top of page
Foto do escritorGabriel Soares

O Rapto da Professora

Atualizado: 25 de set. de 2020

O cinema fechou as portas e os passos curtos de Aline a levavam pela rua treze de maio. O ruído das coxas roçando uma na outra, apertadas na curta saia jeans, alternava-se com as largas passadas do raptor.

 

— Dona Agatha, delegado Mello Sá.

— Bom dia, delegado.

— A senhora conhece a professora Aline Sampaio?

— Sim, é professora de inglês da minha vizinha. Às vezes encontro com ela no elevador ou na portaria.

— E ontem, no cinema?

— Realmente cumprimentei ela na saída do cinema. Mas o que tem essa professora?

— Sumiu. A mãe dela disse que ela tinha marcado de sair com a senhora.

— Pois eu nunca marquei nada com ela. Nem nos falamos direito.

— Tem como provar isso?

— Se eu te contar o que estava provando ontem depois do cinema.

— Prefiro não saber para não ficar com ciúmes.

— Pois então não me aperreie.

— Dona Agatha, precisamos conversar pessoalmente sobre Aline Sampaio.

— Se a conversa fosse outra eu estaria disponível, mas para essa só terei tempo no fim da tarde.

— Então, toma um café comigo às seis?

— Adoro encontros fora da delegacia.

Às seis e cinco, já estavam com as xícaras na mesa.

— Está cheiroso.

— Por acaso eu fedia das outras vezes?

— Não muito. — Disse com uma leve risada maliciosa.

— Vamos ao caso. Aline Sampaio saiu do mesmo cinema que você ontem à noite e não voltou para casa. A mãe dela telefonou para a o polícia alertando o sumiço da filha e dizendo que ela havia marcado de sair com Agatha Montalvão. O que me diz?

— Conhece a mãe dela?

— Me encontrei com ela pela manhã.

— E o que percebeu?

— Que é uma senhora amigável e viúva, mora com a filha solteirona num apartamento da Vila Madalena. O filho mais velho também morreu. O falecido marido, oficial do exército aposentado deixou uma pensão e o apartamento.

— Sabe do que ele morreu?

— A velha disse que morreu de desgosto ao descobrir que o filho saía com outros homens. Mas não disse como filho morreu.

— E sobre a filha?

— Professora de inglês, dá aulas particulares e também numa escola de idiomas do centro. Solteirona, de poucos amigos, mas com saídas frequentes.

— Quantas alunas ela tem?

— Não sei.

— Vou te dizer, os barulhos que ouço do meu apartamento não são de uma língua alcançando o inglês, mas alcançando outra coisa.

— A senhora que me dizer que...

— Essa cutruvia é bem armada que só.

— Mas o que isso tem a ver com o desaparecimento?

— Você não é delegado? Descubra. — Ironizou.

— Não esqueça de que é suspeita nesse caso. — Disse, entrando no jogo de sedução da advogada.

— Não se esqueça que ninguém é culpado até que o engravatado meta o martelo.

— E o que você sugere? — O olhar do delegado experiente pedia a resposta ousada dos lábios de Agatha.

— Refazer os passos dela. Reconstruir a cena todinha.

— E por onde começamos?

— Pela aula de inglês. — Disse com um sorriso malicioso.

A resposta era a deixa para seguirem sem demora ao apartamento de Agatha, o mais próximo. O clima didático ascendeu a uma noite gramaticalmente excitada.

 

Na manhã seguinte, o despertador acordou o casal agarrado. Agatha levantou parte do tronco para falar com o delegado despido a seu lado.

— Aprendeu o idioma?

— Já posso visitar a Inglaterra. Mas antes, precisamos resolver esse caso.

Entraram no Escort preto de Agatha e foram até o cinema. Deixaram o carro na porta e seguiram andando na direção da casa de Aline, tentando achar algum vestígio pelo caminho.

Quase duas quadras a frente, encontraram um dicionário de inglês caído na esquina.

Nesse momento, o celular de Mello Sá tocou. Atendeu com alguns resmungos monossilábicos e desligou.

— Encontraram a professora.

— Como?

— Morta.

— Onde?

— Na sua casa.

— O que?

Voltaram ao carro e seguiram para o apartamento de Agatha, na praça Pedro Lessa. Ao entrar na sala, já avisaram de corpo. Nu, com as pernas abertas e amarradas nos braços do sofá. Entre elas, um bilhete, retirado com uma mistura de pavor e prazer pelo delegado, que dizia "foi pra proteger a honra da família".

O perito constatou a ausência da língua.

— É. Vai ser enterrada sem o que lhe dava sustento. — Ironizou a advogada, com um ar de tristeza ao fundo.

Horas depois, um corpo boiou no Tietê. Idosa. Setenta e sete anos. Viúva. Maura Sampaio.

 

Capixaba natural de Ecoporanga, atualmente residindo em Feira de Santana-BA; estudante de Pedagogia, escreve desde criança. Apaixonado por café, criança, história, arte e cultura brasileira. A Arte de Viver foi sua primeira novela publicada, além da coletânea Contos Oh! Ríveis, de humor, estando presente em coletâneas de contos e poemas do Projeto Apparere e contos disponibilizados na Amazon.

O gênero policial vem sendo seu novo foco na escrita, explorando a temática familiar, um prato cheio para discutir as relações da sociedade e refletir sobre as atitudes passionais.

24 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Post: Blog2 Post
bottom of page