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Foto do escritorGabrielly Hannaly

TRINTA E UM DIAS - Parte 1 (Bernardo) - 11º dia

Capitulo Parte I BERNARDO

Décimo primeiro dia

O telefone tocou:

— Bernardo? Eu não vou mais escrever!

— Por que diz isso, Gabi?

— Porque eu não vejo resultados. Eu sei que é um completo egoísmo buscar algum resultado nisso tudo, mas achei, por um momento achei que se escrevesse e colocasse as palavras à disposição dos leitores, achei que encontraria meu lugar e que teria reconhecimento, mas não é assim que funciona! Ninguém vai ler o que eu escrevo, sou um fracasso…

— Você acredita nestas palavras?

— Eu só sei que eu sou…

— Você parou de escrever?

— Hum… Ainda não, é, é estranho, eu prometo, jogo os papéis fora, deleto todos os projetos de livros e não relato nenhuma de minhas ideias, mas quando estou desesperada, quando estou sem fôlego e quando não consigo gritar mais, quando parece que todas as portas estão fechadas… Eu solto algumas palavras, rimo uma ou duas linhas e quando me deparo estou escrevendo de novo!

— Então por qual motivo acha que deve parar?

— Eu, eu… Não quero acabar sendo alguém transparente, as pessoas verão através de mim tudo o que fiz ou o que posso fazer, mas jamais irão ver quem sou… Porque eu sou real quando eu escrevo e cada palavra que solto é uma esperança que coloco e cada linha que componho são traços do meu destino, por onde gostaria que ele seguisse, é minha identidade, escrever é minha identidade, mas, mas isso não é suficiente nesse mundo…

— Ninguém falou que os sonhos eram fáceis de se conquistar! Sabe de uma coisa, Gabi? Você ainda não desistiu e nem acho que vá realmente desistir, porque você é aquele tipo de pessoa, aquele tipo raro de pessoa que gosta de esgotar todas as possibilidades, mesmo que isso te machuque no processo, você gosta de tentar até que não sobre mais nada… Seja no amor ou seja na escrita!

— Machuca tanto…

— Eu sei… eu sei. Mas é como andar de bicicleta, você sabe, terão lá uma ou duas quedas e podem ser feias ou leves, você apenas continua porque sabe que se parar no meio do caminho os arranhões não terão valido a pena, você continua porque deseja algo e porque sabe que depende de você para conquistá-lo, mesmo não tendo a certeza de quando vai parar de cair… Você só vai continuar tentando e quando perceber já estará andando normalmente, terá dominado a bicicleta, então tente dominar as palavras em sua mente, comece acreditando mais e duvidando menos, busque apenas colocar no papel o que sente… Pode demorar, mas uma hora ou outra alguém vai olhar, ler e você nem vai perceber…

— Por que você continua?

A pergunta dela me pegou de surpresa, porque a Gabi não é muito do tipo que fala e indaga, ela tem o costume de ouvir e assentir em pleno silêncio. Nos conhecemos no clube de poemas, foi um refúgio muito bom para mim e para ela, como ela mesmo sempre dizia "era uma terapia contínua", nunca fomos muito próximos. Na verdade, ela mantinha uma distância incomum de todo mundo, como se estivesse andando por um campo minado e as minas eram as relações pessoais, amigos, conversas travadas ao acaso, mas que, de acordo com ela, poderiam virar memórias eternas. Uma vez ela disse, em um debate sobre uma poesia de Augusto dos Anjos, não me lembro qual — sempre odiei a frieza desse poeta — mas então, questionada sobre a solidão, sobre a distância que ela mantinha, ouvi ela proferir a seguinte frase: "A presença de algumas pessoas, embora passageira, pode deixar grandes hematomas em nossas memórias… Não deixo ninguém chegar perto o suficiente, porque a ausência pode doer, mas a saudade e a lembrança, essas duas juntas… Ah! Essa combinação destrói qualquer um".

E, desde então, ela manteve o mundo a cem metros de distância do seu toque, mesmo que precisasse gritar para que os outros a ouvissem, ela achou melhor ficar rouca do que arriscar um pequeno, e talvez até breve, hematoma.

