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A Aldeia dos Magos Escondidos XVII

Atualizado: 5 de abr. de 2021



A viagem até o Vale das Brumas Eternas durou um dia e uma noite. A distância já não permitia, a Silas, sentir as emanações psíquicas de Anna e Cecília. De certa forma isso - apesar da angústia o consumir - lhe aumentava a atenção a outras emanações, por exemplo, as provenientes dos monges do Templo das Sombras. Pequenas ainda, mas já começavam a serem sentidas pelo mago.

Se ainda estiverem vivos, já sabem que estou a caminho.” Pensou.

Após a escalada da ultima colina que o separava de seu destino, Silas pode observar com calma as névoas que motivaram o nome do Vale.

“As Brumas Eternas.”

Admirando a linda paisagem montanhosa que cercava o vale entranhado na cadeia de Montanhas de Serro Alto, resultado da erosão do Rio Longo, Silas não deixou de pensar no belíssimo trabalho arquitetônico realizado pelos monges.

“Pena as névoas esconderem tão magnífica obra.”

O Templo das Sombras durante muito tempo foi a última defesa do reino àquela época quando ainda a magia era permitida. Um posto avançado tão longe da capital que, se não fosse autossuficiente, morreria à mingua em qualquer cerco um pouco mais longo. Mas os monges durante sua construção não foram ingênuos. Aproveitando as terras férteis determinaram que todos os recursos para o Templo devessem ser produzidos nas áreas dentro das fortificações que o cercavam sem qualquer ajuda externa. Prevendo que transitar com insumos pelos caminhos poderiam sofrer todos os problemas: assaltos, desmoronamentos de encostas, enchentes, ataques de animais selvagens e todos os outros que aparecem em épocas de guerras.

Os monges após um tempo de adaptações tornaram-se mestres na produção de queijos, vinhos, cervejas e eram famosos por usarem um maravilhoso açúcar de beterraba. Após a Guerra das Três Raças o abade determinou uma vida de introspecção e debruço sobre estudos teológicos e isolamento. Para afastar quaisquer ameaças ou visitas indesejadas conjuraram feitiços de proteção e perpetuaram as névoas sobre o vale onde o templo era fincado.

O resto é história para outro momento.

Silas embrenhou-se no meio das vegetações que nasciam nas encostas que cercavam as brumas. Conhecia o caminho até o único portal das muralhas. Mas dessa vez parecia muito mais difícil. Pedras soltas, cipós, árvores com galhos baixos que o obrigaram a rastejar pequenos trechos. Enfim chegou à primeira plantação de carvalhos que formavam mais uma defesa natural do Templo.

“Qualquer estrategista militar não pouparia elogios à mente de quem pensou em plantar esses Carvalhos-Cerquinhos.” Pensou Silas, antes de ouvir uma voz ao longe.

– Árvore com esse nome não exige muito do talento de ninguém, meu caro amigo.

A voz era conhecida, embora se notasse um envelhecimento em seu timbre.

– Mas quem plantou as centenas que circundam o Templo dentro das brumas fez um belo trabalho. Mesmo que o próprio nome da árvore o tenha inspirado. – Silas responde com alegria.

Um vulto começa a se formar na direção de Silas e quando a densidade das névoas se dissipa, permitindo uma visão mais nítida, um monge surge perante o portão imenso que, entreaberto, erguia-se à vista do mago andarilho.

O monge acelerou o passo e abrindo os braços agarrou o amigo há muito não visto.

– Esqueci que você não envelhece. – disse Benevides, abrindo um simpático sorriso. – Isso não se aplica aos magos de segunda classe como eu.

– Você ainda é meu mestre. O que carrego é um fardo maldito.

– Venha, vamos entrar. Não é sempre que temos visitas.

Ambos atravessam o portal sob os olhares curiosos dos habitantes do templo. Alguns monges, reconhecendo Silas, espantaram-se com sua pouca ou nenhuma mudança fisionômica. Era como se o tempo não lhe afetasse. A verdade é que não eram muitos os que conheciam todas as habilidades ou características do ferreiro, muitos ali, nem eram nascidos quando ele visitara o lugar pela última vez. E assim foram aventadas as mais loucas possibilidades que o motivaram a estar ali mais uma vez.

Antes que absurdos maiores fossem pensados, Benevides convocou uma reunião. Deveria apresentar Silas aos mais novos e esclarecer a todos o motivo da passagem do antigo amigo.

– Se for apenas por uma noite de sono ou para ajustar suas provisões para seguir sua jornada, devo esclarecer isso a todos. Antes que rumores sejam criados e histórias ilusórias sejam propagadas. Pedirei que preparem um aposento para você e depois de descansar, vamos conversar. Vinte e cinco anos de conversas para atualizarmos não serão fáceis.

– Devo lhe dizer que não há muitas alegrias em meus propósitos.

– Se há ligações com altos políticos, não me será novidades, já chegaram boatos aqui. Estava prevendo que, algumas coisas – como a “ressurreição” de um amigo que há décadas não aparece por aqui –, pudessem acontecer.

– Então já sabe de algo?

– Agradeço por ainda obedecer nossos preceitos e não ter lido minha mente. – disse João com notável reverência na voz.

– Aqui não há necessidade disso. Somos irmãos na Fé.

– Vá. Descanse. – Benevides apontava o quarto, após a pequena caminhada pelo corredor que volteava um pátio onde havia pequena vegetação rasteira e canteiros de flores. – Deixe suas coisas, tome um banho. Logo mando lhe chamarem para comermos. E conversarmos mais. Não se aflige.

Mais tarde Silas estava acompanhado de alguns monges curiosos. Benevides na qualidade de abade do templo iniciou um discurso de apresentação. Falou a todos o quanto estava feliz com a vinda de Silas e ao mesmo preocupado com as reais motivações daquela visita. Finalizou a fala com uma exortação:

– Nossa Ordem sempre se caracterizou por manter as tradições mais antigas de nossa Fé. Nunca perderemos isso de vista. Mesmo perante qualquer mal que se aproxime. Em minha vida não imaginei, nem em momentos de pouca esperança, que relatos antigos, fantasiosos para alguns menos crédulos, pudessem retornar das trevas do passado e erguerem-se novamente contra nossas crenças. Os que aqui estão são treinados nas artes da guerra e da magia. A benquerença sempre esteve ao lado dos justos. Não fraquejem frente ao mal. Sejamos portadores da luz. O Templo das Sombras será mais uma vez a casa dos justos. Alimentem o corpo e rezem para alimentar o espírito. Em tempos tenebrosos como os que se avistam no horizonte, devemos estar com nossas forças espirituais e carnais plenas.

Dito isso, Silas que estava sentado à direita de Benevides, aproximou-se do ouvido dele e disse:

– Agora vai me dizer qual o boato que ouviu e provocou esse discurso pré-batalha? – havia uma dose de ironia e apreensão no comentário.

– Só o de sempre. Profecias, flagelos, destruição. Mas há um ingrediente político que me incomoda. Falaremos disso mais tarde. Você passará a noite aqui. Mas em claro teremos muito que conversar.

– Sim, eu sei.

– Vamos comer e depois conversaremos.

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1 Comment


apvcarvalho16
Feb 28, 2021

Fiquei ansioso para ler mais. Adoro a maneira descritiva do ambiente e a abordagem introspectiva dos personagens.

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