Chegando em casa depois de um dia inteiro na delegacia, Elisa sentou-se na sala ao lado da mãe que lhe servia um café.
— Essa cidade não é normal, mãe.
— O seu pai dizia a mesma coisa. — Respondeu a mãe enquanto assistia a novela.
A filha abaixou a cabeça em um suspiro.
— Só ele ia poder te ajudar, não é? — Afirmou a mãe, como se lesse as expressões na filha, que confirmou com a cabeça.
— Vou lá no escritório dele.
— Pra que, menina? Só tem poeira e aqueles livros velhos dele. Deve ter um mês que não limpo aquela sala.
— Não importa. Quero só tentar estar mais perto dele, mesmo que...
— Nem adianta procurar coisa de trabalho que eu joguei tudo fora.
— O que?
— Ah, eu não queria mais nada de polícia aqui em casa.
— Mas mãe, eram coisas importantes, podia ter informações sobre tudo e...
— A casa é minha e eu não quero nada de polícia aqui dentro. — Gritou a mãe, estressada.
— Então melhor eu não ficar aqui também. — Respondeu Elisa, se trancando no antigo escritório do pai.
Nos primeiros minutos chorou sentada na cadeira de couro, apoiada na mesa de madeira, agarrada à foto de posse do pai no porta-retrato que encontrou no fundo da gaveta. O olhar do delegado recém empossado na foto trazia a lembrança da infância gostosa da menina que sonhava um dia ter um retrato igual ao do pai. Lembrou do dia em que a mão negra do pai pegou seu diploma em direito. O olhar da foto se repetiu ao ter em mãos o canudo da filha.
Elisa não demorou muito até secar as lágrimas e começar a passar a mão nas lombadas dos romances policiais na estante. Lia os títulos e lembrava dos resumos que o pai fazia quando ela, ainda sem saber ler, queria saber o que tinha dentro de cada capa. Pouco depois, dona Sandra entrou no escritório com uma farda na mão. Colocou sobre a mesa e ficou olhando para a filha, que a encarava com a mão parada sobre a lombada de Rio Noir.
— Esse foi o último que ele leu...
Elisa encarou a lombada em que se apoiara e retirou o livro da estante.
— Ele morreu por causa do trabalho… Joguei tudo fora pra não ter nada da profissão dele aqui.
— Não tem que explicar nada.
— Trouxe sua farda limpa. Achei que nunca mais lavaria uma dessa na vida.
— Não tem que lavar minhas roupas.
— Você passou muito tempo na delegacia essa semana, vi que não teve tempo de lavar.
O silêncio pairou por alguns longos segundos.
— A senhora não queria, não é?
— Nunca quis. Nem seu pai, nem você. Mas não posso te impedir...
— Mãe. Eu...
— Só me promete que não vai ser igual a ele. Não tenta bater de frente com essa gente perigosa. Você já é um alvo pra eles, não se coloca mais na mira deles.
— Mãe, eu não posso deixar as pessoas ficarem à margem da lei e não fazer nada. É o meu trabalho…
— Era o trabalho dele também. — Interrompeu — Mas tem coisas que não tem como mudar… Tem coisas mais importantes.
— O que?
— A sua vida, Elisa. Ou você acha que o seu pai levou quinze tiros por acidente?
Novamente o silêncio reinou.
Capixaba natural de Ecoporanga, atualmente residindo em Feira de Santana-BA; estudante de Pedagogia, escreve desde criança. Apaixonado por café, criança, história, arte e cultura brasileira. A Arte de Viver foi sua primeira novela publicada, além da coletânea Contos Oh! Ríveis, de humor, estando presente em coletâneas de contos e poemas do Projeto Apparere e contos disponibilizados na Amazon.
O gênero policial vem sendo seu novo foco na escrita, explorando a temática familiar, um prato cheio para discutir as relações da sociedade e refletir sobre as atitudes passionais.
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