— Eu não beijo no primeiro encontro!
— Mas, você acaba de me fazer um oral, e...
— Desculpe, é um hábito antigo. É difícil de mudar...
— Fazer sexo oral no primeiro encontro??
— Não! Eu não beijo no primeiro encontro. Esse é o meu hábito antigo. Além do que, o que é sexo oral, hoje em dia? Todo mundo faz.
— Todo mundo beija, também!
— Eu, não. Por que tenho que ser igual a todo mundo?
— Mas eu não disse...
— Pssst! O que foi isso?
— Isso o que?
— Esse barulho.
Ela se recompõe: fecha o decote, aberto até abaixo dos seios, devolve a minissaia ao seu lugar, bem abaixo de onde estava, voltando a quase esconder a calcinha preta. Ele, desconfiado, fecha o zíper e segue em seu encalço, rumo à saída do beco. E tenta tranquilizá-la.
— Não é nada!
Atônito, ele assiste ao inesperado. Ela sai correndo para longe, rápida como um raio, e se perde na escuridão. Ele olha em volta, temendo um ataque sabe-lá-de-quê. Nada lhe ocorre, nada o surpreende. Para onde ela foi? Ele não sabe. Nem quer saber. Ela é linda, pensou. Mas não era muito hábil nas carícias. Sim, "carícias", aqui, é um eufemismo para boquete. Pronto, falei. Satisfeito? Satisfeita? Deixe-me retornar à estória, sim?
Ele resolveu voltar à boate. Não. Não havia dado certo. Iria a algum bar.
Para sua surpresa, algo metálico, ou pelo menos bastante gelado, toca-lhe a nuca. Uma arma, é lógico, pelo som que ela fazia. Era algo assim:
— Bora, cara, passa o celular, a carteira, passa a grana, passa tudo!
— Tudo bem, tudo bem. Calma, cara, eu vou dar tudo o que tenho aqu... peraí! - põe as mãos nos bolsos, e nada de celular. Nada de carteira, também. - Aquela pilantra!
— Bora, passa pra cá, legal! - E enfia a mão nos bolsos do jovem rapaz.
— Ela levou minha carteira. E meu celular, também.
— Não olha pra mim! Ela o quê?
— É sério, pode revistar! Aquela filha da puta!
— Ha, ha! Então, você caiu, mesmo, no velho truque do boquete no beco escuro?
— Velho?
— Tá bom, tu é mesmo um bestão. Vem cá, que eu te pago uma bebida!
— Você o quê?
— Vem, tô falando sério. Essa história eu quero ouvir!
Nosso amigo olhou para aquele homem, negro, alto, forte, segurando uma barra de ferro. Um pedaço serrado de encanamento metálico, para ser mais preciso. Vendo o seu olhar, o homem-armário respondeu prontamente.
— Fazer o quê? A gente tem que comer, levar a vida, antes que a morte leve a gente.
No bar, o negão (ou o afro-descendente, se você prefere algo mais politicamente correto) pediu uma cerveja. Contou que costumava ser estivador, mas agora as máquinas faziam todo o seu trabalho, sem cobrar tanto em troca. Ele ficara sem renda, mas não tinha coragem de machucar uma mosca. Aí, lhe veio a idéia de tentar uns assaltos, com o pedaço de cano, para ver se colava. Mas não era a sua praia, não.
— Mas eu não tô aqui pra falar de mim, não. Conta a tua história! - E o jovem rapaz contou, tintim por tintim. - Mas, pelo menos, ela era boa, né?
— Boa, boa toda! Estava com uma sainha bem curtinha, de jeans, dava para ver a calcinha provocante, preta... blusinha pequena, mostrando a barriguinha... um pecado!
— Quer dizer que o produto é de qualidade... Mas eu tô falando do serviço. Se ela era boa no... você sabe...
— Ah, o bola gato? Nada! Nem compensou o que levou...
— Sério? Pois, tá começando a parecer familiar.
Por uma razão misteriosa, inexplicável, ela entra no bar. Sim, ela mesma. Totalmente recomposta: batom retocado, cabelos penteados, segue em direção do negão, sem reparar no jovem, de costas e agora sem sua jaqueta. Quando ela dá uma bitoca no negão, o rapaz se dá conta de que é ela mesma.
