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TRINTA E UM DIAS - Parte 1 (Bernardo) - 9º dia

Capitulo Parte I BERNARDO

Nono dia

Era tarde. Na verdade o sol do meio-dia, porque tarde mesmo só era para aqueles que já cumpriram a rotina de almoçar e depois repousar na sala, sentindo o cansaço preencher o corpo, a vontade de dormir, mas os afazeres na completa premência de serem feitos, por este motivo prefiro não usar o termo tarde, porque alguns de nós estão abastados demais para vivenciar esse momento Era o sol do meio-dia e estava no banco do passageiro do carro, olhei para fora, vi algumas aves presas e expostas para as pessoas. Todos poderiam passar por ali e julgarem-nas, poderiam querer a mais bonita, a mais vistosa, porque a humanidade gosta de rotular tudo, até mesmo as belezas singulares e diferentes. O carro parou no sinal, continuei fitando as aves, elas estavam quietas, sem grandes movimentos, repousadas como se já tivessem desistido da própria liberdade, não sei se elas estavam cantando, o barulho do trânsito as coibira e, por um momento, quis que elas fossem livres, desejei abrir aquela gaiola, desejei que ventasse bem forte e elas conseguissem a própria liberdade.

Então o sinal abriu, o carro arrancou e eu logo pensei: “Às vezes é melhor estar preso, porque a liberdade pode ser a pior forma de veneno”.

— Cara tá me ouvindo?

— Hum?

André estava falando extremadamente hoje, enquanto dirigia rumo à faculdade e eu apenas escutava, porque às vezes o barulho dos outros acaba sendo melhor que o nosso próprio barulho interno. Às vezes, os pensamentos que habitam minha mente, levam-me rumo ao inferno.

— Bernardo? Está me ouvindo?

— Sim.

— Então o que eu acabei de perguntar?

Ele balbuciava algo sobre a faculdade, reclamando, talvez, mas se juntar isto ao fato de estarmos em semana de provas, pela lógica poderia-se concluir com facilidade que o caos beirava a semana de avaliações do curso superior. Decidido, respondi-lhe:

— Não estudou para as provas?

A melhor forma de se evitar uma indagação da qual você não está inteiramente a par, é indagar-lhe de volta. A maioria das pessoas estão acumuladas, o tempo todo, como se mãos invisíveis apertassem-lhes a garganta. São as palavras que foram sufocadas, elas continua ali porque… Os sentimentos precisam ser ditos, ou eles acabam te inundando por dentro. Era isso, ele tinha a deixa para desaguar tudo em cima de mim, porque eu poderia enfrentar até mesmo o mar mais violento, com suas ondas repletas de argumentos, inseguranças e lamentos, poderia segurar tudo quanto ele tivesse para despejar, entretanto não aguentaria nem mais um segundo, no meu íntimo, mar morto, sentimento ínfimo!

André voltou a falar sobre as provas e depois sobre como ele sentia falta de um amor, algo que realmente fosse verdadeiro. Lembrei-me de uma conversa antiga que tivemos, eu já sabia de tudo aquilo, porém é diferente, o tempo é singular de pessoa para pessoa e o tempo dele havia chegado. Fiquei contente por estar ao seu lado, ouvir-lhe os papos baratos de sempre, já estava me deixando preocupado.

Às vezes você vai estar cheio de si mesmo e, por um tempo, vai ficar fugindo de tudo aquilo que possa tornar-te o centro das atenções, porque ninguém foi feito para assistir o próprio espetáculo, mas mesmo assim, gostamos de sentar na plateia para evitar todo o desgaste de se atuar em público:

— Me disseram que não tenho oportunidades nessa vida e que ganho tudo de graça...

Essas eram as palavras de André, um amigo, uma pessoa que conhecia há pouco tempo e isso não significa que o conhecimento vem como inquilino do tempo. A verdade é que ninguém sabe como o outro é por dentro, sabemos apenas aquilo que vemos e, às vezes, só vemos o que querem nos mostrar. Conhecer alguém é saber um mínimo de um turbilhão de sentimentos, emoções, intenções, ações, então eu acho que o conhecimento sobre outra pessoa, se acreditar nele, é uma das formas mais devastadoras de se enganar. Então tomei aquelas palavras e respondi da forma mais sincera que consegui:

— E quem sabe mais sobre você, eles?

— Não é isso, Bernardo! Eu sei dos meus problemas, da minha vida e de tudo que já lutei para conquistar, mas desanima cara… Você vive uma guerra o tempo todo e alguém chega dizendo que a única coisa importante que você fez, foi continuar tentando e não morrer…

Não era do feitio de André conversas intensas, ele era sempre a parte risonha e altiva, como se não levasse nada a sério da própria vida. Olhar para ele e vê-lo com aquele olhar apático e triste, o rosto apagado como de quem apenas existe, fez-me questionar se as aparências são o que são de fato, ou apenas são o queremos enxergar.

— André, se orgulha cara! Tudo o que você já viveu e enfrentou... Não deixa uma opinião alheia mudar ou tirar a glória de você.

— Sabe, Bernardo, opiniões, mesmo que pequenas, são como bagagens e, de acordo com a passagem das pessoas, elas vão se acumulando e você pode lutar, mas ninguém é cem por cento forte e impenetrável o tempo todo, algumas vezes alguém vai te pegar naquele dia bem lixo mesmo e vai falar alguma coisa, pode ser até algo estúpido sobre seu corte de cabelo, sei lá… E você vai ouvir aquilo como se fosse um tiro no peito, bem certeiro no seu orgulho, no seu coração. Porque você já vai estar em um dia bem merda e aquela pequena atitude de quem achava que estava contribuindo com algo, aquele pensamento não requerido, vai causar alguma coisa, pode não ser um estrago, porém vai te mostrar que as opiniões, as opiniões cara, aquelas que estavam ali o tempo todo… Elas vão começar a pesar!

Estranho foi ouvir ele falar tudo aquilo, coisas que eu já sabia e já lidava, mas foi estranho ver como a voz dele embargava à medida em que falava. Sempre achei ele um cara livre, seja dos comentários, das opiniões e de tudo que fosse contrário à felicidade dele, mas como eu disse, acho que projetei no André algo que eu idealizei, a verdade é que ninguém é imune o tempo todo, somos, algumas vezes, tão frágeis quanto o vidro temperado que por muito tempo já vinha sendo desgastado!

Esperei dizer alguma coisa, esperei que minhas palavras pudessem sanar aquele embate emocional do meu amigo e então fixei ele olhando para frente enquanto dirigia, maxilar trincado e olhos vermelhos, as mãos apertando o volante de forma firme. E foi ai que percebi uma coisa: “Até para as pessoas que falam demais, falar pode ser difícil e, em alguns momentos, a melhor forma de se aconselhar alguém é ouvi-lo”.

 

Sobre a Autora:

Uma autora independente que gosta de escrever tanto quanto de respirar, participou de varias antologias e foi uma das dez finalistas no concurso "cuenta me un cuento" de 2020. Também participou da antologia anjos caidos da dar books, onde o livro esta na amazon com o conto intitulado: "o testemunho de Delphin". Foi selecionada para o a antologia Teleportados com o conto: " Por de trás da pálpebras", no entanto não participou na formação do livro. Uma escritora inovadora, aspirante a poeta e muito concentrada em sempre dar o seu melhor, buscando uma oportunidade de provar o valor de suas palavras.


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