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A Aldeia dos Magos Escondidos - Livro 1 - Cap. II

Atualizado: 13 de abr. de 2021

Quem presenciou a conversa entre os homens não entendeu o que se passava. Perguntas sem respostas. Afirmações estranhas. Frases sem sentido. Houve quem dissesse que a conversa se deu mentalmente, que a disputa mental fora incrivelmente devastadora para ambos. Talvez por isso o debate tenha sido tão rápido. Os comentários se limitaram a isso.

Quem entendia o que ocorrera, preferiu se omitir. Não alimentou conjecturas, ou não deu ouvidos às conversas posteriores sobre a disputa. Queria mesmo que o episódio fosse esquecido.

O Ferreiro não saiu incólume da conversa. Tampouco o Forasteiro.

Devido ao embate, o Ferreiro, se retirou da Aldeia durante alguns dias. Quando precisava de algum insumo pedia para alguém lhe levar.

O Forasteiro também se recolheu à estalagem próxima à Taverna do Urso Albino. Só saia do quarto alugado para ir à Taverna comer e beber. Um dia, quando achou que o atendente lhe conferia mais confiança, resolveu puxar conversa:

Aqui não existem ursos. Qual a razão do nome?

O antigo dono era albino, gordo e peludo. Urso era seu apelido. E ficou assim. Não tenho coragem de mudar o nome.

Era seu amigo?

Sim. Na verdade, era quase como um pai para mim. – disse o homem, enquanto cuidava de limpar a prateleira com copos de cerâmica e algumas canecas de madeira.

Ele sempre morou aqui? o Forasteiro queria fazer daquela conversa um simples passatempo, apenas para ter companhia enquanto comia. Mas parecia um interrogatório. Percebendo que o atendente ficara desconfortável com a última pergunta, deu graças quando outro homem entrou e pediu um pouco de guisado de porco com batatas e vinho para acompanhar.

O dono da taverna saiu para preparar a refeição e o Forasteiro baixou os olhos, focando-os em seu prato, desviando dos olhos curiosos do recém-chegado. A indiferença fingida não durou muito. O homem perguntou:

Não lhe faço mau julgamento. A mim não interessa suas intenções. disse de forma cortês.

Não ofereço mal algum a ninguém. Apenas quero viver em um bom lugar. disse o Forasteiro e após beber um pouco do conteúdo da caneca, fala com sinceridade Viver em paz.

Sou uma espécie de administrador daqui. Não estamos próximos o suficiente da capital do reino para obedecer-lhes as regras. Não fazemos questão de que nos notem. Por isso a desconfiança. Como a atitude demonstrada pelo nosso Ferreiro deve ter lhe mostrado.

Sim. Mas não tenho ressentimentos. Isso que aconteceu é justificável. Não se preocupe.

Então aproveite a sua refeição. Vou deixar que tenhas a paz que deseja. Meu nome é Antônio.

O administrador. completou o Forasteiro adicionando um epíteto ao nome Chamo-me Érico. Um prazer conhecê-lo.

O administrador... responde pensativo Antônio, analisando o apelido Mais ou menos isso. Até mais. O prazer é meu. Fiques em paz.

Antônio afastasse para esperar a refeição e senta-se próximo a outra mesa encostada à esquerda da porta de entrada. Érico, que estava de costas para a porta, não podia ver onde Antônio estava. Não podia ver que os olhos curiosos do Administrador não desviavam um segundo sequer dele.

Érico termina a refeição, deixa uma moeda como forma de pagamento sobre o balcão de madeira e retira-se da Taverna. Ao passar por Antônio despede-se e diz que seria um bom momento para uma caminhada. O administrador concorda ao mesmo tempo em que é servido pelo atendente. Uma refeição é colocada sobre a mesa, o suficiente para alimentar umas três pessoas. Não lhe negava motivos à dimensão da barriga saliente, aquela comida toda era um exagero. Será costume cometer o pecado da gula? Será uma regra para ser político? Perguntava-se o Forasteiro. Entre pensamentos sem importância resolve explorar mais um pouco a aldeia. Embora esse passeio exploratório tivesse intenções específicas.

Nem se esforçou muito para descobrir onde ficava a forja. Não disse a ninguém que pretendia procurar o Ferreiro, sabia que se procurasse a oficina para algum serviço, as suspeitas seriam amenizadas.

Andou breves momentos, mesmo caminhando de maneira mais para apressada que lenta não imaginava que estava tão próximo da forja. O que lhe deu certa insegurança. Se realmente fosse lá, a morada do Ferreiro que procurava, deveria sentir a emanação da poderosa magia que ele possuía e que há poucos dias sentira. Ampliou seus sentidos e destravou suas defesas psíquicas. Fosse quem fosse o homem da forja, ele deveria estar preparado.

