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É, parece que o tiro saiu pela culatra - Parte 1

― Alô? ― disse uma voz feminina. Parecia de uma mulher madura, dessas coroas bem conservadas.

― É o seguinte, moça, teu filho tá aqui comigo. Tu vai fazer tudo o que eu mandar direitinho, senão eu vou enfiar uma bala na cabeça dele ― ameaçou o menor infrator.

― Oh, não! ― disse a moça. ― O que farei? Ai, de mim!

O menor infrator, Raul Santos, também conhecido como Pistola, achou que aquilo era algum tipo de chacota e ficou puto. Era a sua primeira vez fazendo aquilo e queria se sair bem. Jamais admitiria que tirassem sarro dele.

― Escuta aqui, sua vaca! Seu filho tá bem aqui do meu lado e o cano da minha pistola tá apontado bem na testa dele. Fala com sua mãe, filho da puta! ― Ele aproximou o fone para o seu comparsa, Lucas Mendonça, cujo bigode, assim como o dele, era nada mais do que uma faixa preta desbotada. Este começou a fazer uma voz que não era muito diferente da própria, apenas um pouco mais aguda:

― Mamãe, me ajuda, por favor! Pelo amor de Deus, mamãe! Dá tudo que eles tão pedindo! Por favor, moço, não me machuca!

Era uma atuação emocionante.

Raul trouxe o fone de volta para si.

― Entendeu agora, mulher?! O papo é o seguinte: ou você me dá 5.000, ou…

Do outro lado da linha, houve um som de escárnio. Não uma voz embargada pelo choro, mas um som alto e claro de escárnio. Foi breve, mas ele tinha ouvido. Era aquele som de zombaria, quando alguém quer rir, mas se segura ao máximo e acaba deixando escapar um pouco pelos lábios apertados.

“Puta merda”, pensou ele. “Ela perdeu a noção do perigo?!” Estava embasbacado. Mas se recuperou.

― Mulher, tu ficou maluca? Tá doidona? Fumou? Cheirou? Porra, não te dei as confiança’ pra tu ficar tirando onda com a minha cara! Agora presta atenção! E não liga pra polícia.

― Ai, moço, desculpa, pode falar ― disse a vítima. Embora ela tivesse acabado de se desculpar, alguma coisa no tom da sua voz insinuava que ela ainda estava zombando dele, como se estivesse tentando levar aquilo a sério.

“Ah, não”, pensou Raul. “Essa coroa tá querendo levar a melhor em cima de mim!” Tentou se acalmar, ainda era muito cedo para se desesperar.

― Você vai no banco e vai tirar cinco mil, entendeu? Cinco mil. Teu filho tá aqui comigo e… ― “Ela não falou o nome do filho. Tá certo, se acalma. Apela pro choro de novo.” Ele aproximou o fone do amigo mais uma vez, que se superou no drama fingido. ― E ele tá mijado e cagado!

Silêncio do outro lado.

― Tu tá brincando comigo, minha senhora? Tá achando que eu sou palhaço? De agora em diante, é assim que vai funcionar: a cada gracinha que você fizer, seu filho vai perder um dedo. Tu quer ver o eu filho sem dedo nenhum, porra?!

― Meu filho não tem essa voz de criança indefesa, moço ― disse finalmente a mulher.

― Como é que é?

― Meu filho nem homem é.

“Merda! Ok. Vou desligar. Já era.”

Ia desligar, quando do outro lado a risada finalmente desatou. Era aguda e sinistra, quase como um choro de cachorro e aumentava gradativamente, até que atingiu um estado de risada berrada. Raul ficou perplexo ao ouvir àquilo ― algo entre a irritação e o choque ―, em outras palavras, embasbacado.

― Sua v… ― tentou dizer, mas foi interrompido por um “shhh”.

― Estamos com sua mããããe ― cantou a mulher histérica.

Aquilo bastou para atiçar sua fúria.

