Livro II
A Batalha de Khaza-an Lori
Capítulo II – A Jornada
Faldang animado com a determinação de Rash diminuiu um pouco a sisudez do rosto, teriam muito que falar no caminho para as ruínas do Antigo Templo e fazer crescer uma amizade e relação de confiança entre ele e Rash seria muito importante. Fariam rotas difíceis para diminuir a chance de roubos e ataques. Rotas comerciais terrestres ou marítimas eram muito movimentadas para arriscar ser reconhecido. Mas a identidade dele pouco importava, era com Rash que ele se preocupava.
─ Vamos seguir por caminhos que talvez você não conheça. ─ Era a primeira frase de Faldang desde que saíram do vilarejo.
─ Não vejo problema nisso. Não vou além das plantações. Nunca saí mais de uma tarde de viagem de Althra. Apenas conheço as terras até o Rio Filantes. Dali em diante nada. ─ Rash como todo menino de sua idade era proibido de sair dos limites do vilarejo.
Cidades maiores tinham muros e fortificações militares que davam mais segurança aos moradores. Em lugares como Althra, a defesa era feita através de torres de vigia feitas de madeira e homens que faziam rondas.
─ Não é muito seguro além dos limites de qualquer cidade. ─ Faldang queria tirar do menino a sensação de frustração que era aparente em suas palavras. E continuou:
─ Em todas as eras, as pessoas se unem para ficarem mais seguras. Desde um pequeno acampamento até uma cidade como Khaza-an Kall. Althra não é diferente.
─ Esteve em Khaza-an Kall? ─ Rash interrompeu o bardo com uma empolgação que fez Faldang perder a linha de raciocínio. Mas como era inteligente e rápido em suas reações, aproveitou o gancho e começou a descrever o que sabia da cidade-estado.
─ Sim! Morei muitos anos... Ótimos anos! ─ Faldang apenas aumentava a curiosidade de Rash.
─ Me conte tudo. Só conheço lendas e histórias proibidas que as anciãs contam para assustar as crianças. Nunca tive certeza do que é verdade ou mentira. ─ Rash não escondia a excitação.
─ O que você sabe? ─ Faldang queira ter certeza das distorções que eram divulgadas aos quatro ventos. Essas versões contaminavam as pessoas e eram usadas pelo Culto para continuar a nublar os olhos de todos.
─ Sei que era um lugar onde havia guerreiros, religiosos, reis, muito ouro e comércio farto e forte. Mas as anciãs falam que lá era lugar de feitiçaria e morte. Onde a beleza era disfarce para os Mestres da Guilda. Assim eles poderiam trabalhar com artes negras e criar o Mal Encarnado. ─ Rash tinha alguma razão. Mas Faldang não demoraria em cumprir sua função de bardo e esclarecer tudo. Continuou falando:
─ Há alguma verdade em tudo isso. Distorcida a favor de outros interesses. Mas com o tempo vou te contar tudo e você mesmo poderá criar a sua Verdade. ─ Faldang sabia que era preciso por o menino a par de tudo ou ele não se tornaria o homem necessário para a concretização de seus planos.
─ Vou lhe contar a verdade e treinar suas habilidades com a espada. Mas antes a História do Reino e do Império que se seguiu. ─ Faldang avistou um lugar propício para passar a noite. ─ Vamos dormir ali. E apontou um lugar descampado.
Rash procurou madeira seca para a fogueira e depois de uma pequena procura, juntou um feixe próximo às duas camas que Faldang improvisou com alguns panos velhos que trazia enrolados dentro de sua mochila. Rash ficou muito impressionado com a quantidade de frutíferas encontradas pelo caminho. Mesmo sendo uma rota secundária era praxe plantar árvores frutíferas por qualquer tipo de passagem entre cidades grandes ou pequenas. Desse modo não se carregava muitas provisões além de água. Esse costume foi instituído pelo Credo para evitar que qualquer um morresse de fome em viagens ou caso se perdesse. Era também um meio de celebrar a vida após os anos que o Reino viveu uma grande estiagem que dizimou os rebanhos e plantações.
Após preparar tudo e já bem acomodados, Faldang contou histórias de eras passadas há muito tempo. Antes da Guerra dos Usurpadores e pouco depois da Lua ser quebrada. Eras onde as pessoas viviam em harmonia com a natureza e não existia medo entre moradores de vilarejos como o que Rash nasceu e viveu. E começou lá atrás quando as artes negras não eram conhecidas.
─ Houve um tempo, antes das ruínas de antigas civilizações serem enterradas na areia do deserto, de grandes rotas serem construídas, que os Homens lutavam apenas contra forças da natureza e uns contra os outros. Mas nesses tempos, ventos fortes, chuvas torrenciais, nevascas, frio e calor eram, na verdade, os maiores inimigos, e logo perceberam que juntos poderiam mudar a realidade a favor deles. Tiveram que aprender a deixar de lado qualquer tipo de diferença e se tornarem, ao invés de gravetos, feixes de madeira inquebráveis. Lógico que juntos eram mais fortes frente às intempéries. E passaram a construir, juntos, pequenas vilas que em pouco tempo se tornaram cidades enormes com ferreiros, artistas, religiosos, viajantes e tudo que você sabe que vive em uma cidade. Líderes natos, sem impor nada, foram eleitos chefes desses pequenos vilarejos. Aos poucos esses homens de liderança incontestável foram passando seu valor de pais para filhos e surgiram as primeiras famílias reais.
Faldang não queria entrar em detalhes mínimos. Queria apenas criar o cenário necessário para contar a verdade sobre os pontos que Rash e todos os habitantes eram enganados. Contar a história de todas as eras em uma noite não seria possível. E como ainda teriam muitos dias até o destino, Faldang preferiu contar somente os fatos relacionados ao Credo Diras Mgir e ao Culto a Lutrien Hal. Até mesmo por que toda a história está atrelada a esses grupos religiosos.
─ Nada demais até nesse ponto, não é mesmo? Entretanto há nos homens a cobiça e a vaidade. E ninguém poderia imaginar que ela cresceria no meio mais limpo de emoções más como essas. Elas cresceram no Credo. No seio do Credo. Ninguém poderia supor, nem prever qualquer coisa parecida. Porém, elas aconteceram sob os mantos maliciosos usados para esconder a maldade desses poucos que sangraram muitos inocentes na Guerra.
Rash olhava a narração de Faldang sem piscar alguns momentos pareceria nem respirar e o bardo seguia sem interromper.
─ A Guerra Da Insurreição iniciou-se sem mortes. Dentro de palácios e templos. Foi sendo arquitetada aos poucos para que ninguém notasse nada ou se opusesse. Nenhuma resistência foi criada e quem se levantou contra, morreu. A Guerra foi devastadora e o Reino em poucos dias sucumbiu. Nada poderia enfrentar de igual por igual o Mal Encarnado. E assim o Culto tomou conta do Reino. Mas há muito mais... Muito mais...
O bardo sabia deixar a audiência curiosa. E com Rash não era diferente. As dúvidas aumentavam exponencialmente. Quando se preparava para uma saraivada de perguntas sobre a história, Faldang disse:
─ Vamos comer e dormir. Amanhã quando o Sol nascer, vou lhe ensinar a usar uma espada.
Rash arregalou os olhos. Resolveu deixar as perguntas para o dia seguinte. Não fazia mais diferença. Iria aprender a usar uma espada.
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