Meu maxilar travou, porque eu não queria admitir que não tinha a resposta. Meu trabalho ali, naquela ligação, era encorajá-la a não desistir de seus sonhos, mas às vezes até os sonhos podem ser infundados. Por que eu continuava? Por qual motivo ainda impelia-me a tentar, por qual motivo ela deveria tentar? Não esperei as respostas, apenas comecei a dizer:

— A vida é tão cheia de responsabilidades, você deve nascer já disposto a lutar pelo seu lugar, deve sempre ir rumo a coisas que tragam a maior proficiência, sem parar para pensar… As regras do mundo foram feitas para mutilar essências. O artista faz álgebra e o engenheiro aprende sobre o barroco, seguimos as regras de vivências como loucos. Elas são ótimas, são o nosso preparo para o mundo, nosso amparo, mas algumas pessoas precisam de um fôlego, mesmo que seja sem motivo, sem objetivo, algumas pessoas precisam construir o próprio abrigo e o meu… O meu eu faço com pontos e vírgulas, reticências incansáveis, rimas intermináveis e a credibilidade de ser feliz por alguns segundos. Quando escrevo, eu crio o meu mundo! Sabe, Gabi, você já deu um passo muito importante, você tem o objetivo de atingir as pessoas e isso é bem melhor do que minha vontade egoísta de escrever apenas para me proteger.

Silêncio. Provavelmente estava processando tudo aquilo que eu havia despejado em cima dela. Não a culpo, acho que se a maioria das pessoas seguissem os próprios conselhos, o mundo não seria assim tão perdido e os psicólogos e terapeutas seriam menos ricos. Então ela disse, em tom manso:

— Também sou egoísta, quero manter minha escrita livre e, ao mesmo tempo, quero que seja algo que outras pessoas cultivem.

— Deveria pensar menos no que quer que os outros queiram, no que os outros vão pensar e se vão gostar… Quando estiver escrevendo faça-o por você, caso contrário nem ouse macular os caracteres condicionando o que vai escrever ao que os outros querem ler.

Eu sei, fui duro demais com ela e logo após terminar a última frase queria muito voltar atrás, abrandar aquele peso, aquelas palavras, mas não pude… Porque, às vezes, uma ou duas palavras ditas na hora certa podem salvar um mundo inteiro. Não, não sabia se aquela era a hora certa porque nunca o sabemos, mas confesso que tinha audácia para arriscar.

— Bernardo, você é uma pessoa boa, se pudesse me escusar da verdade diria que não me importo com os que lêem minhas obras fajutas, queria ser como você, livre e independente, mas ainda estou presa aos outros e ao que eles sentem… Pelo menos, depois disso, tenho a certeza que não irei parar de escrever, vou continuar tentando e se fracassar vou tentar de novo, porque esse é o meu significado de liberdade… É poder escolher quando lutar e quando continuar!

E no fim ela tinha encontrado a resposta sozinha… Ainda assim, senti que havia contribuído de forma substancial, mesmo sem o saber ao certo como o fiz, então perguntei:

— Vai ao clube no sábado?

— Vou.

— Ótimo.

— Tchau, Bernardo.

Desligou. Acabei meu dia com o gosto de ter sido útil para uma pessoa. Confesso que não entendo porque ela se preocupa tanto com os números de quem alcança, achei exaustivo lidar apenas com ela… É difícil imaginar alguém disposto a tocar o mundo com palavras, buscar atingir o máximo de pessoas. É nobre e, ao mesmo tempo, me dá medo. Dei um sorriso. Parece que aquele ar da Gabi, aquele de quem repele pessoas, não passa de uma fachada. No fundo, tudo que ela mais quer é ser notada, mas não com o propósito ínfimo de se fazer presente, ela quer ser algo que se sente, toca fundo na humanidade… Todo o tempo que economizou não se entregando aos próximos eram segundos guardados para se doar a um objetivo maior, não sabia qual era, mas sentia que deveria ser algo muito importante, aquele tipo de coisa que depois que acontece, nada mais volta a ser como antes.

"Gabi… Espero que consiga… O mundo precisa de escritores como o cinema precisa de artistas, a cura é tornar a realidade bonita".

 

Sobre a Autora:

Uma autora independente que gosta de escrever tanto quanto de respirar, participou de varias antologias e foi uma das dez finalistas no concurso "cuenta me un cuento" de 2020. Também participou da antologia anjos caidos da dar books, onde o livro esta na amazon com o conto intitulado: "o testemunho de Delphin". Foi selecionada para o a antologia Teleportados com o conto: " Por de trás da pálpebras", no entanto não participou na formação do livro. Uma escritora inovadora, aspirante a poeta e muito concentrada em sempre dar o seu melhor, buscando uma oportunidade de provar o valor de suas palavras.


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1 Comment


Tati Iegoroff
Tati Iegoroff
Feb 17, 2021

Estou adorando acompanhar essa série por aqui!

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