Ela parecia voar, os cabelos encaracolados sacudiam à medida que andava, seus pés mal pareciam tocar o chão. A garota de pele escura e olhos incrivelmente negros observava com atenção as vitrines das lojas. Vestia um jeans surrado e uma camiseta de mangas longas, preta, e um cachecol vermelho, que contrastava com sua pele escura. Trazia uma mochila branca nas costas.
Eu a observava de longe, a pedido de uma das vendedoras, que relatou que uma garota suspeita vagava pelas lojas naquela tarde de sexta. O shopping estava cheio, mas ela não era difícil de ser achada, ela se destacava. Entrava nas lojas e mesmo recebendo olhares insatisfeitos não se importava, continuava algo que parecia ser uma busca.
E eu, de longe, a observava.
Vi-a entrar numa loja de grife. Qualquer um que a olhasse diria que todas as peças ali estavam bem acima de seu orçamento. De longe, pude ver uma das vendedoras abordar a jovem. Ela olhava assustada para a mulher que a puxava pelo braço, arrastando-a para fora do local, com grosseria. Outros clientes observavam a cena, alguns horrorizados com a atitude da mulher, outros com olhares penosos e também haviam aqueles que apoiavam tal ato.
Alguns cochichavam: "Mas também, o que uma negrinha iria comprar numa loja dessas? Deve ter roubado mesmo.".
A mulher se aproximava, trazendo a jovem que andava de cabeça baixa.
"Boa tarde, seu guarda" disse a vendedora, empurrando a jovem que, notei, não devia ter mais de 16 anos, para a minha frente. "Essa… garota, tenho certeza que pegou algo da loja".
Disse com visível desprezo na voz. A garota nada dizia, estava com as mãos trêmulas e parecia em choque com a grosseria da mulher.
"Exijo que olhe a bolsa dela!", continuou a vendedora, claramente irritada. Tinha um olhar de superioridade direcionado à garota, que continuava de cabeça baixa.
Tentei argumentar que tais coisas eram feitas com mais calma e que seria mais fácil verificarmos as câmeras da loja, Mas a vendedora arrancou a bolsa das costas da garota. Tentei pedir calma a ela uma vez mais, afinal não havia necessidade de tais atitudes. Porém, antes que eu a impedisse, ela abriu a bolsa da garota, jogando todos os pertences dela no chão. Estes se espalharam pelo chão e um deles até se quebrou.
Um pequeno vidrinho de perfume.
A vendedora empalideceu. Da bolsa caíram também algumas notas de dinheiro. A garota estava chorando, visivelmente ofendida e com medo.
"Por que não disse nada ou se defendeu? Ela ficou calada, achei que era culpada" a vendedora tentou se justificar.
"Eu disse que não havia feito nada, mas minha mãe me ensinou que é melhor deixar que as pessoas comprovem a minha inocência, como viu. Eu só estava à procura de um presente, como disse antes para a senhora", respondeu ela, abaixando-se e começando a recolher os pertences do chão. Eu estava estático, não sabia como reagir a uma situação como aquela, nunca havia passado por tal coisa, então me abaixei no chão e ajudei a garota a recolher suas coisas.
Olhei para a vendedora e mandei que voltasse para a loja e trouxesse um novo perfume para a garota. A mulher saiu a contragosto, mas sabia que seria pior se não o fizesse. Quando a vendedora saiu, perguntei se a garota queria fazer uma denúncia, ela disse que não, que só queria comprar o presente de sua irmã e ir embora.
E foi isso que fez.
A vendedora lhe entregou um frasco de perfume e se desculpou de forma seca. A menina limpou as lágrimas no seu cachecol vermelho e se afastou, guardando o perfume na bolsa e seguindo para o andar de baixo, misturando-se com os outros, mas sempre se destacando. E eu queria acreditar que era somente por seu cachecol vermelho, que contrastava com sua pele negra.
Lamentável ainda hoje ser um pecado ter uma pele negra ou parda. Trabalho magistral!! Nunca deixe de escrever...