele velho ditado: "o inesperado cativa, torna-se esperado e digno de expectativa".
Cinco horas da tarde e estava no lugar combinado. Atrasado, no entanto sabia que cumprir horários nunca fora o forte da Gabi, então esperei… Cinco e meia ela chegou, continha nas mãos uma chave com a expressão de vencedora, veio correndo balançando-a para mim:
— Vamos?
Arqueei a sobrancelha e fiquei encarando-a enquanto perguntava:
— Para onde?
— Ela apontou para atrás de mim.
Virei-me e encontrei um imenso prédio. Você nota as coisas com casualidade, ou seja, no centro sempre há prédios e lojas, são comuns, no entanto quando sua atenção é voltada de forma específica para uma única coisa, você acaba notando a magnitude delas e isso… Bom, isso vai desde prédios a pessoas.
Gabi pegou meu braço e saiu me arrastando. Ela era claustrofóbica e, por isso, fomos de escada. Inúmeros lances de escada que fizeram-me questionar de forma mais contundente qual era o objetivo que ela continha na mente. Entretanto ela se limitou a apenas uma resposta:
— Vamos acabar com isso, Bernardo, você está com medo e eu também, mas vamos MESMO, acabar com isso!
Ela parou subitamente e observei que estava de frente para uma porta grande, de aço batido. Parecia pesada. Então ela retirou as chaves do bolso e abriu-a, um vento forte chocou-se contra nós. Vi o céu, ele despontava o pôr do sol. Ela foi na frente com os cabelos no rosto, sorrindo, disse-me em um tom alto:
— Terraço!
Olhei aquilo, sabia bem onde estávamos. Senti que meu desejo de hoje havia sido ouvido de algum modo. Era até irônico tudo aquilo, mas a sensação era mesmo única e incrível, ouvi-a murmurar por detrás de minhas costas:
— Soube do conto…
— Eu não tinha expectativas.
Mentira, ela sabia disso, até porque eu a respondi sem me virar, deixando apenas minhas costas para ela encarar, então ela bufou:
— Bernardo, somos escritores… O ato de escrever é uma forma de expectativas em pauta!
— Por que me trouxe aqui? Vai me dizer as palavras animadores que lhe disse outro dia?
Silêncio. Tentei provocá-la:
— Não vai me dizer, Gabi, que sou um ótimo escritor ou que devo tentar de novo?
— Não sou hipócrita!
Então virei-me para encará-la e ela continuou:
— Penso em desistir todos os dias, mas simplesmente não consigo, continuo porque não tenho escolha, na verdade eu até tenho… Mas nunca achei que desistir fosse realmente uma escolha. Desistência é um momento de carência que logo passa, quem fala e sempre fala sobre desistir, essa pessoa, tudo que ela não quer é desistir! O que você quer, Bernardo, é ser ouvido… Então aproveite o momento e GRITE!
Olhei para ela com uma expressão confusa, então ela encheu os pulmões e fez as mãos em concha, logo depois só ouvi o peso de suas palavras:
— EU VOU PUBLICAR UM LIVRO! NUNCA VOU DESISTIR DISSO… NUNCA!
Ela estava em rubor, ofegante, olhos estatelados me fitando com uma expectativa, esperando… Dei uma risada. Olhei a cidade lá embaixo, ninguém seria capaz de nos ouvir, porque o barulho lá é bem maior, bem mais envolvente e também eu sabia que mesmo que houvesse um silêncio audível, ainda assim, as pessoas não iriam me ouvir, porque o interno também contém seus barulhos e, por vezes, eles são ensurdecedores. Não me importava, queria poder gritar algumas perguntas, não seriam afirmações positivas como as de minha amiga, mas ainda assim seriam alguma coisa. Fiz as mãos em concha, inflei os pulmões, cheguei na beirada e gritei, ou melhor, indaguei:
— POR QUE EU TENHO QUE ESCREVER? ME DEIXA PARAR! POR QUE SEMPRE CONTINUAMOS COM AQUILO QUE MACHUCA? ALGUÉM ESTÁ ME OUVINDO? FAÇAM UM SINAL SE SIM… QUANTOS DE VOCÊS JÁ DESISTIRAM? QUANTOS DE VOCÊS DESISTIRAM E CONTINUAM VIVOS, ALTIVOS, FELIZES?
¾ SONHAR NESSE MUNDO NÃO DEVIA SER TÃO DIFÍCIL! ALGUÉM LEU MEU CONTO DO FIM AO INÍCIO? SE ALGUÉM LEU, POR FAVOR, ME CONTE! EU PRECISO TANTO DISSO, PRECISO SER OUVIDO…
Gabi estava parada, com os olhos inundados e o nariz avermelhado, estava ali me observando admitir meus sonhos, encarar meus medos e suplicar coragem para enfrentá-los. Ela pegou a minha mão, apertou bem forte. Víamos o céu em tons diferentes, como uma paleta manchada de cores que iam além de suas beiradas, seus limites, roxo invadindo o azul e o amarelo transformando o vermelho em laranja… Comecei a chorar e então ela chegou mais perto e fez a mão que estava livre em concha, dizendo:
— Olha, Bernardo, as pessoas andando lá em baixo, elas não te ouviram e se quiser ser ouvido terá que gritar mais alto, terá que reunir suas forças e gritar mais alto que o barulho dos carros, mas você também pode ir embora… Calar sua voz e deixar para outra hora. No entanto, quero que saiba que o grito em si é inevitável, você pode começar a gritar agora e ser ouvido pelo amanhecer ou pode desistir e ir para casa, prolongar tudo isso e voltar aqui só para reiniciar o seu próprio grito! Nós somos escritores, somos sonhadores e, ao mesmo tempo, vivemos dentro das regras do mundo. “Ninguém vive só de escrita”, eles disseram, mas quem não alimenta seus sonhos morre mais rápido, murcha como uma flor, acaba com o corpo e com o estado. Só que isso eles nunca nos contaram, ninguém nunca fala sobre o preço de deixar seus sonhos de lado! Vamos acabar com isso hoje, porque eu aposto todas as minhas fichas em você… Talvez eu não os alcance ainda, mas quero que saiba que tenho fé de que você irá alcançá-los mais rápido do que pensa!
Ela virou as costas e foi embora, deixou a chave na porta e disse-me para trancar tudo quando resolvesse partir… Sentei no chão e encarei o céu, acho que vou ficar mais um tempo por aqui, com o mundo, com tudo e com todos.
Bernardo Duarte.
Sobre a Autora:
Uma autora independente que gosta de escrever tanto quanto de respirar, participou de varias antologias e foi uma das dez finalistas no concurso "cuenta me un cuento" de 2020. Também participou da antologia anjos caidos da dar books, onde o livro esta na amazon com o conto intitulado: "o testemunho de Delphin". Foi selecionada para o a antologia Teleportados com o conto: " Por de trás da pálpebras", no entanto não participou na formação do livro. Uma escritora inovadora, aspirante a poeta e muito concentrada em sempre dar o seu melhor, buscando uma oportunidade de provar o valor de suas palavras.
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