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“Tem batom na minha xícara”: café, feminismo e a busca por visibilidade


Foto de Mink Mingle (unsplash)

O café faz parte da história mundial e contribui, diariamente, para o bem-estar e a qualidade de vida de quem o consome. Para grande parte das pessoas, eu inclusive, não há nada melhor que uma xícara bem quentinha de café para começar bem o dia. Além de dar energia e disposição, o grão é benéfico para a saúde. No Brasil, o ouro verde, como ficou historicamente conhecido, é considerado uma paixão nacional, já que é consumido por nove entre dez pessoas com mais de 15 anos, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC). Estimasse que a taxa de aceitação nos lares, mundialmente falando, é de aproximadamente 97%, tornando-se a bebida mais ingerida no mundo, ficando atrás apenas da água.

Já que a bebida é considerada uma paixão mundial, indaguei como uma gastrônoma, feminista e apreciadora dessa bebida — que com o passar dos anos tornou-se ingrediente fundamental na gastronomia internacional, podendo ser utilizado na preparação de inúmeras receitas, como bebidas, pratos doces e salgados, base de molhos e como complemento para saborear recheios e pães, ganhando um espaço importante entre os chefs ao redor do mundo, de modo que saber dominar a arte de controlar a sua acidez e harmonizar o seu sabor é essencial para que o seu aroma seja levado à mesa — por onde andam as “mulheres do café”?

Segundo Ana Luiza Martins em seu livro História do Café, elas estão colhendo, trabalhando no terreiro, negociando, exportando, degustando profissionalmente, pesquisando cientificamente, enfim… elas estão em toda parte! No passado, porém, sua presença e importância na cafeicultura brasileira não foram registradas em documentos, contratos e recibos, iniciado com as mulheres negras escravizadas, que levavam seus filhos ao local de trabalho deixando-os sob o pé de café para conseguirem trabalhar, ocorrendo em seguida, a participação das mulheres imigrantes da Europa onde suas contribuições com o setor cafeeiro também não foram documentadas já que eram chamadas de “meia enxada”, registradas com nome masculino, recebiam apenas a metade dos pagamentos para trabalharem o dia inteiro, alimentando o ciclo de invisibilidade da mulher na cafeicultura, sendo perpetuado até os dias atuais.

Certo, mas onde se encaixa o Feminismo nessa história? O movimento feminista, ao contrário do que muitos pensam, não está relacionado a luta por supremacia feminina, mas sim pela equidade entre os gêneros. Porém essa luta é antiga, datada desde os séculos XV e XVIII, ganhando força na Revolução Francesa encabeçada pela Olympe de Gouges e sua Declaração dos Direitos da Mulher que buscava o fim da desigualdade entre os gêneros e a opressão masculina. No Brasil, os movimentos sociais de mulheres começaram a ganhar destaque na década de 80, articulado à luta popular, ao direito da terra e aos títulos dos lotes no campo. Desta forma nas décadas de 80 e 90, as mulheres se inserem nos movimentos sindicais, nos partidos políticos, nos movimentos sociais na defesa da afirmação “do outro” e de “outra mulher”, na ressignificação da mulher como sujeito político, na luta por direitos e igualdade de oportunidades. O fato é que as mulheres sempre estiveram presentes em diversas lutas, em vários nichos, porém sua participação foi invisibilizada.

E o feminismo na cafeicultura, onde entra? Historicamente, as mulheres estão presentes em todas as etapas do universo do café, do grão à xícara, embora o protagonismo feminino neste setor ainda seja baixo por conta da falta de espaço e visibilidade, algumas pesquisas mostram que 45% da mão de obra na produção agrícola brasileira é composta por mulheres, que devido a aquisição de maquinários amplamente utilizado no mercado cafeeiro, acabaram buscando uma nova alternativa: a colheita manual. Essa modalidade de colheita, é realizada de forma seletiva, pois consegue separar os grãos verdes dos maduros, algo que o trabalho automatizado não consegue realizar com proeza.

