
Anna Karenina, é um romance protagonizado por uma personagem que passa sua vida procurando pela felicidade. Pela pertinência da questão suscitada por essa narrativa, esta análise, com base teórica constituída pelos estudos feministas e de gênero, buscou analisar os conflitos enfrentados pela personagem na relação de sua vida com a sociedade em que está inserida, onde a mulher, ainda nos dias atuais, é vista como um ser que representa um papel social. Em Anna Karenina de Tolstói, Anna corre em busca da felicidade, foge com o amante, mas, pela culpa de abandonar a família, não consegue viver em paz, nos revelando a busca feminina pelo equilíbrio e evidenciando o universo simbólico das mulheres que, constantemente é perturbado pelo apelo social machista.
Anna Kariênina, conforme a edição mais recente em língua portuguesa (publicada no Brasil pela editora Cosac & Naify, em 2010), é um romance do escritor russo Liev Tolstói. A história começou a ser publicada por meio da revista Ruskii Véstnik (O mensageiro russo), entre janeiro de 1875 e abril de 1877, mas seu final não chegou a ser publicado nela por motivos de desacordo entre Tolstói e o seu editor, Mikhaíl Katkov, sobre o final do romance. Portanto, a primeira edição completa do texto apareceu em forma de livro ainda em 1877. O contexto da época era de agitação social, estando em voga na sociedade temas como problemas do casamento, direitos da mulher, administração agrícola, regime da propriedade da terra, sendo todos estes temas que permeiam o romance.
Na busca em compreender, como diante de tantas comprovações da necessidade de consideração da questão de gênero, como um elemento fundamental para a compreensão das condições femininas, onde muitos na academia e na militância social ainda colocam esse elemento em segundo, inquietou-me de tal forma que busquei respostas nos encontros e desencontros entre o feminismo e a literatura. A perspectiva de gênero construiu uma esfera de caráter histórico que gera implicações para homens e mulheres. A construção da esfera privada, cabível às mulheres, e a pública, cabível aos homens, carrega consigo inúmeras consequências que, a longo prazo, desencadearam e institucionalizaram práticas inevitáveis, nas quais a desigualdade de gênero é característica marcante. No contexto do século XIX, a imprensa fazia parte de instituições que configuravam e regulavam a vida social das pessoas, estimulando um novo espaço público para a sociedade. Os homens acompanhavam este espaço público, enquanto as mulheres ficavam com o espaço privado. O século XIX fatalmente derramaria o espaço doméstico sobre as mulheres, contribuindo para que fosse construída uma família civilizada, tornando o lar uma metáfora da pátria. A esposa não tinha opiniões, a família era o povo, e o homem era o governante da casa, e ele por sua vez era quem elaborava as regras para seu povo, ou seja, família, em específico sua mulher, e a ela era dado o direito de obedecer, ela poderia reinar no lar, mas sob as regras de seus maridos, pois uma boa esposa representa a honra de seu esposo. Fora concedido o direito de ser submissa, trabalhadora do lar e calada. Mesmo estando em casa com a família reunida, era proibida de trazer notícias sobre política, que eram os principais temas da imprensa local, pois para uma mulher, de bom tom, era proibido demonstrar inteligência e opinar, este assunto era reservado aos homens. Em um país com analfabetismo, as mulheres não podiam, nem deviam, priorizar a instrução devendo continuar voltadas aos afazeres do lar.
Lançado em 1877, Anna Karenina foi um dos maiores romances realistas russos da história, tornando-se uma das maiores conquistas literárias de Leon Tolstói. A obra é de conteúdo grandioso, possuindo misturas de religião, política e classes sociais. Uma ficção que se torna realidade a cada página lida, e os personagens ganham vida. Antes de se tornar livro, Anna Karenina era um fascículo. Nesta história conhecemos vários personagens com rumos diferentes, que se entrelaçam, conduzindo o leitor por ambiente de imagens vividas no contexto da Rússia Czarista. A necessidade em discutir as questões sociais em torno da figura feminina, as quais buscarei explanar, porém já antes mencionadas neste texto, ressaltam alguns pontos que merecem reflexão. Primeiramente, é notável a relevância da literatura para a observação de nossas atitudes enquanto seres que convivem em sociedade. A partir da literatura é possível considerar e relacionar eventos que ocorreram num passado específico, suas influências e causas, e trazer estes fatos para os dias atuais com o intuito de demonstrar que certos eventos influenciaram ou não na atualidade. Ao analisar a figura feminina no século XIX, foi possível certificar que a representação de gênero em Anna Karenina retrata a submissão do feminino e a sua adaptação aos padrões patriarcais. Quanto ao casamento, a obra retrata a “prisão” vivenciada por Anna, os valores e atitudes que se esperava de uma mulher casada, revelando como a fuga destes padrões sociais provocava a exclusão das mulheres diante do que era dito como “certo” nas sociedades da época. O divórcio, mesmo sendo um mecanismo permitido na sociedade Russa, tornava a mulher divorciada muito mal vista, e como consequência disso, discriminada. Anna “despertou” e escolheu ir em busca da felicidade, e os seus atos não foram compreendidos pela sociedade patriarcal composta por mulheres “não despertas”. A morte de Anna ocorreu em decorrência de uma série de eventos em que sua conduta moral foi em confronto com os valores morais de uma mulher da nobreza, casada e mãe. Anna sacrificou tudo o que tinha para viver com Vronsky, sua paixão, entretanto sua alma já se encontrava tão debilitada que o próprio amante a abandonou, já que em uma sociedade burguesa com padrões patriarcais, uma mulher separada, que deixa de exercer seu papel de mãe, e de adorno social do marido tende a ser observada com desdém, de forma que para esta sociedade a mulher adúltera/separada/divorciada já encontra-se morta, justificando assim o que acontecera com Anna, que sem ter o único pilar que a mantinha em pé, atirou-se aos trilhos do trem. Diante de tal análise, e como vem se mostrando as condições femininas atuais de todo o mundo, nem na Rússia, nem em lugar algum, a questão feminina já foi resolvida e, como mostra a obra literária analisada neste texto, desconsiderar isso torna-se um risco para as mulheres.
Referências Bibliográficas
BENOIT, Lelita Oliveira. Feminismo, gênero e revolução. Crítica Marxista, São Paulo,
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BRANDÃO, Ruth Silviano. O discurso da Morte encenada. In: ___ Mulher ao pé da Letra: a personagem feminina na Literatura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 153-200
COSTA, Luana Signorelli da. O problema da arte e do realismo em Anna Kariênina, de
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TOLSTOI, Leon. Anna Karênina. Belo Horizonte: Itatiaia, 2007.
ZANIN, Marina. Conflitos socioculturais de Madame Bovary e Anna Karenina: o social na literatura do século XIX. Monografia. Curso de Letras, Português – Inglês da Universidade de Passo Fundo – RS, 2018.

Sobre a Autora:
Aline Amorim é Recifense, aquariana, mãe e feminista. Graduada em Gastronomia, Pós-graduanda em História Social e Contemporânea, Pesquisadora da temática Relações de Gênero e o Mundo do Trabalho; Alimentação e Feminismo. Amante das Letras, é colunista da Literatura Errante trazendo a temática Mulheres e Literatura sob uma perspectiva Feminista.
Parabéns pelo trabalho.
Gostei muito de ler este texto!
Um ótimo texto. Parabéns Aline.
Excelente 🥰
Muito bom!