Capitulo Parte I BERNARDO
Décimo terceiro dia
Às vezes eu afasto as pessoas, inconscientemente, ou talvez de modo consciente, não posso valer-me sempre das mesmas desculpas, porque mentir para si mesmo é realmente a forma mais inocente de autoengano.
Escrevi um conto, um simples e nada bom conto. Recebi alguns elogios do grupo de poesia e também recebi uma onda de felicitações, como se aquilo fosse algo grande. Vocês acham que é? Não vou mentir… Quando mandei este conto, torci, com todos os meus mais positivos pontos, para que ele ao menos pudesse obter um lugar digno de um autor de verdade, não precisava ser o primeiro, nem o segundo e muito menos o terceiro, mas eu queria, de algum modo, queria ser reconhecido e talvez eu tenha mentido na ligação com a Gabi, porque, no fundo, sempre é mais fácil motivar os outros do que motivar a si mesmo e isso acabava comigo.
Na manhã do dia 26, levantei com o corpo cansado. Não queria sair do quarto, o semestre da faculdade havia acabado e eu passara com as melhores notas e com o título de acadêmico mais notado, entretanto, por qual motivo ainda me sentia tão vazio? Queria entender as regras de uma vida boa, apenas para segui-la e esbanjar sorrisos atoa, mas não é assim que a banda toca, a melodia sempre vai ser futurista e nem um pouco retrógrada, porque se você ficou no passado não espere sentado, já que não virá nenhum acontecimento motivando seu resgate. Se ficou no pretérito, torça para correr e quem sabe consiga chegar em um pretérito imperfeito de seus próprios feitos.
Suspirei. Havia postergado checar a situação do conto que tinha enviado, porque algumas pessoas buscam respostas favoráveis e se essas não o forem, então aí elas preferem ignorar qualquer modo de verdade e eu era exatamente assim, recebi algumas mensagens de amigos que buscavam me motivar:
"Hey! Cara… Você é um acadêmico nota mil, se não fosse por você não teria passado o semestre, enfim, vai lá! Arrasa com eles! Você é incrível e vamos sair para comemorar.
-André".
"Acredite e você pode conseguir tudo que deseja. Eu acredito em você, filho.
-Mamãe".
"Ei! Fiquei sabendo que vai publicar um livro ou conto, sei lá! Só queria te dar os parabéns.
- Ju".
"Todos do clube estão torcendo por você, vai dar tudo certo, você é incrível e nasceu feito, assim como o Velho Safado diria.
- Gabi".
Respondi minha mãe, tentei parecer animado, mas, na verdade, o meu acervo de argumentos animados estava escasso, queria pelo menos retribuir toda a credibilidade que ela conferia a mim, porque no fim das contas, sempre temos aquela pessoa que nos vê com os olhos mais esperançosos, alguém que acredita em você mais do que si próprio. Apenas li as outras mensagens, desliguei a tela do celular e fui até o espelho do banheiro, estava com olheiras, como sempre, o rosto pálido e com aspecto doente, apesar de que a feição estava em um corpo completamente saudável. Pensei: “nem sempre… Nem sempre conseguimos mostrar a verdade que há dentro da gente”. Escovei os dentes, joguei uma água no rosto, fui para o sofá e peguei uma xícara de café. Esperando, abri o notebook e fui conferir os resultados.
“Ah, Deus, por favor… Que eu tenha pelo menos os requisitos mínimos para ser notado, porque eu preciso disso, porque preciso ser acreditado”.
Nessas horas de desespero o coração se aperta. Você se enche, em um súbito de esperança, embora incompleta e acontece aquele lance do coração em turbilhão, de sentimentos querendo, suplicando e acreditando mais uma vez. No entanto, sua cabeça, sua parte racional e, no meu caso, completamente pessimista, tenta te puxar para a realidade, tenta te manter no chão, evitar a queda, bom… Pelo menos ela tenta!
Demora alguns segundos para a página carregar. Tomo mais um gole de café, buscando domar meu coração em um espanto de desobediência. Finalmente a página abre, fecho os olhos, aperto-os com força e vou abrindo-os devagarinho:
"Não classificado".
Leio. Minha boca se contrai e aperto ambos os lábios. Meu maxilar trava e minhas mãos perdem a força. Era isso, estava ali, em curta frase, termo direto e em negrito, não havia me classificado, havia cento e trinta e seis lugares e os abaixo disso seriam desclassificados…
Posso até imaginar o que minha mãe diria:
" Mas, filho, quem garante que você não foi o colocado 137?".
