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Cena 3 - Caso encerrado (Cenas de um Crime)

Atualizado: 7 de dez. de 2020


Créditos iniciais ou Prefácio para quem preferir.

Uma vez ao andar em um trem turístico, não pude evitar ouvir uma conversa. Ao olhar uma casinha fincada no pé da serra, a senhora sentada no banco em frente ao meu, disse: Olha lá, João! Parece casa de pintura. Daquelas que Odete pinta.

Não sei quem é João, nem Odete. Mas o que seguiu na conversa me deixou encafifado. João, perdido em olhares profundos disse: Ali deve ter história.

Narrativas que se cruzam, histórias que não são contadas. Amores, traições, derrotas, vitórias. Coisas que acabam bem. Novelas sem casamento no final. O herói da profecia que falha, o anti-herói sem redenção. Mortes estúpidas. Vidas gloriosas. Tudo acontece ao nosso redor e nem notamos. Nem tudo tem registro ou sentido. Algumas vezes apenas passamos ao longe e vemos uma moça na janela, um menino na rua, uma manchete de jornal. Não há ligação, mas tudo está ligado. Basta olhar com atenção. Ler atentamente. E olhar cada capítulo da vida como quem olha um álbum de retratos velhos e imagina o antes e o depois do abrir e fechar do obturador. Leia o texto a seguir com esses olhos. Olhar de quem imagina e enxerga além da fotografia. Divirta-se.



CENA 3


Abri o e-mail. Como sempre, me iludi com a possibilidade de receber um convite para uma reunião de qualquer sociedade secreta. Ainda lembro-me da fotógrafa do Jornal do Brasil que recebeu um convite para o aniversário de Hitler; virou até documentário do National Geographic. Deixa para lá... Isso já foi contado.

Um e-mail chamou minha atenção. Era do Major da Polícia Militar. Ele sempre me enviava alguns dados sobre a segurança da região, mas esse não. Convidava-me para uma visita ao quartel da polícia militar. Que assunto iria tratar? Não deveria ser sobre dados de patrulhamento.

No caminho liguei o rádio. Uma música antiga tocava e foi interrompida para o locutor reportar um crime. Ele parecia não ter muitas informações ainda, mas falava que corpos foram encontrados em um posto de gasolina. Parecia que, uma viatura da polícia militar, ao atender um chamado para verificar um carro abandonado no local e ao examinar o veículo, descobriu um corpo no porta-malas e vários outros em um tanque. Nossa! Se a cidade do crime não fosse longe eu iria, mas meu jornal não me permitiria deslocar até lá e teria que pagar do meu bolso... Além de ficar inviável, até chegar lá já não seria mais novidade. Bom, vamos ver o que me aguarda no escritório do Major.

Entrei na sala e notei umas caixas com uma papelada velha. Já deu um calor no peito de curiosidade e aquela já comum sensação de que dessa vez acho uma coisa interessante: Cartas revelando assassinos; crimes sem solução descritos em detalhes pelos bandidos. Aquela coisa enlatada e previsível de cinema americano. Como queria ser uma Louis Lane, ou qualquer uma dessas jornalistas investigativas como a Diana Christensen do filme Rede de Intrigas. Bom, nesse caso a Louis Lane tem mais ética. Acho que a prefiro.

Não. Não acho que será dessa vez... Ou será?

O Major me recebeu com uma expressão grave, pesarosa. Não tentei diminuir a seriedade em sua face com sorrisos ou papos formatados de cumprimentos informais como: Chuvinha chata, hein? Ou, Nossa! Que calor! Apenas dei um bom dia monofônico e baixei o olhar em direção à caixa.

Sem responder ao cumprimento ele pega um papel e, apontando-me a cadeira, fala em tom de ordem: Leia!

Pego o papel que parece um memorando de repartição pública e leio atentamente. Não sem antes gelar ao ler em letras grandes no início da página: Delegacia de Ordem Política e Social.

Caramba! Aquilo era do DOPS!

Fiz cara de que não me assustei com a leitura e falei para o Major, que me olhava nos olhos:

– Um prontuário do DOPS. Fichário provisório individual. Do que se trata?

– Não sei se vale a pena te envolver nisso, mas faço pela amizade que tive com seu pai. Ele sempre falou que havia algo errado na morte de JK. Virou piada na cidade. Dizia e até publicou no jornal de sua família a notícia de que o assassino do presidente estava hospedado na Pensão Dallas em Lorena, somente esperando o momento de falar sobre o crime.

– Conheço bem essa história. Ele era obcecado por isso. Dizia que o Presidente Geisel mandou matar o assassino antes que ele pudesse confessar tudo.

– Coitado... Passou a vida jurando que era verdade. Morreu sem poder provar. Uma pena.

– Sim, mas o que essa ficha tem a ver?

– Nada ou tudo. Você ira investigar antes que sumam com tudo.

A porta estourou com o chute do agente da ABIN. Não tive capacidade de contar o tempo em que a ação aconteceu. Apenas olhei o Major entregando a caixa e nem pude tentar impedir o Agente de rasgar a ficha após arrancá-la de minha mão. Um homem de terno entra calmamente, olha-me com um meio sorriso e diz:

– Publique, conte a história. Mas lembre-se que a verdade sempre foi e continuará sendo manipulada.

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