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Herdeiro das Dívidas

Osvaldo e seu "herdeiro das dívidas", como ele se refere a seu filho, Rafael, chegam ao banco, já que aplicativo, instalado e reinstalado várias vezes, rendeu vários "elogios" à inoperância da ferramenta, que deveria evitar aglomeração devido à pandemia.

O auxílio e a antecipação do FGTS de Osvaldo precisam ser resgatados, antes que as contas, como água e luz, uma das poucas certezas do cotidiano, assaltem a tranquilidade de ambos.

O atropelamento de Osvaldo, quando retornava do trabalho, o presenteia com uma cadeira de rodas…

Eles chegam perto da agência e Rafael balbucia sobre a dificuldade de encontrar uma vaga para o fusquinha 68. Enquanto circulam, Osvaldo repara que há vagas no estacionamento da agência.

Pai, isso é pros funcionários…

— Entra, somos clientes — disse Osvaldo.

Rafael faz a manobra e põe na vaga de deficiente.

— E se vinher alguém pedindo pra tirar o carro? — perguntou Rafael, ainda em dúvida.

— Podem até vir, mas vamos tirar só depois que resolvermos — sentenciou Osvaldo, já transmitindo segurança para o "herdeiro das dívidas".

Enquanto Rafael vai pegar a cadeira de rodas, um segurança os aborda com certa rispidez dizendo que a vaga é só pra deficientes.

Osvaldo vê sua postura: pernas afastadas e os polegares dentro do colete, um figurino para impor autoridade. Osvaldo o fita e…

— Pensei que aqui, parado, ia levar multa de trânsito — ironizou.

— O senhor tem que sair agora! — devolveu o vigilante.

— Você acha que sou o quê? O coelhinho da Páscoa, pra entrar aqui saltitando? — reagiu Osvaldo ao "carinho" da abordagem.

Outro segurança pede para o colega voltar, pois vê Rafael se aproximar com a cadeira. Ele nota o desconforto do pai enquanto empurra a cadeira, o trepidar da corrida provoca dores no quadril quebrado no acidente.

— Se o piso fosse liso, não teria essa turbulência. Filho da puta quem projetou isso.

— Calma pai…

Na agência, o vigilante informa que o atendimento para o FGTS é até às 13 horas. Osvaldo nota a satisfação do mesmo que o recepcionou no estacionamento, como um segundo round em que ele vencerá, nem que seja por pontos.

— Onde acho o gerente? — indaga Osvaldo, como uma esquiva do gancho de esquerda do segurança. Outro funcionário que passa, aponta que o gerente está próximo aos caixas eletrônicos.

— Será que vai certo, pai?

— Se não tentarmos, aí sim teremos certeza de que não dará certo, já estamos aqui mesmo, relaxe…— pontuou Osvaldo.

Eles esperam até que o gerente termine de atender outra pessoa. Osvaldo explica a situação e o gerente faz uma concessão, vendo aquele homem na cadeira de rodas.

Osvaldo o agradece, o segurança abre a porta para ambos passarem, enquanto Osvaldo o olha com aquela mensagem bem-humorada no olhar que diz “esse round também é meu”.

Eles estão na fila, conferindo a senha para ir aos caixas.

Em seguida, já aguardando o chamado dos caixas…

— Pai, o que foi aquilo no estacionamento?

— Pecamos em não chegarmos numa Hilux nova — destacou o pai com sarcasmo.

— Ah, tá, caiu a ficha…

Osvaldo nota todos sentados, na bolha criada devido ao celular, cada um no seu cada um…

— Está aprendendo alguma coisa até aqui, pequeno gafanhoto? — disparou Osvaldo com aquele ar de um sensei inquirindo o aluno. Ele sente as engrenagens da cabeça de Rafael trabalhando, buscando uma resposta para essa pergunta que substitui o útero virtual que deixa a maioria em transe enquanto espera o atendimento.

Sua vez chega, adiando a reflexão de Rafael.

Eles conseguem, após meses saindo da boca do caixa, aquela sensação de alívio maior que a montanha removida da estrada. Eles agradecem novamente ao gerente. Enfim

chegam ao carro…

— O que aprendeu hoje? — dispara Osvaldo.

— Muito, pai, tudo o que resolvemos aqui tinha tudo para errado — prosseguiu Rafael.

— Primeiro, pensei que não podíamos estacionar…

— Hum, …hum… — comentou Osvaldo.

— Depois driblamos a hora, teríamos que voltar outro dia porque chegamos depois das 13 horas, e resolvemos tudo…

— Graças, também, à humanidade do gerente, ao contrário da arrogância de muitos que ocupam esse posto — observou Osvaldo e continuou:

— Esses eventos provam que não devemos desistir no primeiro obstáculo, por maior que seja…

 

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