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Foto do escritorGabrielly Hannaly

TRINTA E UM DIAS - Parte 2 (Alice) - 1º dia

Atualizado: 2 de mar. de 2021



Capitulo Parte II ALICE

Primeiro dia

Já imaginou como é incrível a forma líquida da chuva? Para aquelas gotas minúsculas não há barreiras, elas caem e têm vida curta, mas quando finalmente acertam o chão ou qualquer outra coisa, dela começam a fazer parte, infiltrando-se dentro do objeto desconhecido, do chão seco, da árvore ou qualquer outro impactante obstáculo que as faça parar! Deve ser realmente incrível quando sua existência acaba para poder fazer parte de uma outra existência, isto é, a gota que acerta o chão, nele se infiltra, faz parte agora do asfalto, da terra e até mesmo pode servir para a planta sedenta ou a formiga pequena, essa razão para existência da gota de água me surpreende!

Quisera poder ser tão importante ao ponto de ser inerente ao funcionamento de um ecossistema, mas eu confesso que apenas contribuo fidedignamente para o meu próprio, caótico, ilógico ecossistema emocional!

Não estou resmungando e nem deliberadamente reclamando, é que mesmo sendo assim, um pouco complicada, sinto-me incrível e entusiasta! Por que? Bom, essa minha singularidade cogente, é o que me torna diferente de muita gente e o meu caos nada ensaiado também contribui para a festa que são os meus pensamentos criteriosamente pensados!

Você não se sente incrível? Por ser apenas quem você é? Caramba! Todos nós, seres humanos, somos incríveis, espécies únicas e em extinção. Por quê? Caso um alguém aleatório deixe o mundo, perderemos uma alma única, notável e cheia de coisas que não mais se encontrarão em nenhum lugar, por isso tudo é incrível, mesmo que seja intenso demais, e ao mesmo tempo doido, é incrível, pois nós somos universos que ainda não foram completamente explorados. Pode-se presumir, pela minha personalidade, que sou alguém que ama referências que combinem com a natureza e seu estado. Eu sei bem que tudo que é vivo merece ser amado, merece ser notavelmente notado!

— Alice!

Chamou-me Ambrósia, minha querida e amada Ambrósia, única mãe que eu conhecera, pois a minha jamais demonstrou para mim o que uma mãe realmente faz, mas a Ambrosia, minha querida rosa, única em meu jardim, o fizera com muita dedicação e graças a ela hoje estou farta de tanto carinho e tanta emoção!

Confesso que meu nome, vocacionado por ela, retirou-me de minhas reflexões profundas, estava deitada na grama verdinha, observando o cair da chuva, então ela mais uma vez me chamou:

— Alice! Saia já da chuva menina… Onde já se viu deitar no chão em plena tempestade!

Ambrosia era de Porto Rico e isso a fazia ter um jeito maravilhosamente diferente daqueles tons apáticos que rondam a voz de muita gente! Ela era modesta e tinha me ensinado muito a respeito da vida… Nunca me senti desamparada tendo-a ao meu lado e eu acho que isso explica muita coisa. Uma família não deve ser um aglomerado estático de pessoas divididas e catalogadas, como se atuassem e por papéis fossem representadas, uma família pode ser uma única pessoa que te faça sentir em casa!

Ela me encarava com aquele rosto repleto de preocupação e eu sentia as gotas de água batendo rudemente contra minha face, encarei o céu, azul nublado e com toques de um roxo violeta, como uma paleta de cores confusa, respingada, na qual as cores não eram limitadas, apenas estavam ali, livres para ir além dos seus próprios limites. Suspirei fundo e me levantei:

— Venha, Ambrósia, querida, vamos saborear o gosto de um dia chuvoso…

Peguei as mãos dela e a puxei para o meu espetáculo. Ela protestou enquanto se deixou levar. Sentia a grama entre meus dedos ficando pontiaguda e grudenta, sentia as mãos de Ambrósia apertando as minhas suavemente enquanto rodopiávamos; sentia as gotas de chuva ensopando desde as roupas aos fios do meu cabelo. Suspirei fundo, sentindo aquele arzinho carregado de umidade, trazendo no vento e nas gotas desde o cheiro ao gosto de diversos lugares espalhados pelo mundo e pelas cidades.

Momentos são como chuvas de verão ou tempestades sem a menor previsão, você os encontra pelo caminho e escolhe se aproveita ou apenas assiste, no meu caso… Não tenho medo de me molhar e nem de pisar descalço no gramado, costumo seguir os instintos e aprecio tudo quanto possa ser apreciado, porque existir não basta! A vida é uma ação constante e fazer ela valer a pena é o nosso destino e então arrasto quem amo pelo caminho e vamos dançando, vivendo, amando e quem sabe até morrendo com a certeza de que aproveitamos todos os eventos.

