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O caso do Arroz

— Mas, como assim? Você quer enricar com pasta de dente, minha filha?

A atendente bufou de impaciência. Mas, o que eu poderia fazer? Aquele valor estava errado.

— A senhora vai levar ou vai ficar discutindo?

— A senhora é a sua mãe, e eu levaria se estivesse no preço certo!

— Não sou eu quem faz os preços...

— Mas está errado mesmo assim...

Ela revirou os olhos. Fez muxoxo. Gente, quem, em sã consciência, pinta o cabelo de verde?! Que corzinha mais sem graça. Fosse um vermelho, azul. Agora, verde?

E Ela ficava mascaando aquele chiclete que, sem dúvida, estragaria seus dentes. Não, não é big-big. É um tal de Trident. Traident que fala. Isso lá é nome de chiclete? A embalagem estava no balcão, sabe!?

Era a segunda vez naquela semana que aquela moça discutia comigo. Veja lá, o preço estava errado. Agora o pircing até que estava charmoso. Essa gente nova gosta dessas modas. Tem pessoa que combina. É estilo, né? O cabelo dela também estava arrumado. Bem penteado. Isso mesmo. Ela usava óculos de leitura. Mas o meu era mais bonito, só que eu não lembro onde guardei. O esmalte dela estava descascado, entende? Mas, eu não posso falar nada, nem cortei minhas unhas. Tá uma tristura. Enfim, terminei minhas compras ali no mercado.

— A senhora não poderia ser mais objetiva? — O rapazote de cabelo lambido me perguntou, enquanto eu contava a história.

─ Sim. Sim. Pois, então. Acontece que eu vinha vindo devagar debaixo do sol do meio dia lá pelas bandas de Santa Ermelina, um bairrozinho bacana aqui em São Paulo. Joinha. Passou um carro a toda velocidade, bagunçou meu cabelo todo. Essa gente não tem mais respeito. Eu levei uma sacola de compras, sabe como é?! Aquelas decoradas, a minha tinha uma pintura de Paris, disseram que foi um cego que pintou. Achei joia e trouxe a sacola de feira. Falando em feira, o arroz está pela hora da morte, menino. Um absurdo de caro. Como pode?! Tinha uma mulher olhando amargurada uma lata de ervilha em conserva lá no mercado. Eu me compadeci dela. Quando vi o preço da ervilha tive vontade de chorar também. O feijão eu nem falo. Um roubo à mão desarmada. Mas, então, como eu ia dizendo, eu voltava por ali. Era uma ruela do lado daquele parquinho na Avenida Santiago. Outra coisa é aqueles brinquedo ali viu? Tudo quebrado. Qualquer criança pode escorregar ali e quebrar a cara. Menino, eu acho um perigo largar uma criança ali. Os meus netos não ficam lá não. Não deixo. Porque meus neto é atazanado, né? Eu sou avó, mas admito que tem alguma coisa errada com aquelas criança. Não param quietas. Então, menino. Aí eu vinha por ali e de repente, me aparece um frangote mal encarado, de sopetão assim. Me apontando uma arma. Imagine só. Um rapazote assim, meio magricela sabe!? “

Olhe, madame. Passe aí a grana, vá!”. Aos berros. Ele ficava repetindo como se eu não tivesse ouvindo. E que negócio é esse de madame?

“Calma, calma. Já tô indo!” eu gritei de cá. O moleque olhava de um lado pro outro. Mas, polícia aquela hora não passava não. Aí eu já disse

“Não carece essa afobação toda. Polícia essa hora tá almoçando, meu filho”.

— Calma, é o cacete, dona. Passa logo essa grana.

O moleque agia como se eu fosse rica. Vai vendo.

— Oxi! Só isso?? Que porra é essa. Deve ter mais aí, dona.

Aí não deu. Eu me revoltei.

— Meu filho, você é que tá assaltando a pessoa errada. Vê lá se eu tenho essas dinheirama toda. Eu sou pobre de marré, criatura. Tu acha que eu vou sair por aí pra cima e pra baixo, com os bolso cheio de dinheiro se nem dinheiro eu tenho? Tu visse o valor do arroz?! Pela hora da morte!

— Que história é essa, dona? Eu tô armado, tá sabendo?! O rapazote abriu os braços.

— E eu tó com o meu nome no Serasa. Tu acha que pode me ferrar mais do que isso?

— Mas, que porra. A senhora é doida, dona!? Passe a grana, vá.

— Meu filho, eu já lhe disse que eu não tenho dinheiro. Vai assaltar político. Eu não tenho dinheiro não, garoto.

Essa gurizada não sabe nem assaltar direito. Assalta pobre. Meu gato assaltaria melhor do que ele.

— E a senhora vem daonde com esse monte de sacola, aí?

— Do mercado, justamente por isso eu não tenho dinheiro. Mostrei as sacolas.

O moleque olhou-me entristecido. Então tomou minha sacola de Paris e olhou dentro.

— Então vai ser assim, eu vou levar esse arroz.

Aí foi a gota d´água. Eu coloquei a outra sacola no chão e gesticulei:

— Mas, o que é isso? O que é isso?? Não basta o dinheiro? Quer levar até o arroz?

Sabe como é, né? Um saco de arroz de cinco quilos que eu vinha trazendo no maior sacrifício. Aquele garoto não tinha escrúpulos.

— Olhe, dona. Eu tô desempregado há dois anos. Tenho família. A senhora pelo menos tem a aposentadoria. A gente não tem nada.

— Oxi, e tu arrumasse essa arma aonde? Encontrou na rua, foi?

Eu puxei a sacola da mão dele, mas o moleque não soltava. E ficou assim: eu puxava de cá, ele puxava de lá. A gente se atravancou de um jeito que não vimos quando o carro de polícia se aproximou. E você desceu aos atropelos do carro, mandando o moleque levantar os braços.

O policial magrelo olhoume e perguntou:

— A senhora sabe que não deve reagir a um assalto?!

— E você queria que eu deixasse ele levar meu arroz!? Olhe, vamos acabar com essa conversação que eu ainda tenho que fazer o meu almoço. Cadê o meu arroz?

— A senhora não vai prestar queixa?

— Eu quero é o meu arroz. Se o magricela aí devolver o meu arroz, está tudo joia.

Outro policial me entregou o meu saco de arroz e eu vim-me embora. Vê lá se eu ia deixar o rapaz levar meu arroz? O arroz tá pela hora da morte. Naquele mercado ali da esquina…


 

Sobre a Autora:

J. Brandão (ou Josiene Brandão Campos) é alagoana, atualmente radicada em São Paulo. Escreve por hábito, terapia e gosto. É amante da leitura desde a adolescência e louca por animais desde sempre.

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