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É, parece que o tiro saiu pela culatra - Parte 4

Antes de ter continuado pela rua do seu bairro, voltou para casa e pegou sua mochila. Parou na casa de um conhecido que vendia certas… ferramentas… por um preço bacana, e o melhor de tudo era que não precisava ser maior de idade para adquiri-las. Comprou um alicate grande, daqueles de cortar correntes e uma pistola comum de 9mm com lanterna acoplada. Guardou os dois na mochila. Havia passado também na vendinha da Igreja e comprou uma medalha das duas cruzes. Não que acreditasse que enfrentaria um demônio, mas, graças aos eventos da sua infância, tornou-se religioso e algo em sua mente o alertou para a possibilidade de estar enfrentando uma pessoa sob a influência do mal. Ele fez o Sinal da Cruz e prosseguiu, sempre seguindo o zumbido.

Ele seguiu por toda a rua de terra que atravessava Estouro Vermelho e saiu numa rodovia que passava por baixo de um viaduto. Subiu as escadas que davam para uma passarela larga que ficava entre o nível da rodovia e o do viaduto; a passarela era iluminada por pequenos postes de luz, pois ficava muito escuro à noite. Ao chegar do outro lado, desceu mais um lance de escadas que terminavam numa calçada que era o vértice de um quarteirão cercado. A cerca era alta e provavelmente afiada nas pontas, mas nada que o alicate que comprara não pudesse resolver. O cheiro ali era insuportável, mas Raul ignorou o fedor e, com o alicate, abriu um meio círculo na base da cerca (os carros que viravam na rua do bairro depois daquele quarteirão nem sequer paravam quando o viam, pois sabiam se tratar de uma área de sem tetos e viciados. Mas o que especialmente os amedrontava era a enorme casa de madeira que havia no lugar, quase como um gigante no meio do oceano, encarando o nada da rodovia sem vida).

Nem sequer passara para o outro lado da cerca e já pisou em uma poça de… o que era aquilo? Bosta? Xixi? Vômito? Porra? Ele pensou que poderia ser a mistura de tudo isso. Não importava. Precisava salvar o seu amigo e resolver o mistério sobre a sua mãe. Seja lá qual fosse o psicopata, ele estava pronto para enfrentá-lo. Largou a mochila com o alicate ali mesmo, na calçada. Continuou andando pelo solo infrutífero do ambiente inóspito. “Este lugar costumava ser um aterro sanitário, não era?”, pensou ele. “Deve ser por isso que fede tanto.” A área era imensa, cobria quase um estádio de futebol inteiro e, devido à ausência de qualquer luz, o céu noturno se tornava uma obra de arte, mesmo que a fetidez atrapalhasse a contemplação. Ele continuou pisando com suas sandálias de borracha e a cada pisada ouvia o barulho de alguma substância aquosa sendo esmagada e se espalhando (SMAAACK!), depois o som da sola da sandália se desgrudando do espaço recém-formado e o conteúdo gosmento preenchendo esse espaço, resultando num CHUUUUP! audível. Raul pensava em todas as imundícies do mundo e se arrependia a cada pensamento, mas não podia evitar de ter tais pensamentos. Apontou a pistola 9mm e o feixe da lanterna acoplada iluminou um casarão de madeira abandonado.

Tinha apenas um andar, mas era muito largo e a fachada tinha quatro janelas ― duas de cada lado da escadinha. A varanda acompanhava a extensão da fachada, e a impressão que Raul teve era de que a casa pertencia a algum caipira americano que um dia já teve uma cadeira de balanço bem ao lado da escadinha da varanda e um cachorro dorminhoco e peidorreiro. Conseguia até imaginar o homem vestido de macacão, com uma espingarda repousada nos braços cujas mãos teriam os dedos entrelaçados; em sua cabeça um chapéu de palha e ele estaria mascando um daqueles matinhos de trigo. Viu que estava se distraindo de novo e sacodiu a cabeça. O zumbido já havia terminado, mas parece que os truques e ilusões implantados em sua mente (Raul julgava se tratar de alguma tecnologia avançada que funcionava até em um lugar remoto daqueles) ainda lhe tirava o foco. Apressou o passo e chegou ao pé da escadinha. Ele pisou no primeiro degrau e transferiu o seu peso para aquele pé, mais para testar se a madeira era estável e se iria aguentá-lo do que por medo. Viu que era seguro e subiu os próximos degraus. Antes de entrar, ele passou o facho da luz por todas as janelas e viu que eram cômodos quase vazios, com um móvel ou outro mofando lá dentro. Achou estranho aquilo, mas nem queria se perguntar como o lugar ainda se mantinha de pé. Ele tentou empurrar a porta, mas parecia estar travada. Forçou um pouco, mas ela continuou firme. Deu um chute e ainda assim ela resistiu. Então tomou o máximo de distância possível e correu com tudo até ela, o ombro já posicionado para arromba-la. No momento em que se chocou contra a porta, ela caiu. Não se abriu com força, mas caiu de uma vez no corredor escuro e empoeirado com sabe-se lá Deus o quê; Raul caiu junto com ela, de lado, prensando o braço entre o chão e o seu tronco. Doeu de primeira e ficou dormente por um tempo, e Raul teve que esperar até que ficasse bom para movê-lo. Assim que se recobrou o movimento, continuou pelo corredor com a arma apontada. Entrou nos primeiros cômodos à esquerda, mas só viu uns catres sem colchões e uma cômoda preta de fuligem; os cômodos à direita tinham apenas um guarda-roupas pútrido, outra cômoda e outro catre (desta vez com um colchão rasgado, com molas saindo dele e vermes corroendo-o). A podridão do lugar deixava tudo mais escuro do que realmente era. Continuou pelo corredor e checou os últimos quatro cômodos, apenas para encontrar móveis e mobílias apodrecidos. Sua esperança já havia acabado, mas ele sabia que era ali onde estava o psicopata. Foi quando um CRAAAACKKK!!! surgiu debaixo dos seus pés. Ele apontou a luz da lanterna para baixo e viu um craque, no chão, entre eles. De repente, o rachado começou a se alongar para os dois lados do corredor, e Raul se viu encostando-se em uma das paredes, com medo de cair.

Tudo em vão.

A fina brecha começou a se abrir, a casa a sacodir. Agora que estava dividida ao meio, inclinou os dois lados para dentro, fazendo Raul escorregar e cair num breu total. Após isso, a casa voltou a posição normal, o rachado se fechou sozinho e a porta levantou-se, de alguma forma acoplando-se ao umbral de novo.

 

Pablo Vieira Neves nasceu Rio de Janeiro, onde viveu até os 14 anos. Vive em Varginha-MG, desde então. ​Inspirado em um jogo de videogame chamado Alan Wake, passou a escrever. Escreve desde então por diversão. Publicou em no Wattpad (conta deletada, atualmente), no Recanto das Letras e também publicou em uma feira literária, em Varginha.

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No Twitter: @neves_vieira

No Facebook: @paulo.alef.75

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