“Prazer, Alice! Entra no meu mundo, senta aqui bem junto e vamos assistir os impasses da vida. Interprete, ajude-me a encontrar uma saída, vamos decidir viver mais a própria vida. Ao invés de ficarmos reféns da dúvida inevitável, escolha se molhar e aproveitar ao máximo”.

Lembrete – Segundo dia

Quando eu era pequena tinha a incessante vontade de inventar coisas sobre a minha vida, contar as famosas mentiras e rezar para que elas se tornassem verdade. Não era certo e eu sabia disso, mas cada vez que contava uma história e que via os olhos dos meus colegas brilhando para saberem o final… Sentia como se aquelas mentiras, por mais vazias que fossem, pudessem me preencher um pouco. Minhas histórias variaram desde a profissão de meus pais e o porquê de suas ausências constantes até os amigos que fingia ter. Parte de mim só desejava ser querida, desejava vínculos e laços maiores. Sempre queremos mais do que temos e, por vezes, temos muito mais do que merecemos e nem ao menos conseguimos perceber isso, valorizar a grandiosidade de um momento, ainda que curto, ainda que pequeno. Ainda que seja por pouco tempo, esquecemo-nos de que são as coisas únicas e não as grandes que realmente fazem a diferença.

O que não te contam sobre histórias é que as pessoas enjoam delas. O que se sabe sobre a mentira é que ela é um buraco negro de verdades que não foram vividas e que, se contadas, sempre vão sumir no meio do nada, exigindo que você se esforce para preencher as lacunas, para remendar os pedaços da história inacabada. O que nunca te contam é que pessoas desejam o fim tanto quanto almejam a história e que quanto mais remendam-se os argumentos, forçam-se os personagens, alongam-se as mentiras, mais o fim se distancia e as pessoas também.

Se o que eu mais desejava era livrar-me da solidão por meio das palavras, acabei colhendo o inverso, acabei colocando os "amigos" de minhas histórias em um patamar tão importante que fui esquecendo-me daqueles amigos de presença, aqueles reais, os ouvidos caridosamente emprestados para receberem minhas mentiras sem o menor cuidado. É aquele negócio sobre se perder, sabe, quando você se esquece que o inventado não passa de algo meramente imaginário.

De todos aqueles amigos, de todos aqueles ouvidos sobrou-me apenas um, minha querida e reluzente amiga Wendy. Parece que minhas histórias engoliram meus amigos de verdade, mas tudo bem, era o preço que eu deveria pagar por tentar conquistar pessoas com palavras falsas, porque na ausência da sinceridade nada se sustenta.

Um dia, no ensino fundamental, havia duas amigas que estavam constantemente ao meu lado, antes de Wendy, é claro. Elas se chamavam Bella e Dani. Em particular eu adorava a companhia da Dani, ela sempre foi entusiasmada e calorosa, adorava trocar confidências e imaginar como seria nossa vida no ensino médio. Bella já era indiferente e, por vezes, sentia ciúmes da gente. Ela sempre tinha um olhar crítico e pertinente, como se estivesse julgando todo o tempo. Sentia bem no fundo que ela não gostava de mim, que apenas permanecia ali por causa da Dani. Não sei se vocês já tiveram isso, um elo amigo, aquela pessoa que une o grupo todo, que é como o sol em pleno agosto, uma pessoa pela qual se vale a pena estar em coletividade. Acho que a Dani era o nosso elo, era ela que mantinha aquele trio inseparável.

Sempre fui aquela menina dedicada e de extrema obediência às regras impostas, sempre achei fácil andar dentro dos limites, quando atribuídos, em vez de ultrapassá-los, então era a garota "nerd" da sala de aula. Sempre quieta, só conversava após terminar todos os afazeres que a professora passava. No entanto, Bella e Dani eram mais apegadas ao descaso, sempre conversando e negligenciando, um comportamento normal para aquela idade. Confesso que percebia que essa característica em comum entre as duas as unia mais e que enquanto eu estava amordaçada pelas regras e pela imagem que passava, elas eram um pouco mais livres, um pouco mais leves.

Claro, quando as provas chegavam, quando os trabalhos apertavam, eu era a primeira a ajudar. Porém, o que me incomodava não era o fato de ser a "nerd" da sala de aula, de sempre estar estritamente dentro das regras, parte de mim questionava o motivo daquilo tudo… Por que tanta anulação?

"Será que eu fazia aquilo por mim ou pelo que queria que achassem de mim?".

