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  • Foto do escritorAlladin

A Garota

Tudo pra mim naquela época tudo era meio que abusivo, não conseguia sentir vivo, era como se eu vivesse odiando o mundo e sentia que aquela merda era recíproca. Era sempre a mesma coisa: eu saia pra beber e voltava pra casa, saía com alguma garota e voltava pra casa. A única coisa boa era que sempre tinha sexo, não importava onde estava, sempre arrumava um meio de trepar, sem me importar com o mundo à minha volta. Muitas vezes fui pego em algum beco, entrelaçado nas pernas de algum ser com um nome irrelevante, como animal no cio. Não tinha vergonha, era escravo dos meus desejos carnais, dos prazeres mais infames dependendo de quem fosse a percepção de vista.

Eu sempre fui muito tímido, calado, daquelas pessoas que se entrar numa sala ninguém nota., irrelevante perante a sociedade, um insignificante. Mas isso não me incomodava em nada, eu não queria fama, sucesso, ou outro arquétipo de merda qualquer. Eu queria era escrever minhas coisas e só. Se tivesse algumas cervejas e cigarros baratos já estava no paraíso. Além disso, nunca quis mais nada, e conseguir viver assim por um bom tempo. Mas quando chegava a noite e a solidão batia junto com o álcool e o desespero, eu gritava, berrava, chorava atrás de atenção… e no entanto só escutava o barulho do silêncio. Tive algumas mulheres, mas foram casos rápidos que não durava uma noite de verão. Amigos, até que tive alguns na estrada, que caminharam comigo por um tempo, outros sumiriam com a chegada do crepúsculo. Mas eu fazia questão de não me importar, eu não precisava de ninguém que não fosse uma caneta e um papel. E, por dentro, minha alma gritava! Berrava! Esperneava pra não me deixarem sozinho.

Ainda me lembro de como foi que ela apareceu. Foi algo meio místico, estranho, surreal. Era noite de lua cheia e eu já estava quase bêbado, raivoso com qualquer baboseira que eu tinha ouvido no rádio. Ela se sentou do meu lado e pediu uma cerveja e sorriu. Ficamos por horas bebendo sem trocar nenhuma palavra, não tive reação, não sabia o que falar. Era a menina mais linda que eu já tinha visto na minha vida. A garota mais linda da cidade estava do meu lado e eu não conseguia dizer sequer uma palavra. Quer merda! Um cara cuja única coisa que fez na vida foi escrever não sabia nem se quer dizer um oi. A noite foi longa e silenciosa, provavelmente a noite mais longa que eu já tinha visto, e o silencio mais agoniante que eu tinha sentido. Fomos embora quando o sol já estava vindo socar a nossa cara, ela me deu um “até mais” e eu só um sorriso e acenei com a mão. Senti-me pior que merda! Estava perto de uma deusa e estraguei, como tudo nessa vida insociável.

Era uma nova noite e os lobos já chamavam os boêmios, os poetas, as bruxas, as prostitutas, mais uma vez pra sua valsa dos infames. Eu já estava renovado, aquilo tinha sido só mais uma página no livro mal escrito da vida. Ia ser outra noite bela! E até que foi no começo: bebi, declamei uns poemas vazios, sem emoção, e bebi mais e mais que meu corpo podia aguentar. E como fosse um espelho refletindo o passado, ela veio e se sentou no meu lado novamente. Precisava tomar coragem e dar pelo menos um oi pra aquela criatura, e estava decidido em fazer isso. Mas quando olhei pra ela, ela também me observava. Ainda por cima, soltava um sorriso sacana. Era daqueles sorrisos únicos, daqueles que nem uma faca quente rasgando sua alma, daqueles que fazem qualquer homem enlouquecer. Daqueles que fazem a vida significado besta, babaca chamado amor.

Aquele sorriso me inibiu. Não sabia o que fazer, estava desesperado, avexado pra tentar falar alguma coisa, mas não saía nada. Eu era um babaca e ela uma imperatriz, então o que eu iria falar? Única coisa que podia fazer era retribuir o sorriso, e fiz do meu jeito tosco de ser, e ficamos o resto da noite um do lado do outro sem ao menos trocar uma palavra com o outro.

Depois daquela noite passei anos sem ver aquela garota, deveria ter se mudado ou ter ficado cansada de ficar perto dos loucos. Na verdade aquele lugar nunca foi o mundo dela. Éramos todos marginais, vagabundos, subversivos. Eu? Continuava no mesmo local, com os mesmos círculos de amigos que a cada dia ficava menor. Eu sempre estava com os loucos de espírito e maus de hábitos, ali era meu lugar, meu império, eu não queria nada que não fosse aquilo.

Eu não lembro muito bem, mas acho que passou uns cinco anos pra eu a reencontrar, lembro que foi no canto onde eu nunca pensaria em encontrá-la, eu a encontrei nas páginas do jornal. Na manchete estava escrito “Garota é brutalmente assassinada pelo namorado”. Eu não acreditava naquelas palavras escritas, Como assim? Como alguém poderia matar uma criatura tão linda como aquela? Como o homem poderia ser tão bruto, maligno, e destruir a vida de uma flor tão bela e singela como aquela? Como o ser-humano pode ser um animal tão violento que não só destrói a vida da flor, mas destrói toda as raízes que fizeram a flor crescer e florescer? Por que doía tanto? Sem ao menos ter trocado uma palavra com ela? E o pior, por que ela deveria ser mais um relato, como tantas garotas lindas da cidade que morreram por mãos de homens que a minha hipocrisia não deixava ver. Eu não sabia! Só soube enxugar os olhos, acender um cigarro e sair pra andar…

 

Sobre o Autor:

Pernambucano, ator, produtor cultural e escritor, Luiz Alladin escreve versos desde a infância, influenciado pela família, mas entrou de cabeça mesmo na literatura quando largou a faculdade de ciências contábeis e começou a frequentar os saraus. Hoje ele se dedica em escrever seus textos e a produzir eventos culturais na região onde vive, no interior de Pernambuco, preservando espaços de cultura de resistência.

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