Ninguém garante, mãe, mas nas regras do mundo os colocados abaixo não possuem nem ao menos um lugar destacado, não possuem reconhecimento, só os que cabem no rótulo, apenas aqueles cento e trinta e seis serão realmente observados… Porque o mundo e a maioria das pessoas vivem por números, vivem por lugares, por curtidas, por likes e eu não os julgo, porque todos nós estamos em uma guerra constante por aprovação, sou um deles, reconheço isso… Só que, nesses momentos, acabo me questionando: quais são os critérios mundanos? Se todos estão brigando por um lugar lá na frente, como pode haver apenas um critério julgador se somos todos pessoas tão diferentes?!
"Você é bom demais para eles, continua tentando, algum lugar vai reconhecer seu verdadeiro valor".
Realmente, mãe! A única capaz de reconhecer meu valor é você, porque nem eu mesmo continha na mente a crença de que seria realmente bom, escolhido. Posso ter tido esperança por um segundo ou dois, mas a crença mesmo, a cega crença de que sou bom, ah isso eu deleguei aos outros. Sei que é errado, mas eu deixei com eles, coloquei a placa no pescoço e busquei ser classificado, catalogado e quem sabe aprovado, me desculpa por ter falhado, mãe.
Fechei o notebook. Jurei, naquele momento, jurei com forças e sem lamentos, jurei nunca mais escrever e se a Gabi me visse neste momento ela com certeza daria risadas ou ficaria boquiaberta. Pois é, também sou um ser humano no final das contas, cansei de brigar, cansei de gastar minhas frases, cansei.
Decidi voltar para a cama, ficar um tempo no quarto escuro, escutando Wagner, o violinista preferido de Nietzsche. Acho que Nietzsche também deve ter se sentido um completo fracasso e agora ele deve rir, pensando que morreu doido e doente e ainda depois de anos o seu nome ecoa na mente de tantas pessoas. Pelo menos você não foi esquecido. Recebi diversas mensagens em meu celular, visualizei algumas e ignorei todas. Eram de amigos, de colegas e do meu pai, todas convidaram-me a realizar alguma tarefa, seja sair, seja conversar ou seja atender à ligação, essa referente à mensagem de meu pai e suas cinco chamadas perdidas. Sinto muito pessoal, hoje não quero encarar nada, pelo menos nada que seja real e vocês, com suas vidas sociais, com seus sorrisos, com seus ares leves e risos alegres, vocês com toda essa atenção voltada, querendo saber se estou bem, se aconteceu algo ou se não aconteceu nada… Todos vocês são reais demais para mim.
É, às vezes eu afasto as pessoas… Às vezes afasto o mundo, afasto tudo, porque simplesmente não posso me afastar de mim, não posso abrir a porta e ir embora, muito menos bater os pés, ignorar um pensamento como ignorei uma mensagem, não posso dispensar minha imagem como dispenso compromissos… Simplesmente não posso fazer tudo isso.
Descobri que queria escrever com poucos anos de idade. Sempre tinha uma história em mente e depois da descoberta de que poderia eternizá-las no papel, isso se tornou a minha coisa, a coisa que fazia todas as outras perderem o sentido, porque aí eu descobri por qual caminho queria seguir, qual seria o meu lugar… Ninguém me disse que seria fácil e nem eu esperava isso, então quando levantei de novo da cama com uma ideia para um novo conto, peguei o papel e comecei a rascunhar sem me importar com nada, apenas registrar tudo aquilo que sentia, talvez algumas coisas que tenha dito para a Gaby sejam realmente verdades, por prova, lá estava eu fazendo exatamente o que tinha acabado de jurar nunca mais fazer.
"Você pode ser bom em tudo, você pode ser o cara que domina o mundo, mas se dominar o mundo não for o que você quer fazer, se não for a sua vocação, sinto muito, mas será tudo em vão, você vai sentir o peito vazio no meio da noite do mesmo jeito".
De Bernardo para Bernardo.
Sobre a Autora:
Uma autora independente que gosta de escrever tanto quanto de respirar, participou de varias antologias e foi uma das dez finalistas no concurso "cuenta me un cuento" de 2020. Também participou da antologia anjos caidos da dar books, onde o livro esta na amazon com o conto intitulado: "o testemunho de Delphin". Foi selecionada para o a antologia Teleportados com o conto: " Por de trás da pálpebras", no entanto não participou na formação do livro. Uma escritora inovadora, aspirante a poeta e muito concentrada em sempre dar o seu melhor, buscando uma oportunidade de provar o valor de suas palavras.
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