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  • Foto do escritorAlladin

Construção

Sim! Eu subo em casa, traço cimento, levanto parede, faço instalação, remendo cano d’água, conserto cerca, e por causa disso sou menos mulher? Que vou ser menos feminina por fazer trabalho braçal?

Tu acha oque? Que as coisas aqui caem do céu? Que vem um príncipe no cavalo branco, que vai resolver todos os problemas da minha vida. Aqui não! A realidade vai mais além que esses livrinhos merdas que tu lê. A realidade aqui é outra minha amiga! Eu preciso alimentar meu filho, e fora as contas que tenho pra pagar. Não sou como você que teve papai e mamãe que se paga as contas, pra assim eu pudesse estudar. Eu tive é que sangrar de dia pra poder comer a noite!

Enquanto tu dormia até tarde, pra estar bem descansada pra prova do outro dia, eu tinha que sair é de madrugada em um caminhão caindo os pedaços pra ir cortar cana. Enquanto tu estava recebendo o diploma de melhor da escola. Eu ganhava um carro mão enferrujado pra poder carregar mais cimento.

Tu acha o que? Que é feio mulher trabalhando ao lado de homens? Que é trabalho muito pesado pra uma mulher? Minha filha, pesado mesmo é a fome! É ver seu filho acordar com fome a noite e você saber que não tem leite pra fazer o mingau. É acordar cedo e vê o papel de despejo pregado na sua porta. Você não sabe oque é a vida, então faz um favor, fica caladinha aí.

Vê só! A patricinha com peninha das mulheres do morro.

Essas loiras vem aqui de ano em ano, observam tudo, abraçam, tiram fotos pra Instagram e postam pra tomo mundo que estão com peninha das mulheres da quebrada! Vão à merda! Ninguém quer vir aqui e traçar vinte sacos de cimento. Depois ter que jogar em um carro de mão e levar pra onde estão puxando o piso e ainda por cima ter que ganhar menos que um salário-mínimo porque o patrão acha que trabalhamos menos que os homens. Ninguém quer né? Mas fazer a gente de macaco de circo todo mundo quer!

Eu queria mesmo é fazer igual aquele filme que todo mundo tá dizendo, pegar uma pedra e me sentar na cabeça desse povinho que tem pena de favelado. Mas como não posso, prefiro é trabalhar pra que um dia meu filho possa ter uma vida melhor que essa! Não precisar carregar tijolo pra cima e pra baixo. Eu quero que meu filho seja astronauta, e possa sair o mais longe que puder desse lugar. Na lua não existe servente de pedreiro né? Se existir ele não vai! Imagina só! O primeiro morador da Muribeca a pisar na lua! E ainda sendo filho da Maria Machão que a patricinha tem pena por trabalhar na construção.

Aí eu queria ver, o favelado ter pena do filho da patricinha por nunca ter pisado lá. Esse dia vai chegar, tu vai ver! Assim tu não vai ficar enchendo meu saco! Aí tu vai parar com essa frescura, que mulher não pode trabalhar na construção.

 

Sobre o Autor:

Pernambucano, ator, produtor cultural e escritor, Luiz Alladin escreve versos desde a infância, influenciado pela família, mas entrou de cabeça mesmo na literatura quando largou a faculdade de ciências contábeis e começou a frequentar os saraus. Hoje ele se dedica em escrever seus textos e a produzir eventos culturais na região onde vive, no interior de Pernambuco, preservando espaços de cultura de resistência.

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