Mais tarde eu acabei formulando uma resposta para essa pergunta, entendi que se anular pelas opiniões alheias é o mesmo que usar arreios em sua própria vida, então faça, seja, obedeça só se for por você, pelo que você acredita e não pelo que deseja que os outros acreditem e vejam. No fim das contas, sua vida é apenas sua e suas escolhas fazem sua própria vida, então é importante levar em consideração apenas sua própria opinião se busca realmente a felicidade!

Mesmo as coisas sendo assim entre nós três, confesso que éramos muito amigas e que por um momento cheguei a imaginar que nada abalaria aquela amizade. Quase acreditei que certos laços, eternizados em um momento, podem valer para uma vida inteira. Entretanto chegamos naquela fase na qual as meninas começam a perceber os meninos e os meninos, bom, eles demoram um pouco para chegar neste período.

Sempre fui uma menina muito regrada, pois a ausência dos meus pais não mitigava o peso de suas perspectivas para com a filha, então o que reinou na minha vida foi um estrito conservadorismo. Enquanto Bella e Dani tinham histórias aos montes sobre meninos e aventuras de um quase romance, eu não tinha nada, nem ao menos podia dizer que tinha amigos… Os meninos da sala de aula nunca nem sequer repararam na minha presença, exceto para pedir cola em dias de prova.

Ouvia as histórias delas e ficava imaginando como tudo aquilo poderia ser, como seria viajar para a casa da avó e encontrar um garoto que mora ao lado, brincar de esconde-esconde e quase ter um episódio de beijo roubado, ou como seria conversar com os amigos mais velhos da minha irmã e descobrir que eles estavam jogando verdade e desafio na sala, saber que quase vi de perto alguém ser beijada... mas eu não sabia… O máximo que cheguei foi ser um ouvido atento para aquelas histórias.

Com o tempo senti as duas afastando-se, cochichando pelos corredores sobre besteiras e amores e parte de mim sentiu que também tinha o direito de uma aventura e aí eu fiz o que fazia de melhor: se não podia ter meu momento real eu o criaria, criaria o momento ideal e foi aí que surgiram Lucas, Rafael e Rodrigo.

Na minha história eles eram três amigos que eu conheci no condomínio da minha avó. Embora tivesse ido lá em um máximo de duas vezes, tinha detalhes suficientes para colocar no meu enredo. Criei as personalidades e, é claro, coloquei detalhes em cada uma delas… Lucas era um pouco sério e intenso, morava no apartamento da cobertura e era muito fofo quando queria, ele tinha um sorriso incrível e um jeito especial de me tratar, sempre dizendo o quanto me achava linda e inteligente. Rodrigo era um ano mais velho que a gente, tinha uma irmã pequena e adorava cuidar dela. Eu o conheci no parquinho do condomínio, sua irmãzinha estava chorando porque havia se perdido e eu comecei a brincar com ela até que alguém chegasse e, bom, ele chegou. Possuía ombros largos e era meio sem vergonha, sempre falando demais e me apelidou de "girafinha" por conta da minha altura e das minhas pantufas de girafas que usava no dia em que nos conhecemos. E, por último, havia o Rafael, ou Rafa. Ele era meu melhor amigo e confidente, alguém que tinha um olhar sério e acolhedor, sempre disposto a ouvir meus dramas, passar horas em ligações e contar enredos de filmes, posso dizer que de todos… O Rafa era meu preferido porque ele tinha tudo que eu desejava, era um amigo e um amor escondido, exatamente como os maiores clichês dos livros. Na época, eu lia muito, então admito que parte desses personagens e dessa descrição detalhada de personalidade foram heranças de minhas leituras contínuas.

Bella e Dani, no começo, ficaram muito entusiasmadas com minha história e constantemente me perguntavam sobre eles, sobre os meninos, e quando eu iria encontrá-los de novo. Comecei a me sentir culpada pelas mentiras, mas vendo-as tão voltadas para mim e interessadas no que eu tinha a dizer, sem cochichos e sem segredos… Deixei-me iludir por aquela atenção e aquele zelo, porque eu me sentia parte de algo, finalmente estava caminhando ao lado e não sendo deixada para trás.

Acontece que a Dani começou a se sentir mal porque o garoto que ela gostava estava namorando outra menina e eu pensei que podia aliviar um pouco a tristeza dela. Pensei que se incluísse ela em minhas mentiras poderia levantar sua estima e então acabei dizendo que o Rodrigo estava afim dela e que ele tinha achado ela linda e incrível. O efeito foi instantâneo e ela fico muito feliz, perguntando-me de cinco em cinco minutos como o tal Rodrigo era, mas Bella ficou intrigada porque eu nunca mostrava foto, não passava o telefone, redes sociais nem nada e eu achei que poderia melhorar se dissesse que o Lucas gostava dela, porque ele tinha visto umas fotos no meu celular e tinha se interessado. Ela se alvoroçou por um tempo, mas só por um mísero tempo mesmo… Logo as duas começaram a me pedir o contato dos meninos, queriam ir na casa da minha avó e eu comecei a sentir o gosto amargo das verdades falsas, comecei a sentir o buraco negro da mentira.