Chegando ao lugar. Sentiu uma vibração no tecido da realidade, como se alguma força fosse represada, camuflada. Em frações de tempo, onde olhos destreinados não seriam capazes de notar, fez gestos com as mãos para que em seu entorno se criasse um manto de energia protetora. Continuou aproximando-se e ouviu a voz já conhecida em sua mente.

“Não creio que fez esse feitiço de proteção.” “Sou tão perigoso assim?”.

“Não é!” Respondeu mentalmente. Mas sem desfazer o feitiço.

“Então por qual motivo fez um escudo? Estou de costas. É você quem está se aproximando. Sorrateiro. Desconfiado.”

“Não imaginava que seu poder fosse tão grande.” “Repele a magia. Esconde a sua verdade.”.

Não me julgue. disse o Ferreiro. Virando-se com uma adaga incandescente em uma mão e um martelo na outra.

Quem me julgou primeiro foi você. Não quero fazer disso uma disputa. Deixe-me falar o porquê de estar aqui.

Seja breve. Não posso deixar esse metal esfriar. disse olhando para a adaga.

Prometo que serei, mas antes me deixe lhe dar um presente. – o Forasteiro retira uma placa de metal extremamente bem cortada nas beiradas, com algumas inscrições nas laterais e apesar de fosca, sem nenhum brilho, com uma beleza tal qual pedras preciosas. Os olhos do Ferreiro fixamente olharam para o metal. Sua cabeça se inclinou para trás, em uma atitude de quem entendia o que aquilo representava. Seus lábios apertaram-se. Suas mãos, de tanta força que faziam para segurar as ferramentas, ficaram brancas, com as juntas dos dedos nodosos saltando. Diante da reação prevista o Forasteiro disse cauteloso:

Sei que conhece o que tenho. E por saber do que se trata quero lhe oferece.

Ninguém oferece algo valioso sem querer nada em troca. Não aceito sua oferta.

Não lhe propus nada. Ainda...

Sim. Isso eu tenho certeza. Ainda. repetiu a última palavra tentando imitar a maneira que o Forasteiro a disse.

Sinto que conseguiu nublar a mente a ponto de evitar minhas leituras. Você é tão ou mais possuidor de surpresas que um caminho desconhecido. Mesmo que não queria vou lhe falar.

Então seja breve.

Não vim aqui para pedir algo para mim. Quero propor algo que valha a pena para todos os usuários de magia.

A magia é proibida.

Isso é uma falácia dos poderosos. Em sombrios aposentos palacianos a magia é usada para o mal. Preciso de sua ajuda para impedir que nos cacem.

Já estamos bem escondidos aqui.

Não se vanglorie de pequenas vantagens. A sombra chegará a todos os lugares.

Essa conversa cheia de enigmas não me interessa. Fale logo. Impedir que você leia a minha mente também me impede de ler a sua.

O mago sorriu. Notava que a guarda estava baixando. Não sentia que a confiança do Ferreiro aumentava, embora isso pudesse ser interpretado conforme a conversa se desenvolvia. O que o Forasteiro imaginava era que a curiosidade do Ferreiro frente à procedência real do metal era o motivo da recente mudança de atitude do Ferreiro.

Já sabe meu nome. Desse a você em nosso primeiro encontro e sabe também que procuro usuários de magia. O motivo de minha busca é alertar primeiramente e deixar defesas preparadas para inevitáveis ataques de soldados de elite do Reino. Em breve todas as aldeias e vilarejos, tão longínquos quanto esse, serão dizimados pelas forças de Bento II. Ele já se aliou aos Orcs. Quer usar de tudo para atacar os elfos.

Como? E a Trégua?

Bento deseja matar magos ou sensitivos da magia. Assim planeja enganar os Elfos, como se fosse uma guerra civil, um levante contra o Reino de humanos insatisfeitos com a Trégua. Mas na verdade a intenção é acumular poder e usar as almas dos mortos em uma guerra etérea.

Não me venha com profecias religiosas antigas. Isso é apenas discurso para assustar crianças. Não há mais necromantes entre nós. Não há quem possa rasgar o tecido.

Não é bem assim. Bento encontrou os Tomos Santos de Interon. Agora é questão de tempo.

O Ferreiro silenciou. Sentiu um ardor no peito. O ar entrava frio em suas narinas. Como se a simples pronúncia do nome dos livros santos lhe causasse reações físicas e espirituais. A magia antiga fora escrita em tempos imemoriais. Era poderosa. Era traiçoeira.

Como posso te ajudar. – disse o Ferreiro, sem encontrar outras opções.

Forjando uma espada de aço arcano imbuída com magia antiga.

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