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O mesmo de sempre: um manifesto em três atos

i

o céu claro está escuro

não se enxerga sem luz

e a luz não ilumina

cores frias. a alma reclama

essa é a hora que se chora

e ninguém vê

eu tinha uma tristeza

até o dia em que ela me teve

enquanto era eu a rainha,

vivia em paz

(disfarçada)

o manto da angústia

me pesava

serviçal,

senti o chicote me rasgando

(o coração)

veja bem

acostumada com a dor,

não me incomodei

viajava dentro do crepúsculo

a alma, de costume, pranteava

(o que não aconteceu

nem acontecerá

livros que eu li

tantos mundos, tantos)

quando a tristeza,

a máscara caída,

enfiou a mão na minha goela

apertou minha faringe

e disse

(tua língua preta,

teu bafo de cadáver):

teu manto sou eu!

do alto do teu poder,

te governo!

desde então estamos em guerra

na terra devastada

que é a minha alma.

 

ii

meu manto pesa uma tonelada

minha espada está enferrujada

perdi minhas unhas na batalha

em algum canto das minhas entranhas,

reino sozinha uma ilha

sem exército

e sem saída pro mar

tua mão sem corpo na minha garganta

tua máscara pegajosa na minha fuça

me asfixio

(por deus, são esses meus próprios dedos

e é essa minha própria farsa)

com mais cicatrizes

que meu corpo pode suportar,

caí

chorei

gritei

essa batalha

(e tantas outras, tantas)

eu perdi

perdida, me rastejei

(a luz acesa sem iluminar,

o céu quase claro quase escuro,

cega)

me levantei, enfim

(e caí novamente.

caí inúmeras vezes.

me levantei todas elas)

(levantar é tão dolorido

quanto cair)

batalhas perdidas

talvez a guerra

talvez eu

esperança:

teu amigo,

meu inimigo,

me abraça

eu continuo.

 

iii

e mantenho minha luz acesa

(lâmpada fluorescente tubular)

(acesa vinte quatro horas por dia,

sete dias por semana)

feito um hospital

minha alma na maca

(o soro pinga

o aparelho apita)

no jardim que vislumbro pela janela

e visita nas manhãs de pouca agonia

eu tento plantar o melhor

(ou qualquer coisa boa)

que há em mim

a terra ainda está seca

todas as sementes morrem

as manchas negras no céu

me dizem que vai chover

espero

que seja doce a água

que meu jardim floresça

cravos, rosas

e plantas carnívoras

a guerra continua

e eu luto

até a terra cobrir meus olhos

e as flores nascerem

da minha boca

 

Sobre a Autora:

Nascida e criada em Sumaré, no interior de São Paulo, Camila Lourenço é autora de “Algodão Cru”, é escritora desde que aprendeu a ler e letrista de graduação.

Nas horas livres, assiste séries hispânicas, devora livros de fantasia e trabalha para uma empresa de tecnologia.

O primeiro original, escrito aos dez anos, está guardado em alguma caixa de papelão. Ela finge que jogou no lixo.

Instagram e Twitter: @camilalourenco_

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