O cinema fechou as portas e os passos curtos de Aline a levavam pela rua treze de maio. O ruído das coxas roçando uma na outra, apertadas na curta saia jeans, alternava-se com as largas passadas do raptor.
— Dona Agatha, delegado Mello Sá.
— Bom dia, delegado.
— A senhora conhece a professora Aline Sampaio?
— Sim, é professora de inglês da minha vizinha. Às vezes encontro com ela no elevador ou na portaria.
— E ontem, no cinema?
— Realmente cumprimentei ela na saída do cinema. Mas o que tem essa professora?
— Sumiu. A mãe dela disse que ela tinha marcado de sair com a senhora.
— Pois eu nunca marquei nada com ela. Nem nos falamos direito.
— Tem como provar isso?
— Se eu te contar o que estava provando ontem depois do cinema.
— Prefiro não saber para não ficar com ciúmes.
— Pois então não me aperreie.
— Dona Agatha, precisamos conversar pessoalmente sobre Aline Sampaio.
— Se a conversa fosse outra eu estaria disponível, mas para essa só terei tempo no fim da tarde.
— Então, toma um café comigo às seis?
— Adoro encontros fora da delegacia.
Às seis e cinco, já estavam com as xícaras na mesa.
— Está cheiroso.
— Por acaso eu fedia das outras vezes?
— Não muito. — Disse com uma leve risada maliciosa.
— Vamos ao caso. Aline Sampaio saiu do mesmo cinema que você ontem à noite e não voltou para casa. A mãe dela telefonou para a o polícia alertando o sumiço da filha e dizendo que ela havia marcado de sair com Agatha Montalvão. O que me diz?
— Conhece a mãe dela?
— Me encontrei com ela pela manhã.
— E o que percebeu?
— Que é uma senhora amigável e viúva, mora com a filha solteirona num apartamento da Vila Madalena. O filho mais velho também morreu. O falecido marido, oficial do exército aposentado deixou uma pensão e o apartamento.
— Sabe do que ele morreu?
— A velha disse que morreu de desgosto ao descobrir que o filho saía com outros homens. Mas não disse como filho morreu.
— E sobre a filha?
— Professora de inglês, dá aulas particulares e também numa escola de idiomas do centro. Solteirona, de poucos amigos, mas com saídas frequentes.
— Quantas alunas ela tem?
— Não sei.
— Vou te dizer, os barulhos que ouço do meu apartamento não são de uma língua alcançando o inglês, mas alcançando outra coisa.
— A senhora que me dizer que...
— Essa cutruvia é bem armada que só.
— Mas o que isso tem a ver com o desaparecimento?
— Você não é delegado? Descubra. — Ironizou.
— Não esqueça de que é suspeita nesse caso. — Disse, entrando no jogo de sedução da advogada.
— Não se esqueça que ninguém é culpado até que o engravatado meta o martelo.
— E o que você sugere? — O olhar do delegado experiente pedia a resposta ousada dos lábios de Agatha.
— Refazer os passos dela. Reconstruir a cena todinha.
— E por onde começamos?
— Pela aula de inglês. — Disse com um sorriso malicioso.
A resposta era a deixa para seguirem sem demora ao apartamento de Agatha, o mais próximo. O clima didático ascendeu a uma noite gramaticalmente excitada.
Na manhã seguinte, o despertador acordou o casal agarrado. Agatha levantou parte do tronco para falar com o delegado despido a seu lado.
— Aprendeu o idioma?
— Já posso visitar a Inglaterra. Mas antes, precisamos resolver esse caso.
Entraram no Escort preto de Agatha e foram até o cinema. Deixaram o carro na porta e seguiram andando na direção da casa de Aline, tentando achar algum vestígio pelo caminho.
Quase duas quadras a frente, encontraram um dicionário de inglês caído na esquina.
Nesse momento, o celular de Mello Sá tocou. Atendeu com alguns resmungos monossilábicos e desligou.
— Encontraram a professora.
— Como?
— Morta.
— Onde?
— Na sua casa.
— O que?
Voltaram ao carro e seguiram para o apartamento de Agatha, na praça Pedro Lessa. Ao entrar na sala, já avisaram de corpo. Nu, com as pernas abertas e amarradas nos braços do sofá. Entre elas, um bilhete, retirado com uma mistura de pavor e prazer pelo delegado, que dizia "foi pra proteger a honra da família".
O perito constatou a ausência da língua.
— É. Vai ser enterrada sem o que lhe dava sustento. — Ironizou a advogada, com um ar de tristeza ao fundo.
Horas depois, um corpo boiou no Tietê. Idosa. Setenta e sete anos. Viúva. Maura Sampaio.
Capixaba natural de Ecoporanga, atualmente residindo em Feira de Santana-BA; estudante de Pedagogia, escreve desde criança. Apaixonado por café, criança, história, arte e cultura brasileira. A Arte de Viver foi sua primeira novela publicada, além da coletânea Contos Oh! Ríveis, de humor, estando presente em coletâneas de contos e poemas do Projeto Apparere e contos disponibilizados na Amazon.
O gênero policial vem sendo seu novo foco na escrita, explorando a temática familiar, um prato cheio para discutir as relações da sociedade e refletir sobre as atitudes passionais.
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