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A Aldeia dos Magos Escondidos XIII



O sono de ambas foi intermitente. Uma preocupada com o porvir, dono de sombrias possibilidades, e a outra ansiosa em aprender, finalmente, a arte dominada pela mãe. Anna sabia que o motivo para a mudança na posição de Cecília em relação a ensiná-la era abastecido por alguma coisa muito importante. Tinha medo de perguntar o que era. Mas imaginava que certamente era relacionado à aparição do forasteiro. No momento propício saberia.

Levantaram juntas com o surgimento dos primeiros raios solares. Anna acordara pouco antes de Cecília, mas não quis incomodar a mãe.

– Bom dia, querida. – disse Cecília enquanto esticava braços e pernas. Sou grata ao Deus que permitiu que dormisse antes do sol nascer.

– Bom dia, mamãe. Eu vi mesmo que rolava para lá e para cá. Vou preparar nosso café da manhã.

– Enquanto isso, eu vou alimentar os bichos e colocar um aviso que não abriremos hoje.

– Está bem.

O negócio que sustentava mãe e filha era um armazém. Quase um entreposto comercial. Ela produzia os ovos e vez ou outra uma galinha ou pato eram encomendados. Mas o que dava movimento eram os produtos que moradores da região deixavam ali para serem vendidos. Tinha um bom movimento e as porcentagens que ganhavam com as vendas consignadas eram vantajosas. Por isso a importância do aviso a ser pendurado na porta. Caso não o colocasse, elas seriam chamadas o dia todo e o treinamento seria um desastre.

Tarefas diárias terminadas, Cecília sentou-se para consumir o café da manhã. Comeu o mínimo e disse, também, o mínimo de palavras. Um momento de silêncio um pouco maior que os outros anteriores fez Anna se pronunciar:

– Mamãe. O que irei aprender.

– A se defender.

Anna nem precisava ser vidente para saber que a resposta seria aquela. Resignou-se e deixou a surpresa lhe acontecer. Sua mãe possuía sabedoria o suficiente para fazer o certo. Era melhor apenas confiar e esperar.

– Não se deixe abater com minha resposta. Irá ficar satisfeita com as lições de hoje prometo. Vamos para o quintal. Traga a varinha. Mas antes vamos arrumar a cozinha.

– Sim.

Terminaram as limpezas necessárias e Cecília vai para um lugar no quintal onde plantava algumas ervas medicinais. Abaixa-se, frente a um arbusto de hortelã, e escolhe uma entre algumas folhas maiores de um galhinho que insistia em aparecer mais que os outros. Anna aproxima-se e aguarda em silêncio.

– Veja, Anna. Folha de hortelã. – disse, levantando e girando em direção à filha; mostrando a folha, segurando pelo cabo e girando entre os dedos para ver ambos os lados – Normalmente usamos para chá, tempero. Coisas de cozinha ou receitas de vovós. A natureza sempre nos deu tudo. Presente de Deus? Talvez. Em tudo há essência, perfume, cor. É só esmagar uma folhinha dessas. – disse apontando o arbusto –. O perfume amplia, nos envolve. Alma, espírito, carne, corpo e sangue. Tudo é intrinsecamente ligado e unido. Tudo emite um pulso, uma vibração. – No tempo em que dizia essas palavras, Cecília, soltou a folha no ar. Imediatamente a envolveu em uma esfera de energia, fazendo-a flutuar. E acelerou o tempo dentro do espaço dentro da esfera. A folha rapidamente secou e esfarelou. Quando a folha se tornou milhares de partículas secas, a esfera diminuiu até desaparecer, e as partículas se deixaram levar pelo ar.

Anna apenas olhava. Esperando a conclusão da lição.

Cecília virou-se para o arbusto de hortelã e fez outra esfera. Acelerou o tempo e a folha não secou. Continuou verde, saudável.

– Eu sei que parece um exemplo bobo. Mas o que mudou você sabe. A folha arrancada do galho não tinha fonte de alimento. Hoje a lição é não buscar a força em si. O erro do usuário de magia é achar que o poder provém dele. Ele se basta e seca. Nossa força provém de outra dimensão. Provém da morada do espírito. Nosso corpo é apenas um veículo para o espírito. Melhor explicar algumas coisas. Seus olhos estão dizendo que há dúvidas em sua cabecinha.

