A noite escura, que sob o teto dessa casa pairava. Da janela, a luz da lua amarela, e o sentimento de que alguém ali me espreitava. Se eu não ouvisse os uivos dos lobos, que da colina surgiam, acharia que eram lembranças dos tempos passados. Dos amores mal vívidos, das ex-amantes, dos ex-amados.
Deverei eu, queixar-me dos prazeres da humanidade? Das putas em quem gozei, dos rapazes que dormiam ao meu lado? Serei eu o criminoso! Condenado a vagar pela escuridão do mundo, relembrando dos túmulos enterrados?
Pobre de mim! Triste criatura, condenada por amar aqueles que o tempo esqueceu, menos eu, que comigo vagam, no meu penar. Como o pobre príncipe feliz, que nas noites de Londres, o poeta se tornava. E eu o amava! Como amava a todos meus amantes. Mas triste do pobre príncipe, que ao ver minha verdadeira face, viu o último pilar do teu império que ao chão caía. Viu os olhos do repúdio que ao túmulo o levava.
E pela luz da lua que na minha janela entrava, o teu fantasma aos meus pés chorava.
Será que sou o culpado por teu pecado? Ou o pecado meu foi não estar ao teu lado?
Em Paris, a moça comigo sonhava e, ao beijar a minha boca ao fogo, foi exilada. Outra desilusão concebida por mim! Pois teu corpo era entregue a mim, a outra eu também me entregava. Não que eu não era reciproco o sentimento que ela me entregava, mas a pureza do sexo ia além do a dois, e ao mundo eu espalhava.
Eu a matei! Sem piedade. Fui à chama do fósforo acendendo a madeira. E hoje nessa lareira, te vejo nua! Esperando o íntimo dos beijos, a saliva que teu corpo anseia.
Se ao menos tivesse um pouco de decência, pularia na luz do sol e acabaria logo com toda essa enlouquecia. Qual o motivo de estar aqui ainda? Qual a função minha nesse mundo? Enganar a todos? Fazer todos entregarem seus últimos pingos de energia vital? Não! Não! Não! Que vida é essa? Esse Deus que está pregado nas igrejas que a todos perdoa, não pode a mim? Será que não já paguei meus pecados? Então! Faça-me pular nesse primeiro raio de sol e pra o inferno ir de vez! Não aguento mais noites em cima de noites. Com esses lobos uivando, e esses fantasmas chorando. E eu aqui, preso sem poder fugir. Irei fazer isso ao amanhecer. Abrirei a porta dessa casa e deixarei meu corpo queimar. Assim! Só assim, as minhas cinzas serão livres. E a todos que eu uma vez abandonei, minha alma agora irá-los servir.
Dedico este texto a minha amiga, Hellen Heveny.
Sobre o Autor:
Pernambucano, ator, produtor cultural e escritor, Luiz Alladin escreve versos desde a infância, influenciado pela família, mas entrou de cabeça mesmo na literatura quando largou a faculdade de ciências contábeis e começou a frequentar os saraus. Hoje ele se dedica em escrever seus textos e a produzir eventos culturais na região onde vive, no interior de Pernambuco, preservando espaços de cultura de resistência.
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