Devido a essa colheita manual e consequentemente seletiva, as mulheres, que eram profissionalmente desvalorizadas por não terem acesso aos maquinários, conseguiram aumentar a qualidade do café, tornando-se as principais responsáveis por cultivar o café especial no Brasil, embora seja um fato desconhecido para a maioria das pessoas. É daí que observa-se a importância da IWCA – Aliança Internacional das Mulheres do Café – fundada em 2002, a partir do encontro de mulheres da indústria dos EUA e Canadá com produtoras da Nicarágua, cuja missão é dar poder às mulheres do setor cafeeiro internacional, estimulando e reconhecendo a participação destas em todas as etapas da cadeia produtiva do café, desde o grão à xícara.

Tendo o compromisso de desenvolver ações que gerem benefícios de integração e valorização das mulheres nos países produtores, atualmente a IWCA está presente em vários outros países, sendo criada, no Brasil, durante o 7º Espaço Café Brasil, na maior feira do setor na América Latina, e é constituída por mulheres batalhadoras, de diferentes idades e escolaridades, dos Estados da BA, SP e MG, principalmente. O que essas mulheres buscam é o reconhecimento no mercado de trabalho a partir de um maior protagonismo e visibilidade, pois mesmo que participem de todo o processo, elas ainda lidam com preconceitos, passando a todo momento, por julgamentos sobre o seu conhecimento em determinada atividade, muitas vezes tendo que provar as suas capacidades devido a cultura do patriarcado e é aí que o feminismo se encaixa, na luta por maior visibilidade e equidade entre os gêneros no setor, visto que ainda é muito masculino, já que em 2018 apenas cinco mulheres haviam se formado como provadoras de cafés no Brasil.

Diante deste cenário, mesmo que algumas conquistas tenham sido alcançadas, sabemos que ainda há muito o que caminhar, provando que nós podemos estar à frente do planejamento das lavouras, comandando cooperativas, trabalhando em fazendas como engenheiras e técnicas agrícolas, ser responsáveis pela torrefação, estar à frente da seleção dos melhores produtos para exportação, classificando cafés, empreendendo no mercado com cafeterias e indústrias que agregam o café como insumo, já que lugar de mulher: é onde ela quiser! Inclusive deixando sua marca de batom em muitas xícaras ao redor do mundo.


Referências Bibliográficas


ABIC. Institucional. Disponível em: https://www.abic.com.br/institucional/abic/ Acesso em 28 Fev 2021.

BRASIL, IWCA. Página Inicial. Disponível em: http://iwcabrasil.com.br/iwca Acesso em 28 Fev 2021.

FRISON, Mônica; CARUSO, Ângela. Batom na Xícara, 2020. Disponível em: https://www.batomnaxicara.com.br/2020/06/monica-frizon-e-angela-caruso-duas.html Acesso em 28 Fev 2021.

IWCA. Strong Women = Strong Coffee. Disponível em: https://www.womenincoffee.org/ Acesso em 28 Fev 2021.

MARTINS, Ana Luiza. História do Café. SP: Editora Contexto, 2008.

MEIRA, Ariana Lisboa. Uma abordagem sobre o papel da mulher na cadeia produtiva do café no município da Barra do Choça – Bahia. TCC: Especialização em em Gestão da Cadeia Produtiva do Café com Ênfase em Programas Sustentáveis, para obtenção do título de Especialista em Gestão da Cadeia Produtiva do Café. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, 2013.

SAFRAES. A força da mulher no setor do café, 2019. Disponível em: https://www.safraes.com.br/mulheres-no-campo/a-forca-mulher-no-setor-cafe Acesso em 28 Fev 2021.

 

Sobre a Autora:

Aline Amorim é Recifense, aquariana, mãe e feminista. Graduada em Gastronomia, Pós-graduanda em História Social e Contemporânea, Pesquisadora da temática Relações de Gênero e o Mundo do Trabalho; Alimentação e Feminismo. Amante das Letras, é colunista da Literatura Errante trazendo a temática Mulheres e Literatura sob uma perspectiva Feminista.



 

Revisão: Júlio César de Oliveira


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