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Klaatu Barada Nikto

Atualizado: 21 de set. de 2020



Se esse título não tem efeito em sua memória, vejo apenas duas possibilidades: você é uma pessoa muito nova ou, caso contrário, não preza em manter elementos de cultura pop em suspensão no seu cérebro, para se referir, em rodinhas de conversas informais, à música, filmes, livros, séries, histórias em quadrinhos ora para fazer gracinhas ora para demonstrar que como todo bom nerd, está cheio de paralelos, analogias, comparações. Já vi usarem essas referências ao universo pop de todos os modos, para todas as finalidades. Desde puro esnobismo esquizofrênico intelectual; para impressionar amigos, amigas; até seduzir pretendentes. O que dá no mesmo: Pura vaidade.

Entretanto tal conhecimento serve, poucas vezes, para análises dessas artes da expressão humana. Como há uma retroalimentação de ideias, conceitos. Vez ou outra tudo se mistura. E tenho a impressão que, de certa forma, o humano – presença constante e cerne de toda criação artística - é o primordial assunto dessas expressões.

Sou fruto do meu tempo. Li literatura fantástica, não ficcional, utopias, distopias, realistas, especulativas. Assisti aos filmes baseados nessas literaturas. E nesse tempo de isolamento social, a arte me salvou, tomara que todos tenham sido salvos pela arte. Mas não vejo um renascimento cultural como dizem alguns otimistas. Talvez ao descobrirem uma cura tudo volte ao normal. Mas ao pensar nesse texto não quis seguir por caminhos de fluxos de consciências descrevendo minhas angústias, medos, falar de meus traumas, visões desse mundo desgraçado pela doença. Elevar as vozes que talvez soassem universais e não sendo herméticas atingiriam todos. Como a doença atingiu.

Preferi lembrar-me dos avisos do passado, das veladas vozes da consciência universal que através dos artistas nos avisam. Vamos tirar o véu, o verniz desses avisos.

Lembro-me de Platão e o Mito da Caverna toda vez que vejo noticiários, exercício de todos os dias para acompanhar as desgraças do novo normal do cotidiano da pandemia. Fake News são as sombras projetadas nas paredes da Caverna. Mesmo que não sejam falsas, nunca saberemos as verdades absolutas. Quem manipula as sombras que vem dos palácios do Olimpo Brasiliano do Cerrado?

Lembro-me de Philip K Dick que sempre questionou a realidade. Realidade que em suas danças midiáticas televisivas troca de parceiro de acordo com a tão citada Guerra de Narrativa. Parece-me Hemingway: “Quem estará nas trincheiras ao teu lado?”‐ E isso importa?”‐ Mais do que a própria guerra.” Tire suas conclusões. Não vou influenciar sua interpretação.

Lembro-me de histórias onde um personagem escrevia uma carta e colocava em garrafa, o mar se encarregaria de encontrar o destinatário. O termo navegar, hoje usado para explorar a internet, justifica essa lembrança. Somos náufragos em nossas próprias casas e a tecnologia nos aproximou desses heróis de idos tempos, perdidos e sozinhos em ilhas paradisíacas. Somos náufragos em nossos lares.

Lembro-me de Willian Gibson, Neuromancer, seu livro, fala de uma sociedade que vive em um mundo virtual, fala de deuses que ascendem no mundo virtual. Fala da alta tecnologia e da baixa qualidade de vida. E dá início a um subgênero de literatura chamado Cyberpunk. Nos anos oitenta era distante, irreal, especulação forçada, subliteratura, relegada a uma segunda classe literária. Hoje realiza a proeza de refletir as preocupações do momento histórico que está inserida, ao mesmo tempo, esses livros antecipam situações, possibilidades, eventos do futuro próximo ou longínquo. Situações que, muitíssimas vezes, se transformam ou inspiram realidades. Se isso não for literatura de altíssimo nível, primeiríssima linha, eu não sei, nem reconheço o que é.

Mas não farei desse texto um debruço sobre a função ou a qualidade literária da ficção especulativa ou científica. Chame-a como quiser. Como supracitado quero falar do material primitivo de toda arte. O Humano.

O ser que caminha nesse planeta - eu estou quase chamando de redondeta para irritar os terraplanistas – parece que sempre procurou respostas. E agora uma pergunta nos atormenta: Como será depois?, e, logo em seguida: Como será o mundo pós-pandemia? Não tenho respostas. Nem ninguém. Mas não consigo deixar de me lembrar de um filme que agora é emblemático. Não há como deixar de relacionar. Você já deve ter adivinhado. Sim. Estou falando de “O Dia Em Que a Terra Parou”.

Vou dar uma resumidinha. No filme aparece uma nave – ela pousa em Washington - que pensam ser soviética. A história é de 1951; guerra fria iniciando; URSS x USA; testes nucleares. Aquele contexto horroroso. Klaatu (um alienígena) é baleado por um soldado que o julgava inimigo. É levado a um hospital, onde se cura rapidamente e recebe a visita do secretário de Estado dos Estados Unidos, a quem pede ajuda ao presidente para organizar uma conferência de líderes mundiais. O secretário encaminha sua proposta ao governo, que a recusa. Para qual motivo? Klaatu trazia um ultimato aos líderes da Terra, para que eles acabassem com as guerras e com a corrida armamentista, o que estaria preocupando os habitantes de outros planetas.

Mas o que isso tem a ver com a pandemia? No contexto sócio político do filme, que é verdadeiro, vemos o mundo à beira de uma possível destruição nuclear. Em um momento do filme, para demonstrar sua força e poder, em um dia, todos os aparelhos elétricos da Terra param de funcionar ao mesmo tempo.

Em nosso mundo, cenas parecidas ocorreram, devido ao isolamento social. Quem assistiu ao filme relaciona as imagens, não tenho dúvida. Ruas vazias, ruas sem trânsito. De uma hora para a outra a vida parou.

Outra coisa, que a pandemia me fez relacionar histórias de ficção científica, foi a queda da máscara de pessoas no poder, na mídia e a eterna estratificação social que rege as rédeas do mundo.

A doença só é democrática em relação ao contágio. Não escolhe quem contamina. Mas desnuda a violência da pífia qualidade de vida, a incapacidade de deixar de trabalhar na rua e fazer Home Office, a carência de cuidado e bem estar social propagada em palanques, mas nunca realizada.

Fala-se da Itália, da Inglaterra, dos doentes em Nova York. Mas e os países africanos? E as favelas? E o pobre que move a roda da sociedade? Queriam usar africanos como cobaias? Ainda vivemos o colonialismo? Neo Colonialismo?

Só espero em raros momentos de otimismo que tudo se recupere. Senão, no fim quem vai sobreviver serão os povos indígenas. Eles retomarão a terra que lhes foi tirada e, por puro merecimento, repovoarão a terra devastada. Com o respeito que ela merece, e, que penso, só ser lhe dado por esses povos dizimados, caçados, e sem voz.

Enfim, é uma pena ver que distopias são mais prováveis que utopias. Mas seguirei com fé.

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