– Mamãe... Essa coisa de alma e espírito. Não é a mesma coisa? Sinônimos apenas?

– Que bom que perguntou.

Cecília fez um gesto rápido com as mãos e rompeu a ligação corporal de ambas. Anna não percebeu nada. Apenas um vento breve e em fração mínima de tempo viu seu corpo imóvel frente ao da mãe e ouviu um chamado:

– Anna.

A aprendiza virou-se e viu a mãe. Flutuando ao lado. Emitindo uma luz tênue, suave. Olhou suas mãos e viu que também emitia a mesma luz.

– Não se assuste. Não é uma ilusão como as que você já conhece. Eu ainda não lhe mostrei as possibilidades que nossa ascendência promove em nossa família. Sair do corpo temporariamente é uma delas. Tive que lhe tirar. Desculpe. Mas não há outro jeito.

– Mas... – Anna estava estupefata.

– Faltam palavras para descrever a sensação. Eu sei. Não se preocupe. Não estamos no etéreo. Não é fora de nossa dimensão. Isso serve para ganharmos tempo, pois ele não nos afeta nessa condição. Mas a teoria será mais tarde. Agora é a prática. Tente voltar para o corpo. – dito isso, Cecília, desapareceu.

Novamente uma leve brisa. Anna olha para as mãos para conferir se emitia luz. Voltara ao corpo.

– Mamãe... Me avise. Por favor, só me avise. E agora me fale o que aconteceu.

Cecília se divertia descaradamente com a expressão de horror da filha. Outra emoção que era farta em seu íntimo era o orgulho ao notar que Anna não se assustava ou temia o que estava acontecendo. Anna recuperara-se rápido do susto. Outros choravam, se desesperavam, desistiam do treinamento.

– Vou tentar evitar, mas não prometo. Antes de continuar me fale como voltou ao seu corpo.

– Senti a matéria. Senti uma emanação de energia. Era como um chamado.

– E isso lhe guiou.

– Sim.

– Sua alma não é deste mundo. Somos de outra dimensão. Aqui é um nível dos muitos que a alma percorre para purificação e aprendizado. O corpo é apenas um veículo. Não se esqueça. Se sua alma desvanecer, diminuir sua luz, um espírito vagante pode possuí-lo e aprisionar sua alma dentro dele. Mas isso é saber que você já leu. Apenas quis demonstrar como sem preparo e defesas certas é fácil tomar seu lugar. Mas o que houve aqui é diferente dos modos dos vagantes. Eu provoquei uma experiência extracorpórea. Os vagantes não lhe deixariam sair. Usariam você como canal de energia. Alimentariam-se através de você. Mas isso eu lhe explico outra hora. Agora vamos treinar para que isso não aconteça.

A aprendiza não disse nada. Esperava o que lhe seria ordenado. Não demorou até que a mãe lhe disse:

– Deve aprender a enxergar a aura dos seres viventes. O arbusto de hortelã deve ter uma emanação de energia no lugar onde rompi a folha. Quero que o encontre. Corra que não dura muito. É como um ferimento em nossa pele. O sangue flui, mas coagula. Mas não procure com o tato. Use outros sentidos.

Anna concentrou-se e tentou ver o lugar. Procurou sentir. Perceber alterações nos sentidos. Cheiros, sons. Alterou sua respiração. Fechou os olhos. Diminuiu ao mínimo a velocidade de seus batimentos cardíacos. Sentiu a emanação. Abriu os olhos e com um gesto veloz esticou a mão e pegou o galho exato onde a mãe retirou a folha.

– Vejo que as lições anteriores lhe guiaram bem. – disse sorrindo e feliz com os bons resultados da filha.

Em outras épocas esses saberes serviam para curar ferimentos internos causados em batalhas ou qualquer tipo de situação onde precisassem encontrar a causa de dores, inflamações, doenças. Saberes ancestrais de cura.

– Mas teremos que usar técnicas mais apuradas e fortes. Os vagantes não lhe darão o tempo suficiente para realizar essa prática. Pegue a varinha. Vamos trabalhar com um pouco mais de energia.

– Mas, Mamãe... A varinha não é para limitar meu poder?

– Exatamente. Assim se explodir alguma coisa será só o arbusto de hortelã.

– O quê?

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