― Tu não vai falar assim da minha falecida mãe, sua filha da…

― Socorro, filho!!! ― gritou outra voz que parecia afastada. Não muito, mas afastada.

― M… Mamãe? ― Uma sensação avassaladora o percorreu de baixo para cima. Primeiro suas pernas ficaram instáveis, depois seu estômago se retraiu; seus beiços começaram a tremer e seus olhos se arregalaram.

― Filho, me ajuda, pelo amor de… ― Um som inconfundível de osso fraturado. ― AHHHHHHHHHHH!!!!!

― MAMÃE!!!!

― Nós estamos com a sua mamãezinhammmm! ― A voz agora tinha se transformado em uma versão plagiada daquele diabo afeminado ― ELE ― do desenho As Meninas Superpoderosas. No entanto, apesar de afeminada, parecia ser masculina ao mesmo tempo, como se duas vozes, uma grave e uma aguda, viessem da mesma pessoa. ― E se você não vier aqui agoramm, ela vai queimar no inferno! ― A palavra “inferno” saiu igual a voz pitoresca grossa do ELE.

Ela (ou ele) começou a rir exatamente como no desenho: Ihhh-hi-hi-hi-hi-hi!!!

― Por favor, senh… senhora. Deixa minha mãe…

― Quietsinho, meu amorzinhommm. Sua mãe está aqui ― disse o demônio-mulher, desta vez com uma voz grave. ― Nós estamos todos aquiiiiiii… ― O som da voz se tornou gutural, começando como uma moto na marcha mais leve. Baixo. À distância. Em seguida começou a aumentar, como se a moto estivesse se aproximando, mas ainda na marcha mais leve. Gradativamente foi aumentando, aumentando e aumentando, passando das marchas mais leves para as medianas, depois para as mais grossas. Então, calou-se. Raul segurava o fone praticamente grudado na orelha. Suas mãos tensionadas; suor escorrendo da sua testa para as suas têmporas. De repente, um rugido alto e muito próximo, como se a moto tivesse passado bem ao seu lado. Sentiu seu ouvido doer e afastou o fone com um “argh!”. Um apito começou a zumbir naquele ouvido. Ele passou o fone para a outra orelha. Havia apenas estática. Isso durou por quase cinco minutos, o que deu tempo a Raul de se acalmar um pouco. Quando ia desligar, uma voz sussurrada começou a sair do fone. Não. Várias vozes sussurradas. Cada uma falando uma coisa. “Não desligue, Raul.”, “Venha, Raul.”, “Sim!”, “Encontre-nos.”, “Sua mãe…”, “mãe…”, “mãe…”, “está aqui…”, “aqui…”, “aqui…”. “Seu nome é Maaaartaaaaa….”. Os sussurros tornaram-se apenas um, que foi diminuindo até não haver mais nada.

Raul olhou para Lucas, percebendo que até agora tinha esquecido seu parceiro de cela, o único que passara todos aqueles sete anos ajudando-o a se defender dos valentões nas ruas e na escola pública, intercalados com os sete em que entrava e saía de sucessivas medidas socioeducativas. Ele lhe fez uma pergunta, e, apesar do zumbido alto, Raul conseguiu ouvi-lo: “O que foi? Quem é?”

Raul pôs no viva-voz.

Não havia som algum.

― A… puta… disse que tá com a minha mãe.

― E você acreditou nela?

― Cara ― disse Raul, começando a choramingar. ― Ela sabia o nome da minha mãe.

Lucas olhou para a janela do quarto de Raul. Estava aberta. “Será que estão nos vigiando?”, pensou. E a fechou.

 

Pablo Vieira Neves nasceu Rio de Janeiro, onde viveu até os 14 anos. Vive em Varginha-MG, desde então. Inspirado em um jogo de videogame chamado Alan Wake, passou a escrever. Escreve desde então por diversão. Publicou em no Wattpad (conta deletada, atualmente), no Recanto das Letras e também publicou em uma feira literária, em Varginha.

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No Twitter: @neves_vieira

No Facebook: @paulo.alef.75

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