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Mau menino

Foto do escritor: Revisa AêRevisa Aê

O Natal é uma época cheia de magias, luzes e presentes.

Essa noite é especial, principalmente para as crianças, as quais esperam a visita do papai Noel, que traz os presentes. A imagem do bom velhinho normalmente é associada a crianças bem comportadas e obedientes, estas, por se comportarem bem e serem boazinhas, ganham os agrados do papai Noel. Mas, o que acontece com as crianças levadas? A quem é vinculada a imagem dos mal comportados que não são dignos dos presentes do bom velhinho?

― Será que ele vem? ― perguntou Lilian, que segurava com força o pequeno ursinho, enquanto olhava ao redor do quarto escuro, ajeitando-se em sua cama.

― Claro que virá, papai Noel me traz presentes todos os anos ― respondeu Kamilly.

O grupo de primos estava deitado nas camas do quarto de hóspedes da casa, eram cinco crianças entre oito e doze anos, divididas em duas camas, uma de casal, onde estavam três crianças, e uma de solteiro um pouco maior que o normal, onde estavam duas crianças. Kamilly, Lilian e Juliana tinham oito anos, Jéssica tinha dez e Maurício tinha doze.

Enquanto os adultos festejavam, as crianças esperavam a visita do bom velhinho. Maurício não acreditava mais em papai Noel, porém sempre havia sido um menino comportado e gentil. Contudo, com a chegada da adolescência, tornou-se um garoto grosso e rebelde no decorrer daquele ano, diferente das garotas, que eram mais novas e com uma personalidade mais tranquila.

― Essa porra de Noel não existe! ― falou emburrado. Estava cansado da falação das primas. ― Calem a boca, quero dormir.

― Maurício! Não pode falar essa palavra feia ― reclamou Lilian, olhando para o primo com um ar de repreensão e uma expressão descontente. ― Você está se comportando muito mal, assim não vai ganhar presentes esse ano.

― Eu não ligo, não tem nenhum velhinho que traz presentes mesmo. Vocês são muito bestas! ― falou novamente.

Kamilly abraçou Juliana e Lilian ficou encarando o primo com um ar extremamente irritado, mas logo se deitou, fechando os olhos ao lado das primas.

― Problema seu, não vou ser má com você, se não papai Noel me tira da lista dos bonzinhos.

Dito isto as garotas se concentraram em adormecer, assim como Maurício, que, com o silêncio, não demorou a dormir. A festa no andar de baixo da casa continuava, os pais e avós das crianças comiam, bebiam e riam uns com os outros, seguindo com a tradição familiar de comemorar o Natal juntos e com muita festa.

Com o passar da noite, as crianças entravam cada vez mais num sono profundo, mergulhando no mundo dos sonhos. Porém, quando a festa acabou, as três da manhã, Maurício acordou assustado. O quarto parecia estranhamente assustador e o silêncio da casa o deixava nervoso. Olhou para esquerda, as primas eram iluminadas pela luz da lua, que entrava pela janela. Ao pé da cama das garotas, havia três grandes caixas vermelhas de presentes, com belos laços e bengalas doces.

Ao olhar para sua própria cama, tudo o que encontrou foi um pequeno bilhete, Maurício o segurou delicadamente, estava gelado e só havia duas palavras escritas nele.

― Mau menino. ― Leu em voz alta e, em seguida, revirou os olhos. ― Certo, mãe, está começando a ficar sem criatividade.

Maurício jogou o bilhete no chão e se deitou novamente, mas, por algum motivo, não conseguia dormir. Sentia a terrível sensação de estar sendo vigiado. Olhou pela janela, mas não havia nada, correu os olhos pelo quarto e não havia ninguém além de suas primas.

Então se deitou novamente.

Porém, quando se deitou, ouviu o ranger da porta do velho guarda-roupas de madeira que havia no quarto. Apesar do barulho, Maurício decidiu continuar deitado. Provavelmente algum dos seus tios o queria assustar, então se o ignorasse ele perderia o interesse, ao menos foi assim que ele imaginou. Não podia negar que estava com medo, mas decidiu continuar quieto.

Novamente um barulho.

Um leve ranger, fino, baixo.

E novamente o silêncio.

E de novo.

Porém, dessa vez, o ranger foi mais alto, Júlia chegou até a se remexer um pouco na cama. Além do ranger da grande porta do guarda-roupas, Maurício escutou algo como passos, mas eram muito duros e faziam um barulho de cascos no chão. O garoto sentiu todo seu corpo gelar e seu coração acelerou.

― Ho… ho… ho… ― A voz reverberou pelo quarto, fazendo os ossos do garoto estremecerem. Era uma voz rouca, fazia ruídos entre as palavras, com uma respiração profunda e entrecortada. ― Feliz, feliz, feliz! ― Continuou a falar, fazendo o garoto cobrir sua cabeça e todo seu corpo com o grosso edredom.

