TRINTA E UM DIAS - Parte 2 (Alice) - 4º dia
- Gabrielly Hannaly
- 20 de mar. de 2021
- 4 min de leitura

Capitulo Parte II ALICE
Quarto dia - Mudanças
Borrões… Encarava o quadro da aula de administração empresarial daquela tarde e tudo que via eram apenas borrões. Senti que precisava me aproximar mais, sentar na primeira carteira da fileira ao invés da segunda, que era onde estava.
As pessoas não aceitam certas verdades, mesmo que elas estejam bem ali na frente, como borrões contundentes e vorazes, mesmo que essa verdade esteja em letreiro de mil cores e estampada em cartazes, algumas pessoas, às vezes, apenas vêem as verdades que querem e ignoram as que precisam realmente ser vistas. Mudei de assento, encarei os borrões, forcei meus olhos e não aceitei aquela situação. Via algumas letras distorcidas e depois já estava conseguindo apreender as palavras escritas.
"No entanto, a questão fundamental é se o que eu lia naquele momento era o que realmente estava escrito, porque ninguém vive de adivinhações, elas são apenas enganações com nomes diferentes".
Eu sou assim, completamente otimista e buscando ver sempre o lado bom da vida, entretanto há uma diferença fundamental entre ser otimista e ignorar o mal, mesmo que ele esteja a plena vista. Positividade nunca será desculpa para o descaso e para a mentira, pois no fim, mesmo que esteja com passos largos na felicidade, a realidade te pega para conversar e aí, meu caro, aí você entende que se talvez… Se talvez naquela época em que os borrões apareceram, se você tivesse conferido um pouco mais de atenção ao invés de ignorar, cobrir com uma desculpa, passar um tinta branca na parede que estava suja invés de limpá-la, talvez teria evitado as consequências. Talvez.
— Muito bem, Alice, agora diga-me quais letras vê. De cima para baixo, ok?
Essa era a voz do oftalmologista, doutor Ricardo. Semana passada, acordei em plena manhã e não consegui distinguir a porta do banheiro e a parede. Depois já não conseguia pegar a xícara do café, meus borrões quiseram mais atenção, foram tomando conta de toda a minha visão, deturpando minha realidade, mostrando que para se levar uma boa vida não se deve ignorar os sinais por pura vaidade.
Agora estava lá, sentada frente aquele aparelho imenso, buscando ser ajudada por ele para conseguir enxergar pequenas letrinhas, que alguns meses atrás eu veria mesmo a quilômetros de distância, agora estava ali balbuciando letras aleatórias, torcendo para que alguma delas fossem as que estavam refletidas na parede, no escuro do consultório do Doutor Ricardo, oftalmologista.
— Hum… A? Não… espera é R, com certeza é R!
Então ele mexeu no aparelho e pediu que escolhesse entre duas palavrinhas:
— Vou mudar aqui, Alice, você me diz apenas se melhora ou piora… Ok?
— Sim, doutor!
— Prontinho, Alice… Melhorou?
— Piorou.
— E agora?
— Piorou.
— Me diga: qual está com um tom de pior maior (risos). Assim ou agora?
Ele fez a pergunta mudando as lentes do aparelho de uma para outra e seu riso caloroso apenas deixou-me mais apreensiva. Em uma escala de pior, como deveria estar minha vista?
Aquela pergunta era o prelúdio da derrota, porque para aqueles que não cabem mais a escolha de melhor, deve-se contentar apenas com o que se está menos pior?
A humanidade não deveria ser conduzida à aceitação passiva. Se o menos pior for a única coisa que você tem, isso indica que está na hora de mudar os padrões de vida, enxergar por outra perspectiva e mesmo que soe de forma irônica, ver além da aparência e do adjetivo, porque se uma coisa é verdade neste mundo é que as pessoas são big bangs ambulantes, universos próprios e constantes que, mesmo destruídos, na segunda-feira se reconstroem e seguem normalmente na terça. Somos projetados para transcender limites, somos desconstruídos todos os dias por acontecimentos imprevistos e, mesmo assim, nos adaptamos a eles. A vontade é a mais pura forma de metamorfose de uma realidade!
Eu escolhi o meu menos pior e ele me rendeu um óculos "fundo de garrafa", mas pelo menos agora eu enxergava e isso já bastava para aquele momento. Saí do consultório do doutor Ricardo com uma lista de exames e indicação para outro profissional avaliar meu caso.
Coloquei o pé para fora daquela porta com recepção gelada, encarei o sol que despontava e olhei para o céu claro, borrado. Decidi que aquele dia admiraria os detalhes de tudo e de todos, mesmo que fossem invisíveis ou toscos, porque eu poderia colocar os óculos e ver tudo com a mais plena clareza, mas a apreciação de um olho com defeito de fabricação tornava tudo mais intenso, porque você começa a perceber cada detalhe do mundo quando acha que o pode perder.
"O meu menos pior, o seu menos pior e todos os adjetivos do mundo que possam caracterizar uma situação ruim… Não passam de palavras, não passam de estado e momento e nós sabemos que todo momento tem um fim, mas escolher viver o presente ou lamentar o percurso só depende de mim".

Sobre a Autora:
Uma autora independente que gosta de escrever tanto quanto de respirar, participou de varias antologias e foi uma das dez finalistas no concurso "cuenta me un cuento" de 2020. Também participou da antologia anjos caidos da dar books, onde o livro esta na amazon com o conto intitulado: "o testemunho de Delphin". Foi selecionada para o a antologia Teleportados com o conto: " Por de trás da pálpebras", no entanto não participou na formação do livro. Uma escritora inovadora, aspirante a poeta e muito concentrada em sempre dar o seu melhor, buscando uma oportunidade de provar o valor de suas palavras.
Revisão: Tatiana Iegoroff
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