— Demorei, amor?
— Um pouco. Fez hora extra de novo, meu amor?
— É... a patroa recebeu aqueles amigos estranhos podres de ricos, de novo.
— Deixa eu apresentar o meu amigo.
Ao vê-lo, ela ficou estatelada. Mas não disse nada. Ele, tampouco, arriscou abrir a boca. Aliás, estava aberta, mas caída, muda, silenciosa, a sua boca. Ele temia pela reação do armário humano, quando soubesse das "carícias" que recebera da sua namorada.
— Você é novo por aqui? - ela perguntou.
— Estou de passagem.
— Ele caiu no velho truque do boquete, amor. Dá pra acreditar?
— E ainda tem quem caia neste truque, benzinho?
— Pelo jeito... Talvez você saiba mais do que eu...
Ele sabia. É claro que sabia! E não parecia aprovar muito.
— Gente, eu acho melhor eu ir embora. Curtam a noite, e...
— Peraê, toma tua cerveja. Já pedi, considere paga, não vou perder o dinheiro, não!
O jovem olhou para a garota. Seu namorado questionou seu silêncio.
— Você está tão quieta, hoje, meu amor... Não tem nada para me contar, não?
O rapaz estremeceu.
— Só estou cansada, benzinho. O dia foi difícil.
O rapaz olhou para a cínica. Onde estariam suas coisas, agora?
— Benzinho, vamos embora?
— Tá bem. Pede a conta, que eu pago quando eu voltar do banheiro.
— Eu pago! - ela respondeu prontamente.
O jovem começou a ficar irritado. Era muita cara de pau. Ela ia pagar sua cerveja com o dinheiro que lhe tinha roubado. O negão armário foi ao banheiro.
— Cadê meu dinheiro?
— Vai pagar a sua cerveja.
— Eu tinha muito mais.
— Ops... não sei onde está...
— Vamos, passa o meu celular, agora!
— O seu o quê?
— PASSA O CELULAR E A CARTEIRA!
Neste instante, todos dentro do bar olharam para ele. Voaram celulares de todos os lados, em sua direção. E carteiras, também. Ela lhe entregou as suas chaves, que levara por acidente. Ele, surpreso, não sabia o que fazer. Ouviu, ao longe, uma voz falar, sussurrando:
— Alô, é da polícia?
Olhou em volta, todos assustados.
— Não, eu só queria o meu, que ela roubou! - claro que ninguém acreditou que aquela doce moça poderia tê-lo roubado - Vocês sabem, o truque do boquete...
Uma senhora tapou os ouvidos de um garoto, a única criança do ambiente. Todos olharam para ele com ar de reprovação. Um único rapaz parecia acreditar nele.
— É verdade! Eu sabia que te conhecia, sua safada!
Mas, apenas a esposa deste rapaz ouviu o comentário, o que lhe renderia um bom divórcio. As pessoas já haviam se amotinado contra o seu aparente algoz, seu assaltante. Ele pegou o que pôde, uns seis celulares e uma porção de carteiras, e saiu correndo. Ao longe, já se ouvia do bar o som de uma sirene, mas ele já entrava, finalmente, no carro.
Saiu da cidade, pensando. Não tinha mais seu celular, mas tinha um idêntico. Ia recuperar o número e... Justo o telefone semelhante ao seu tocou. Era o negão.
— Com o quê eu vou pagar a conta, agora, palhaço? Ela te devolveu tudo!
Ele não entendeu. Ou não sabia o que entender. De vítima, virou assaltante. Não sabia porque havia levado todas aquelas coisas, mas pegou o dinheiro das carteiras e as jogou todas na rodovia. Os aparelhos celulares também ficaram no caminho. Perdeu um bom emprego, na certa, mas não voltaria mais àquela cidade de malucos.
Seis meses depois, ainda recebia mensagens apaixonadas da moça. Ela queria lhe dar um beijo, ao menos. Ele apenas respondeu que seu boquete era muito, mas muito ruim, mas ela prometeu melhorar. E jurou que ainda se casaria com ele.
Pablo Gomes, dezembro de 2009
Magistral, parabéns meu caro.
Pablo, eis um texto divertidíssimo com uma excelente virada. Parabéns!
Bom texto