Maurício nada disse, prendeu a respiração e fechou os olhos, segurando firmemente a coberta, que, para ele, era como uma barreira entre ele e seja lá quem fosse. Estava tão assustado que não notou a grande sombra que se formava ao lado de sua cama.

― Mau menino… mau menino… ― Maurício já não sentia seu coração, ele não conseguia se mover, tudo o que conseguia fazer era ficar estático.

Sentiu a coberta começar a ser puxada, devagar, sem pressa. Pouco a pouco o corpo do garoto ficava à mostra e ele sentia a brisa fria. Sentia também um cheiro de podridão que fazia sua barriga revirar e querer pôr para fora todas as comidas da janta.

― Abra os olhos… olhinhos lindos. ― Continuou a voz, e Mauricio sentiu uma respiração quente em seu rosto. ― Olhinhos lindos.

Maurício se recusava. Estava totalmente suado, seu corpo tremia de forma incontrolável e ele chorava de forma que seus soluços podiam ser ouvidos do corredor. Sentiu um toque frio, úmido.

Silêncio.

Maurício não conseguia mais, seus olhos estavam trêmulos e, com o silêncio, começou a achar que tudo aquilo havia sido somente alucinações de sua cabeça por ter comido de mais. Então, aos poucos, abriu os olhos.

Inicialmente não viu nada, porém, quando seus olhos se focaram na porta, ele o viu. Era uma criatura medonha, seus olhos vermelhos brilhavam na escuridão. Tinha chifres enormes e seu corpo era cheio de pelos. Suas mãos tinham grandes garras e seus pés tinham cascos fendidos.

Maurício tentou gritar, porém sua voz não saía, seu corpo estava paralisado e seus olhos fixos no monstro. O cheiro de morte se espalhava pelo quarto e uma escuridão tomava o lugar, ele não conseguia sequer ver as próprias primas, só via o monstro.

― Mau menino... Comida... ― Continuou a criatura, aproximando-se lentamente. ― Noel disse para comer… Noel deu de presente.

O monstro falava devagar, se alguém prestasse atenção ao seu tom, poderia identificar até certa animação em sua voz grossa e assustadora. Quando chegou ao pé da cama de Maurício, a criatura agarrou um de seus pés, apertando com força e o puxando para fora. Nesse momento Maurício despertou do estado de imobilidade em que seu corpo estava e se agarrou à cabeceira da cama, então começou a gritar.

O monstro pareceu não se importar, puxou-o fortemente e o lançou para a porta, Maurício bateu com força na madeira, caindo no chão, num baque surdo, para logo ser arrastado novamente. Mas, dessa vez a coisa o pegou com os dentes. Os dentes afiados e finos perfuraram sua carne com facilidade, chegando ao osso em questão de segundos. O monstro caminhava de costas, agora estava abaixado, seguindo para o guarda-roupas.

Maurício olhou para a criatura, que soltou sua perna por breves segundos e sorriu.

― Mau menino. ― Repetiu antes de agarrar a perna do garoto novamente.

À medida que era arrastado, Maurício ficava completamente ensopado por seu próprio sangue. Já não conseguia lutar, mas ainda gritava e chorava inconsolavelmente, tentando agarrar-se a qualquer coisa, contudo já não tinha esperanças. Viu-se sendo levado para a escuridão dentro do grande e velho guarda-roupas e, quando já estava lá dentro, as portas se fecharam.

A criatura soltou sua perna, mas já não havia como fugir.

― Noel prometeu a Krampus que teria jantar esse ano. ― Então o monstro abriu sua grande boca e abocanhou a cabeça do menino de uma vez só, engolindo-a sem dificuldades.

Todo resto foi uma mistura de sangue e morte.

Os olhos de Maurício se abriram.

Sua cama estava molhada de xixi.

De início, duas primas riram dele, mas quando notaram que ele não parava de se balançar e olhar para o velho guarda-roupas, sentiram um medo incomum e correrem para a sala, chamando os pais e tios.

Quando os pais de Maurício chegaram ao quarto e encontraram o filho naquele estado entraram em desespero. O garoto não respondia a ninguém, estava abraçado aos joelhos e seu olhar era vazio.

Somente repetia algumas palavras.

― Feliz natal... Mau menino, mau menino, Krampus pega os maus meninos...

 

Sobre a Autora:

Hellen Heveny, 22 anos, estudante do curso de letras, autora e revisora. Nascida na cidade de Serrinha, BA, atualmente mora na cidade de Jequié. Iniciou no mundo da literatura ainda na infância, escrevendo sua primeira obra quando estava na adolescência, aos 15 anos. Hoje, administra o projeto Revisa Aê e se dedica a escrita de contos, romances e matérias sobre escrita, linguagem e produção.

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