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A Aldeia dos Magos Escondidos - Livro 1 - Cap. III

Atualizado: 13 de abr. de 2021

O Ferreiro ao ver a peça de aço arcano, não quis prolongar a disputa verbal. Vira a razão se materializar em seus pensamentos: Além do uso de uma espada feita daquele tipo de material não ser possível pela maioria das pessoas, o perfil do usuário era muito restrito. Apenas usuários de magia treinados em esgrima poderiam fazer uso dos poderes que a espada oferecia ao portador ou pouquíssimos guerreiros iniciados nas artes mágicas antigas. Perfil que unisse essas características antagônicas em um único indivíduo era muito raro. Esse fato tranquilizou-o.

– Conto com sua ajuda, então? – disse o mago.

– Sim. – a resposta foi seca e intencionava acabar com a conversa naquele ponto. Percebendo que o mago não pronunciava mais nada, virou-se para a bigorna e começou a martelar a adaga.

– Ainda não sei seu nome. – o mago não lera a mente do homem a esse ponto. Era uma mente densa, fechada, nebulosa. Permitia a comunicação etérea, mas não lhe dava olhares mais profundos em memórias, saberes, medos, desejos. – Pretende me contar? Sei que sabe o meu.

– Não. – monossilábico, continuou a martelar.

– Não quero seu nome ancestral. Diga apenas qualquer coisa para eu me referir a você.

– Silas.

– Silas. – repetiu em ato falho.

De instantes em instantes as marteladas cessavam e a adaga era imersa em água fria, expelindo impurezas do metal em brasa, da água para a fornalha e de lá para a bigorna.

A forja era um lugar quente. Fornalha em alto fogo, vapores causados pelas imersões do metal incandescente. Um ambiente inóspito, pouco convidativo. Rude demais para um homem com as qualidades de Silas. Antônio entendia a escolha do feiticeiro que estava em sua frente martelando o aço. Dando forma nova ao metal, poucas pessoas o procurariam ali. Mas outra coisa incomodava Antônio. O conhecimento de forjadura, demonstrado de forma impar por Silas, até aquele momento.

Essa sabedoria antiga não tinha só a função de criar ferramentas ou armas, armaduras, escudos, etc. Alguns poucos feiticeiros a utilizava para imbuir magia a objetos pessoais. A peça impregnada de magia se tornava poderosa. Algumas vezes imbatível, dependendo do poder e conhecimento do mago que a produzia.

– Pronto! Terminei. – disse Silas, olhando para adaga. – Agora é engastar a empunhadura e entregar ao futuro dono.

– Em qual monastério aprendeu a arte de forjar?

– Você não cansa de perguntar?

– Não cansaria se a sua mente fosse fácil de ler. Mas a magia em você é poderosa. Não é apenas intuitiva. Ela foi desenvolvida, ampliada, criou raízes em sua alma. Você deve passear entre os mundos com facilidade.

– Já lhe disse que necromantes não existem mais.

– Não é o que parece. Eu sinto que está fugindo de seu passado. De hora para outra se calou. Concordou em forjar a espada com aço arcano, mas sabe que ela é inútil em mãos de um guerreiro. Sabe que apenas um mago treinado nas artes de guerra pode controlar o poder desse aço.

– Sim. Só um monge guerreiro ou um guerreiro consagrado. Isso são puras lendas e histórias para entreter crianças. Mas se deseja tanto uma espada, farei.

– Sem nem cobrar um preço? Acredito que somente concordou em fazer por dois motivos: ver-se livre de mim ou por achar que a espada não encontrará mão que a empunhe utilizando todos os seus poderes.

Silas assustou-se frente à perspicácia de Antônio.

No diálogo etéreo, ocorrido dias atrás, Silas perscrutou áreas sombrias da mente de Antônio. Descobrira seus planos, motivações e não queria fazer parte daquilo. Percebeu a mente extremamente estrategista do mago. O alcance de seus poderes e quais magias dominava. Não imaginava que ainda havia coisas que o surpreendessem. A pergunta talvez fosse construída apenas por sorte. Não queria alongar a conversa além do necessário. Era melhor deixar claro o que pensava.

– Já que acredito que não me deixará em paz. E já que está criando raízes aqui na aldeia, tenho que deixar algumas coisas claras entre nós. Faço o serviço. O preço é me deixar em paz. Não quero me meter em seus interesses. Sei o que te motiva e já li suas intenções. Farei a espada, mas não imbuirei magia alguma. Ela será apenas um condutor de poderes, um canalizador de forças. Não farei nada, além disso. Ou aceita a minha proposta ou leva o aço a outro que faça.