Depois de um tempo toda aquela história foi ficando patética para a Bella e ela tinha certeza que não eram reais. Dani ainda acreditou por um tempo, mas o nome dos meninos não despertava mais toda aquela comoção, então nossa amizade foi esfriando. Recusei-me a inventar novos personagens e embarcar em mais mentiras, porque era fácil envolver as pessoas e fazerem-nas ficar pela ilusão, o difícil mesmo era encontrar alguém para enfrentar a realidade com você.

Sexta-feira, após o último dia de aula antes das férias, cheguei em casa triste e apática, fui chorar em meu quarto. Ambrósia apareceu com a face rente a fresta da porta e perguntou:

— Menina Alice, está tudo bem?

Continuei chorando e então ela empurrou a porta devagarinho e foi entrando, sentou na cama e fez um gesto para que deitasse em seu colo, perguntando novamente:

— O que aconteceu?

— Eu as perdi, perdi minhas únicas amigas…

Ela afagou meu cabelo e esperou que lhe contasse toda a história, desde as mentiras até as verdades que por muito tempo haviam sido omitidas, depois ela suspirou fundo enquanto acariciava meus cabelos dizendo:

— Alice, querida! Não se pode escolher viver sob as perspectivas dos outros e também não se pode mentir para atender a essas expectativas… Sei que sente a necessidade de ser aceita, mas precisa ter paciência porque o tempo é diferente para cada pessoa, ele corre que nem lebre para alguns e para outros que nem uma lenta e forte tartaruga…

Em meio aos soluços, disse:

— Ma- mas eu queria que elas fossem minhas amigas, menti porque as queria ao meu lado.

— Alice, aqueles que não permanecem dentro de suas verdades, não merecem que se sujeite a mentiras…

— Só que elas iriam me achar uma perdedora, uma nerd sem relações sociais!

— Alice…

Uma pausa se seguiu e ela continuou:

— Lembra-se de quando nos conhecemos, como todos estavam de preto e apenas eu usava um lindo vermelho?

Assenti com a cabeça deixando as lágrimas escorrerem:

— Muitas daquelas pessoas, muitas delas usavam preto porque achavam que era o que deveriam usar, porque todos estavam de preto elas se sentiram impelidas a vestir o mesmo… Algumas pessoas me olhavam torto por meu vermelho extravagante, no entanto, acho que poucas delas sabiam que aquela era a cor preferida de meu marido e que ele preferia mil vezes um ar colorido ao monocromático. Sua vontade sempre foi ver-me no tom vermelho da época em que nos conhecemos, quando éramos jovens… Se eu tivesse cedido às inúmeras críticas e olhares que me condenavam por usar vermelho e por sair da tradição do preto, agora talvez estivesse inundada de uma profunda culpa, porque ser quem você não é para agradar os outros é uma das piores formas de se autodesagradar…

E hoje, com meus vinte e um anos de idade, ainda lembro nitidamente dessa conversa e o peso que ela teve sobre mim. Simplesmente aprendi pela culpa que a mentira é mais destrutiva porque, ao mentir, carregamos a responsabilidade de perder a própria identidade, nas palavras que formam falsas verdades perdemos quem somos e isso é como dar toda a sua comida para um alguém e morrer de fome, não faz bem para a vida, nem para a pessoa que recebeu a comida, pois ela vai sofrer pelo excesso enquanto você míngua na falta.

Olhando um grupo de três meninas voltando da escola recordei em turbilhão todos estes eventos. Senti um gosto amargo na boca e um aperto no peito. Bella e Dani, onde vocês estariam agora? Após aquele dia pensei que me desculparia no fim das férias, mas acabei mudando de colégio, conheci a Wendy e hoje, olhando o grupo de três garotas lembro-me de tudo aquilo que se passou, pequenas cicatrizes que ajudaram a formar quem eu sou.

Desculpem-me, meninas! E muito obrigada, também...

 

Sobre a Autora:

Uma autora independente que gosta de escrever tanto quanto de respirar, participou de varias antologias e foi uma das dez finalistas no concurso "cuenta me un cuento" de 2020. Também participou da antologia anjos caidos da dar books, onde o livro esta na amazon com o conto intitulado: "o testemunho de Delphin". Foi selecionada para o a antologia Teleportados com o conto: " Por de trás da pálpebras", no entanto não participou na formação do livro. Uma escritora inovadora, aspirante a poeta e muito concentrada em sempre dar o seu melhor, buscando uma oportunidade de provar o valor de suas palavras.


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