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A Aldeia dos Magos Escondidos IX

Atualizado: 19 de dez. de 2020


– Quais estratégias? – disse Cecília passando os olhos de Antônio para Silas, ansiosa, querendo uma resposta. Após breve silêncio, Silas iniciou uma conversa que poderia não ter fim:

– O jogo agora deve ser aberto. Deixe-me entrar em sua mente. Livre-se de amarras. Respire longa e profundamente.

Antes da menor chance de negar ou questionar como seria a leitura mental, Antônio sentiu seu corpo físico ser tomado por uma espessa bruma. Quando se notou livre da escuridão estava em outro lugar. Um lugar criado pela mente de Silas. Não entendia se flutuava no ar ou se estava mergulhado em águas translúcidas. Sua visão era tal como lembranças vagas de sonhos poucos vívidos, ora turva, ora límpida. Percebe-se consciente e a confusão visual começa a dissipar. Um flash de luz surge repentino ao longe e some subitamente. Seus olhos que estavam fixos no lugar onde surgira o flash encontram uma forma que vem em sua direção a uma vertiginosa velocidade. Era Silas, etéreo.

– Isso é novo para mim, Silas.

– Criei uma dimensão onde seu consciente vai vasculhar o subconsciente junto comigo. Assim poderemos resgatar memórias reais e jogar fora os implantes mentais que lhe confundem. – avisou Silas.

– Seu tom professoral me incomoda. Lembro-me de um xamã do oeste que sempre dizia para tomar toda a beberagem. Normalmente era horrível. Amarga, nojenta. Sempre, o xamã, vinha com essa fala de professor para depois justificar as agruras causadas pelo remédio.

– Aqui não teremos dor ou náuseas. Em lugares como esse a realidade é livre dos sentidos. Mesmo que veja, toque, ouça, deguste e cheire. Tudo será criado por mim. Apenas suas reais memórias serão capazes de infligir algo. Assim conseguiremos separar as verdadeiras das falsas.

– Hum-hum... – desafiou Antônio.

– Acredite. Só quero quebrar qualquer ligação com que fez isso a você.

Antônio viu Silas erguer a mão direita e uma luz saiu da palma de sua mão. Cegando-o momentaneamente e não permitindo que percebesse o que acontecia ao seu redor.

– Tanto poder só possuem aqueles que são chamados de necromantes. – disse Antônio.

– Já falei que isso é lenda.

– Não dá para acreditar em você. Toda vez que pode você faz alguma coisa que só Necromantes fazem. Eu não entendo o motivo de você não assumir. O que fizeram para que você fuja da sua própria verdade. Ahhhh... – o grito não contido era prova de que a lembrança emergindo no oceano de memórias guardadas era real.

– Você foi torturado. Isso já me deixa mais tranquilo. Significa que veio até mim obrigado. Mas que fez isso a você, não deixou que o olhasse diretamente. Ele sabia que eu poderia ver através dos olhos de suas memórias.

– E isso quer dizer?

– Que sim. Sou um necromante e que você como Guardião fez um péssimo trabalho.

– Não ajuda muito você dar as informações em pequenas parcelas.

– Não julgue minhas ações. Elas têm um propósito. Não sou um bardo. Não conto histórias ao redor de fogueiras.

– De novo a dor... Ahhhh... Faça isso parar. Já chega.

Silas toca a face de Antônio que é transmitido de volta à realidade.

– E então? – pergunta Cecília com o semblante carregado.

– Não há mais memórias falsas. A mente foi inteiramente desprogramada. E com o exorcismo que você fez também não há mais sinal de possessão. Ele está limpo. Corpo, mente e alma. Novo em folha,

– E então? – dessa vez o semblante aliviou as tensões e uma expressão de inconformismo lhe tomou o lugar.

– Então teremos que confiar nele. E contar alguns detalhes que descobri.

– Que detalhes? – Antônio ainda estava tonto e sem muita concatenação mental. Só sabia que as dores das torturas passadas ainda eram extremamente presentes em sua memória. As cicatrizes eram provas físicas dos martírios.

– Quem fez isso a você se escondeu de seu campo de visão. Há poucos que podem fazer essas ações malditas. E a pessoa que fez sabia que eu a reconheceria. Se ela previu tudo e se escondeu. Isso só prova que eu a conheço. O que diminui assustadoramente as opções.

– Você acha que Clarice estudou as artes negras?

– Não. Acho que é pior que isso. A ação não é coisa de quem estudou as artes negras. Quem fez o que fez escreveu os Tomos de Magia Antiga. Só um dos Três Magos está vivo.

– Ai... – disse e suspirou longamente, Cecília. – As notícias só pioram: Uma traidora do próprio sangue. Um Mago Antigo. Um regente ensandecido querendo derramar sangue de inocentes. Uma guerra no horizonte. Um desmemoriado programado para matar. Um chamado através de aço arcano. Uma espada forjada no fogo de madeira embebida de sangue. Não queria, mas vou perguntar: o que falta?

– Um imortal assumir sua responsabilidade e lutar contra o mal. – disse Antônio.

– Isso nós veremos depois. – responde Silas. – Não sou afeito a essas responsabilidades de escolhidos. Isso só funciona em lendas. Não há razão em ser o escolhido. A que os tolos chamam de destino eu chamo de imbecilidade. Não quero participar de disputas palacianas ou o que quer que sejam.

– Mas, Silas, se a realidade for rompida? O que será das pessoas? – Cecília não aceitava a posição de neutralidade que Silas tinha desde que se exilou na Aldeia.

– Cada deus da fé professada por eles que os salve. Não vou enfrentar mal algum.

– Então a derrota é certa. – disse Antônio, resignado.

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