Olhando pela pequena sacada do apartamento na praça Pedro Lessa, Agatha observava uma mulher, sentada a vários dias na mesma posição no centro da praça. Pode ser uma nova moradora de rua.
Juntou alguns pães, uma porção de cuscuz, uma xícara de café e desceu ao encontro da desconhecida. Agachou-se e estendeu o prato.
— Obrigada, moça.
— Tem dias que tu está aqui e não te vi comendo.
— É.
O olhar não negava o espanto com os hematomas percebidos no corpo da mulher, que comia o cuscuz com um brilho no olhar.
— Qual o seu nome? — Perguntou a advogada.
— Sônia.
— E tu é de onde?
— Não sei.
A mulher respondia com o olhar distante e desatento. Focava no infinito e falava mansamente, como se refletindo ou imaginando.
— Você está perdida? — Continuou a advogada.
— Talvez.
— Então você mora na rua?
— Talvez.
— Não estou entendendo.
— Ele ficou pra trás.
— Ele quem?
— Finalmente.
— Quem? Seu marido? Filho?
— Eu olhei pra trás e vi os chifres de quem levou ele.
— Como?
— Ele caiu e eu saí. Olhei pra trás e vi quem carregou ele.
— E quem foi?
— Não sei. Só vi os chifres.
— Oxe. Era um bicho?
— Era homem.
— Quem levou ou quem foi levado?
— Os dois.
A confusão na cabeça de Agatha não a deixava chegar a outra conclusão senão a total falta de sanidade mental de Sônia, se é que esse era mesmo seu nome.
Voltou ao apartamento e ligou para Mello Sá.
— Tem uma mulher aqui na praça há alguns dias.
— Moradora de rua?
— Não sei. Levei um café pra ela e conversei um pouco, mas a bichinha está mais perdida que padre em cabaré. Não fala coisa com coisa. E está bem machucada.
— Mas não deu nenhuma informação?
— Disse só o nome, Sônia. E ficou falando de um homem com chifres que levou outro. Fiquei em dúvida se era corno ou demônio.
— Mas o que você viu nela pra essa preocupação?
— Nada. Só estranhei. A bichinha ali no meio da praça, magra que só o sibite baleado, o corpo só o hematoma, falando lé com cré.
— Acha que ela pode ser vítima de alguma coisa?
— Pode ser, sei lá.
— Vou verificar alguns boletins recentes.
Dois dias se passaram e Agatha, sempre ao chegar em casa, se debruçava na sacada a observar Sônia. Continuava do mesmo jeito, sentada no mesmo lugar, olhando para o infinito. No terceiro dia, Mello Sá ligou pela manhã.
— Um pouco mais cedo e me pegava de camisola.
— Pena que não liguei mais cedo, então.
— Descobriu alguma coisa?
— Foi complicado, mas achei um caso com o delegado da 100ª DP, no Jardim Herculano. Um homem foi encontrado morto na casa onde morava com a esposa, Sônia.
— Será que é ela?
— O delegado me informou que os vizinhos alegaram ouvir brigas cotidianas.
Enquanto conversavam, Agatha andou até a sacada a fim de avistar Sônia.
— Espera. — Disse, interrompendo o delegado. — Ela está deitada.
— É cedo, deve estar dormindo.
— Não, eu já vi ela outros dias nesse horário e ela estava na mesma posição de sempre. Vou lá ver o que aconteceu.
Saiu do apartamento com a delegado no celular. Atravessou a rua e chegou até o corpo deitado de bruços na praça. Frio e inerte.
— Eu acho que... — Suspirou profundamente — Já foi ao encontro do marido.
Quase uma hora depois, o IML recolhia o corpo na praça, enquanto Agatha encolhia o rosto entristecido no peito do delegado Mello Sá.
— Será que teremos alguma resposta?
— Não sei. Mas até então a única resposta que temos é talvez.
Capixaba natural de Ecoporanga, atualmente residindo em Feira de Santana-BA; estudante de Pedagogia, escreve desde criança. Apaixonado por café, criança, história, arte e cultura brasileira. A Arte de Viver foi sua primeira novela publicada, além da coletânea Contos Oh! Ríveis, de humor, estando presente em coletâneas de contos e poemas do Projeto Apparere e contos disponibilizados na Amazon.
O gênero policial vem sendo seu novo foco na escrita, explorando a temática familiar, um prato cheio para discutir as relações da sociedade e refletir sobre as atitudes passionais.
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