Antônio não esperava menos, era muito previsível que Silas oferecesse aquilo como moeda de troca. Na verdade, esperava até mais. Era melhor acertar logo o trato com o ferreiro e deixar para tentar outras propostas para mais tarde. A espada pronta era mais importante que uma peça retangular de metal. Mesmo esse metal possuindo a origem ancestral e mágica que ambos sabiam que lhe atribuíam.

– Então, estamos combinados. Fará a espada com o metal. Todavia posso acompanhar a feitura?

– Não vejo problemas. Desde que não tente imbuir poderes ao aço.

– Ah, mas que pena... Queria tanto uma espada flamejante.

– Não é assim que funciona. Você teria que dominar certas técnicas...

– Feitiços e magias?

– Nas lendas é assim que funciona.

– Vou lhe deixar em paz. Quando posso voltar para ver a produção da lâmina?

– Se não tiver compromisso posso começar agora mesmo. Já acabei a adaga, como disse.

Antônio não conseguia compreender se o motivo da pressa de Silas em terminar a espada era vê-la enfim pronta ou mandá-lo embora. Teria que aguardar e avaliar as reações de Silas.

Eis que o processo se inicia: Fornalha alimentada com pequenas lascas de madeira seca, que rapidamente se incendiavam e aumentavam as chamas. O calor aumentava conforme as chamas se alimentavam das lascas de madeira. Silas trocara a água do vasilhame do choque térmico. Precisava da água o mais fria possível. Após a troca da água, limpou a bigorna e pegou um molde para a lâmina, talvez usasse, talvez não, mas gostava de ter tudo à mão. Tudo feito com a cerimônia necessária para a tarefa que se seguiria.

Terminados os preparativos, estendeu a mão e pediu a peça de metal. Imediatamente Antônio a entregou. Silas pegou a peça e a prendeu a uma longa tenaz. A ferramenta ficou presa bem na extremidade à direita do olhar de Silas, na borda do retângulo de aço. Com a mão esquerda – que estava livre agora que a tenaz prendia a peça – segurou a tenaz enquanto – com a mão direita – enrolava uma fita de couro no meio da ferramenta, onde havia um revestimento de madeira para isolar o calor, para que a pressão da longa pinça não cedesse. Assim ficaria mais fácil manipular. Após esse preparo colocou a outra extremidade do retângulo de aço na fornalha. Se não fosse pelos objetos usados parecia o preparo de um churrasco.

– Agora é aguardar o aço ficar incandescente. Só pode ser martelado quando a cor vermelha aparecer. Antes disso, martelar causará fissuras na alma da espada.

– Saberes ancestrais...

– Não comece com especulações sem sentido.

Antônio entendera o recado e calou-se.

A espera nem foi tão longa. O fole injetava oxigênio nas chamas que revigoradas pelo sopro lambiam e dançavam sobre a superfície do metal.

Lascas secas de árvores centenárias, o despejo de ar da abertura do fole e as palavras sussurradas por Silas que certamente eram uma prece antiga, aceleraram o caminho que as chamas percorriam. Em silêncio Antônio observava. Silas não emitia palavras audíveis, só os sussurros e como se a presença do mago não lhe fizesse diferença continuava a engordar as chamas e a acionar o fole, sempre em um mesmo ritmo. Parecia uma dança ritualística.

Quando um vermelho vivo começou a se formar em pelo menos um quarto da extensão do metal, Silas rapidamente retirou o artefato da fornalha e com um malho pesado, desferiu golpes poderosos na peça. O malho, levantado ao máximo que a dimensão de seu braço permitia, era violentamente golpeado no aço. Ao menor esmorecer da vermelhidão ardente a peça era arremessada ao fogo impiedoso da fornalha.

E isso se repetiu. E se repetiu.

Aos poucos a peça se alongava, castigada pelas chamas e pelos golpes de malho.

Silas em uma sádica volúpia desferindo golpes de malhos, sussurrando preces antigas, alimentando o fogo, um frenesi de certo modo impressionante, mas que os dois, tanto o Ferreiro quanto o Mago, sabiam que era portador de um perigoso e violento resultado. A arma que seria produzida, em breve poderia despertar interesses mais violentos que os fortes golpes de Silas.

Quando a lâmina estava quase com um metro de comprimento o malho ao chocar-se com a superfície ardente quebrou. E um som como o badalar de mil sinos ensurdeceu momentaneamente mago e ferreiro.

Atordoado, ainda sentindo os efeitos do som tormentoso produzido pelo aço arcano, Silas disse:

– É assim que a realidade material é rompida. A partir de agora não somos mais donos de nossos destinos.

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